O Globo
Jornalistas: Arthur Leal e Letícia Lopes

Um carro encosta na calçada da Rua Conde de Bonfim, na Tijuca. O motorista desce e entra numa farmácia, onde pergunta a uma atendente se é possível fazer um teste rápido de Covid-19. Ela informa que não. “Olha aquela fila lá no fundo da loja, está todo mundo esperando, hoje não tem mais vaga”, explica. A cena, observada na manhã desta quinta-feira, retrata um momento em que o Rio, às voltas com um “novo normal” de praias totalmente liberadas, comércio aberto sem restrições e eventos autorizados, vê aumentar a procura por atendimento a casos suspeitos de coronavírus. Na rede municipal de saúde, por exemplo, a taxa de ocupação de leitos de UTI chegou a 95% na quarta-feira, com 239 pacientes internados, o maior número desde o início da pandemia, em março.

Após um período de estabilidade, a rede privada também observa uma tendência de alta na procura de pacientes com coronavírus. Diretor da Associação dos Hospitais do Estado do Rio, Graccho Alvim disse que a demanda nas emergências subiu 40% em três semanas. Porém, segundo ele, os casos que chegam às unidades são menos graves que os registrados no auge da pandemia.

— Um ou outro hospital está cheio, mas outros ainda têm capacidade muito grande de mudar esse panorama, caso haja necessidade. Sabemos também que esta é apenas a primeira onda. Ainda não enfrentamos a mutação no vírus que aconteceu na Europa. Eu acho, particularmente, que a segunda onda pode acontecer, e, neste caso, vamos precisar juntar as mãos, até por causa dos leitos dos hospitais de campanha que foram fechados — disse Alvim.

Maior procura na emergência

Uma fonte da Rede D’Or confirmou que a demanda aumentou recentemente nos setores de emergência. No Copa Star, o número médio de atendimentos diários subiu de 15, nos últimos dois meses, para 20. O mesmo aconteceu no Copa D’Or, onde a procura de pacientes com sintomas da doença está em 40 por dia, um crescimento de mais de 30% em relação a setembro e outubro. Mas nada que se aproxime do pico da pandemia, quando a unidade chegou a atender 170 diariamente. Já no Hospital Badim, na Tijuca, houve esta semana um crescimento de 15% em relação ao mesmo período do mês passado. A unidade ponderou, no entanto, que, antes, apenas pacientes em estado grave procuravam a emergência, uma orientação que mudou.

Na rede municipal, o cenário também se alterou em três semanas. A taxa de ocupação nas UTIs passou de 78%, no dia 23 de outubro, para 92%, nesta quinta-feira. O município dispõe hoje de 251 leitos para pacientes com Covid-19 em estado grave. A prefeitura atribui a lotação ao fechamento de vagas no Hospital Federal de Bonsucesso, que pegou fogo no mês passado, nas unidades de campanha do governo estadual e na rede privada. Já as enfermarias estavam nesta quinta com apenas 35% dos 630 leitos ocupados.

Os últimos números oficiais da doença podem não refletir a real situação dos hospitais devido ao apagão nos dados da Covid-19 causado por um problema nos servidores do Ministério da Saúde. Nesta quinta, foram registrados 120 mortes e 1.785 novos casos no estado, sendo 97 óbitos e 1.038 diagnósticos apenas na capital. A média móvel de mortes — baseada nos últimos sete dias — registrou queda de 46% em relação a duas semanas atrás. A possível discrepância entre os dados divulgados e o que está acontecendo nos hospitais preocupa Roberto Medronho, professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ.

— Colegas com quem converso têm me dito que o número de internações tem aumentado. São informações precisas do ponto de vista factual, mas imprecisas no ponto de vista estatístico. É necessário que se solucione o atraso das notificações, até para que não tenhamos este obstáculo quando a segunda onda chegar, o que é muito provável — disse Medronho.

Alexandre Telles, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, é testemunha desse crescimento no Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari, unidade de referência da prefeitura para o tratamento da Covid-19, onde trabalha.

— Há, de fato, um aumento no número de internações tanto para leitos comuns quanto para pacientes graves, em UTIs. Há três semanas, numa quarta-feira à noite, atendemos dois pacientes. Na última, foram 15 — contou. — Os médicos das Clínicas da Família também têm relatado mais atendimentos de pacientes com sintomas de doenças respiratórias. Com a liberação de vez das atividades econômicas e dos eventos na cidade, a gente tem um cenário de aumento de doentes procurando a saúde básica.

Pesquisa nas UPAs

Outro termômetro importante desse panorama da doença é um levantamento feito por pesquisadores do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, que acompanham, desde o início da pandemia, as taxas de infecção por coronavírus nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do Rio, portas de entrada da rede pública de saúde. O trabalho, feito em colaboração com o Laboratório Central Noel Nutel (Lacen) e o Hemorio, mostra que a taxa de pacientes que testam positivo para Covid-19 aumentou recentemente. O índice de resultados positivos na capital, que, em julho, estava em 8%, subiu para 12% em agosto, voltando a cair para 8% em setembro, e atingiu a marca de 18% em outubro. Em cada pesquisa, são analisados 500 exames feitos em dez UPAs da capital.

— Em junho e julho, essa taxa foi caindo, mas nunca chegou a zero. Agora, voltou a subir, coincidindo com a reabertura da economia e a retomada das atividades, com as pessoas saindo para a rua sem máscara. A gente observa o aumento nas UPAs, e o problema é ver se esse crescimento vai impactar nas internações — explicou o virologista Amilcar Tanuri.

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