DO "NEW YORK TIMES"
Uma nova era na medicina foi aberta nesta quarta-feira (12). Um painel da FDA (agência americana que regula medicamentos) recomendou, de forma unânime, a aprovação do primeiro tratamento que altera as células do paciente para combate a leucemia.
Segundo os cientistas, o processo transforma as células da pessoa em "drogas vivas" que potencializam o sistema imunológico contra a doença.
Caso a FDA aceite a recomendação, o que é provável, o tratamento se tornará a primeira terapia gênica do mercado, com outras possíveis a caminho.
Há décadas pesquisadores e indústrias farmacêuticas buscam esse tipo de terapia. Agora, a Novartis provavelmente será a primeira, ao mesmo tempo em que trabalha em tratamentos similares para vários tipos de melanomas e para cânceres agressivos de cérebro.
Para a utilização da técnica, um tratamento paralelo precisa ser criado para cada paciente. As células da pessoa precisam ser removidas em um centro médico autorizado, enviadas para a Novartis para descongelamento e processamento, congeladas de novo e enviadas de volta ao centro de tratamento.
Com uma única dose do produto resultante, já foram observadas remissões e até possíveis curas em estudos com pacientes que se aproximavam da morte após tentarem todos os tratamentos disponíveis.
O painel recomendou a aprovação da terapia para a leucemia linfoide aguda, que costuma ser resistente ao tratamento em crianças e adultos entre três e 25 anos.
Emily Whitehead, 12, primeira criança a receber as células potencializadas, estava presente com seus pais na reunião do painel para defender a aprovação da droga que salvou sua vida.
Em 2012, então com seis anos, Emily recebeu o tratamento em um estudo desenvolvido no Children's Hospital of Philadelphia. Os efeitos colaterais –febres agressivas, problemas de pressão sanguínea e nos pulmões– quase a mataram, mas, no final, ela conseguiu se livrar do câncer.
"Acreditamos que, quando aprovado, este tratamento salvará milhares de crianças", disse ao painel Tom Whitehead, pai de Emily. "Eu espero que um dia todos vocês possam falar a suas famílias, geração após geração, que fizeram parte do processo que acabou com o uso padrão de tratamentos tóxicos, como quimioterapia e radiação. Que foram vocês os responsáveis por transformar cânceres em uma doença tratável."
Na reunião, os especialistas do painel não questionaram o potencial do tratamento em casos em que não há mais esperança de cura. As preocupações se concentraram nos possíveis mortais efeitos colaterais –no curto prazo, as reações agudas como as sofridas por Emily; no longo prazo, a possibilidade das células injetadas causarem, anos depois, tumores secundários.
Até o momento, esses problemas mais longínquos não foram detectados, mas também não se passou tempo suficiente para considerá-los carta fora do baralho.
Don McMahon, outro pai presente na reunião, descreveu os exaustivos 12 anos de leucemia de seu filho, Connor. A doença se iniciou quando o garoto tinha três anos.
O pai de Connor mostrou fotos do garoto careca e entubado durante o tratamento, e afirmou que a quimioterapia tinha deixado seu filho estéril.
Há um ano, os pais de Connor se preparavam para um transplante de medula óssea quando descobriram o tratamento com células T. O garoto, então, começou a terapia na Universidade Duke, nos EUA.
Hoje, Connor já voltou a jogar hockey.
McMahon pediu para o painel aprovar a terapia e afirmou que, comparado ao tratamento padrão –que requer várias punções lombares e dolorosos testes de medula óssea–, os cuidados com as células T são muito mais toleráveis.
O tratamento foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade da Pennsylvania e licenciado pela Novartis.
De toda forma, a terapia não será amplamente utilizada logo de início. A doença não é comum, afetando somente 5.000 pessoas por ano, dos quais 60% são crianças ou jovens adultos.
A maior parte das crianças é curada com o tratamento padrão, mas em 15% dos casos –como nos de Emily e Connor– a doença não responde à terapia ou acaba retornando.
Segundo especialistas, esses tratamentos individualizados podem custar mais $300 mil. A Novartis se recusou a especificar o preço da terapia.
Considerando a complexidade do tratamento e necessidade de uma equipe especializada para controle dos efeitos colaterais, a Novartis, inicialmente, irá limitar a terapia a 30 ou 35 centros médicos, nos quais já há pessoal treinado para aplicação do processo.
"Após a aprovação do CTL019 [nome do tratamento], caberá aos centros médicos aceitar ou não pacientes estrangeiros. Estamos trabalhando para levar o CTL019 outros países", disse, por e-mail. um representante da Novartis. A farmacêutica também afirmou que ainda este ano iniciará o processo de regulamentação da terapia na União Europeia.
Para o tratamento, é necessário remover milhões de células T dos pacientes e modificá-las com engenheira genética para que consigam matar células cancerígenas.
A técnica se utiliza de uma forma inativa de HIV, o vírus causador da Aids, para implantar material genético dentro das células T, reprogramando-as.
Essa recauchutagem potencializa o ataque de células T contra células B, uma parte normal do sistema imunológico que, na leucemia, torna-se maligna. As células T alteradas recebem a proteína CD-19, encontrada na superfície da maior parte das células B.
Então, as céluas T recauchutadas são colocadas de voltas na corrente sanguínea dos pacientes, onde elas se multiplicarão e começarão a combater o câncer.
Carl June, líder da equipe da Universidade da Pennsylvania que desenvolveu o tratamento, chama as células reprogramadas de "assassinas em série". Uma única seria capaz de destruir 100 mil células cancerígenas.
Em alguns estudos, a engenharia genética celular demorou quatro meses, o que impediu o uso da terapia, pois os pacientes estavam tão doentes que morreram antes de receber as células de volta.
Na reunião do painel da FDA, a Novartis afirmou que atualmente esse tempo foi reduzido para 22 dias. Segundo a farmacêutica, quando a terapia for utilizada em maior escala, códigos de barras e outros procedimentos podem ser usados para evitar que amostras se misturem.
Editoria de arte/Folhapress
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