Os remédios para Covid não serão pagos pelo governo, diz STF

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O Globo 
Jornalista: Mariana Rosário

O empresário Marcello Bastos, de 54 anos, chegou ao hospital Copa Star, no Rio, apavorado com a piora dos sintomas desencadeados por seu quadro de Covid-19. O pior deles era a falta de ar. O caso ocorreu em março deste ano, em um momento crítico da pandemia, quando a ocupação de leitos hospitalares no Rio e em São Paulo batia médias próximas a 90%.
Ao encontrar o médico, ele pediu sucessivas vezes para que pudesse tomar o antiviral remdesivir, o primeiro medicamento | aprovado emergencialmente | pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratamento da Covid-19.
— Cheguei ao hospital determinado, dizendo ao médico que queria tomar esse remédio. Ele me explicou que o medicamento era um antiviral e que não adiantava mais para o meu quadro. Mas que estava a tempo de receber um outro, o tocilizumabe, que vinha dando bons resultados — diz o empresário, agora recuperado.
Marcello ficou nove dias internado, mas diz que três dias após receber o medicamento teve uma melhora significativa no comprometimento dos pulmões. Embora atribua ao tocilizumabe sua recuperação meteórica, e alguns estudos clínicos estejam de acordo com sua opinião, os especialistas em saúde pedem cautela. Não há garantia de que remédios do tipo possam promover melhora em todos os casos.

AVALIAÇÃO INDIVIDUAL

O Copa Star não é o único. Outros grandes hospitais, como o Sírio-Libanês, em São Paulo, e o Moinhos de Vento, em Porto Alegre, também adotam o uso de ambos os medicamentos em parte dos pacientes internados com Covid-19. A decisão do uso é, normalmente, individualizada e recomendada após avaliação do estágio da doença do paciente e de suas condições clínicas. Há também um alto custo financeiro, por vezes cobrado diretamente do paciente, de R$ 3 mila R$ 6 mil pelo tocilizumabe e entre R$20mila R$ 30 mil pelo remdesivir.

— Algo que fazemos aqui no hospital é individualizar o tratamento, entender o que cada paciente precisa. Se ele está numa fase muito precoce e desenvolve falta de oxigênio, temos indicado o uso do antiviral remdesivir. Se ele já tem um curso mais tradicional da doença, que é a internação na fase inflamatória, usamos corticoides e em casos selecionados o tocilizumabe — diz Rafael Pottes, supervisor médico da UTI Covid do Copa Star, no Rio.

Os dois medicamentos são dedicados a momentos diferentes da internação por Covid-19. O remdesivir, por ser um antiviral, deve ser utilizado nos momentos iniciais da infecção para impedir a replicação do vírus. O remédio recebeu aval emergencial da Anvisa em março, embora não tenha recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O tocilizumabe, por sua vez, é originalmente desenvolvido para tratamento de artrite e, no caso da Covid-19, é direcionado para pacientes jovens que estão apresentando fortes indicativos de que precisarão de ventilação mecânica. Sua utilização é “off-label”, ou seja, fora das indicações da bula.

ABISMO DE LETALIDADE

A utilização, ou não, desses medicamentos é mais uma fenda que separa os hospitais públicos e privados na abordagem da pandemia que já vitimou por volta de 560 mil pessoas no Brasil. A título de comparação, a mortalidade dos internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) em hospitais públicos é de 52%, enquanto nos privados é de 29%, de acordo com dados do portal Utis Brasileiras.

O Sistema Único de Saúde (SUS) lançou, neste ano, as partes iniciais de um protocolo unificado para tratamento de Covid-19. Com a publicação dos documentos, preparados por uma junta de especialistas ligados a entidades médicas, espera-se que os grandes hospitais públicos e as unidades de saúde das áreas mais afastadas pratiquem a mesma conduta de tratamento.

Uma das mudanças indicadas pelos especialistas é justamente a adoção do tocilizumabe no atendimento clínico do SUS. No caso do remdesivir, o parecer dos médicos foi negativo.

— O grupo está levantando entre 10 e 20 medicamentos e todos estão sendo estudados. O remdesivir não foi recomendado por dois motivos: a robustez do estudo não era tão forte, além do (alto) custo de instituí-lo no SUS —explica Carlos Carvalho, diretor da UTI respiratória do Instituto do Coração (InCor) e coordenador do grupo.

Embora aprovado pelos especialistas, o tocilizumabe não foi recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, a Conitec, que avalia medicamentos no Ministério da Saúde, em julho deste ano. A justificativa para a recusa — mesmo com aval dos médicos — é a falta de disponibilidade do remédio no Brasil. Procurada pelo GLOBO, farmacêutica Roche, responsável pela sua fabricação, diz estar trabalhando para normalizar seus fluxos de entrega em todo o mundo.

A médica Ludhmila Hajjar, especialista em cardiologia e medicina intensiva, acredita, porém, que há pouco interesse em incluir o remédio no SUS.

— A falta desses medicamentos é uma diferença que mostra a disparidades dos sistemas de saúde público e privado. O SUS não acompanhou os avanços da ciência —diz a especialista.

Ludhmila fez o uso do tocilizumabe na rede pública em um estudo controlado, sob coordenação do Instituto do Coração, o Incor, do Hospital das Clínicas da USP, em São Paulo. O grupo considerado pelo estudo tem 308 pacientes. Os resultados devem ser conhecidos em breve.

TRATAMENTO CONJUNTO

Embora os medicamentos tenham indicativos promissores, não existe “bala de prata” para o tratamento da Covid-19. Especialistas esclarecem que os bons resultados estão relacionados, em grande medida, a estratégias de atendimentos mais céleres e até remédios mais acessíveis.

— Estamos num momento estagnado. Encontramos algo que traz grande benefício que são os corticoides (também utilizados no SUS) e há duas intervenções com benefícios de menor magnitude, o tocilizumabe e o remdesivir — diz Alexandre Zavascki, chefe do Serviço de Infectologia do Moinhos de Vento.

Suzana Lobo, diretora presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), concorda:

— A organização do sistema, ter leitos disponíveis e uma equipe bem treinada tem mais impacto.

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