O que está por trás dos cortes de empregos da Novartis?

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A Novartis anunciou uma grande reestruturação que levará à perda de 8.000 postos de trabalho em todo o mundo. Keystone / Georgios Kefalas

 

Publicado em 17/07/2022, republicado em 24/08/2022.

 

by Swissinfo.ch

 

A recente decisão da farmacêutica suíça de demitir 7% de seus funcionários é mais do que apenas uma medida de corte de custos.  É um ponto de virada para a Novartis, que está em busca de inovação que dê resultados.

Não existe uma maneira fácil de anunciar cortes de empregos, especialmente da magnitude do que a Novartis fez. Na Suíça, a gigante farmacêutica está demitindo 10% de sua força de trabalho – o que significa que 1.400 vagas desaparecerão. Globalmente, 8.000 empregos de cerca de 108.000 serão cortados nos próximos três anos. Isso tudo, quatro anos depois da empresa cortar mais de 2.000 empregos na Suíça.

Os cortes de pessoal doem ainda mais, dada a história de mais de 150 anos da Novartis no país alpino e as especulações de que a empresa poderia transferir sua sede, deixando a Suíça. Atualmente, algumas vagas de trabalho em funções administrativas e de TI estão sendo transferidas para países de baixo custo, como Índia e República Tcheca. No entanto, o CEO Vas Narasimhan garantiu em várias ocasiões que a empresa tem um compromisso com a Suíça.

“Temos uma longa história na Suíça. Esta é definitivamente uma empresa suíça e esperamos que seja assim por pelo menos mais um século”, disse Narasimhan ao jornal francês Le Temps em maio.

A decisão de eliminar tantos empregos de uma só vez parece ser menos sobre questões da empresa com seus funcionários e mais sobre a mudança de ventos na indústria farmacêutica. Para ser um grande player no setor, não é mais necessário ter uma enorme força de trabalho. O diferencial é ter grandes medicamentos – ou seja, remédios que geram mudanças dramáticas na saúde dos pacientes e que trazem grandes receitas para as empresas. A ascensão meteórica de pequenas empresas de biotecnologia como Moderna e BioNTech na esteira de grandes avanços tecnológicos reforça essa realidade.

 

Grandes remédios para menos pacientes

A Novartis ostenta o maior número de medicamentos registrados do setor, considerando  as aprovações da Food and Drug Administration (FDA) dos EUA.  Nos últimos cinco anos, a companhia teve 14 medicamentos aprovados, mais do que qualquer outra empresa farmacêutica.  Mas apenas uma fração de sua receita vem desses novos medicamentos.

De acordo com uma análise da consultoria IDEA Pharma, apenas 8% da receita da Novartis em 2021 veio de medicamentos aprovados nos últimos cinco anos. A empresa farmacêutica suíça Roche teve apenas oito aprovações no mesmo período, mas elas representaram quase 25% de sua receita no ano passado. Já a empresa japonesa Takeda registrou que 70% de sua receita veio de quatro medicamentos – todos aprovados nos últimos cinco anos.

“A Novartis tem uma mentalidade de seguir a ciência, mas o mercado quer algo diferente”, disse Mike Rea, CEO da IDEA Pharma, que já trabalhou com a Novartis no passado e atualmente tem a Roche como cliente. “A reestruturação da Novartis é uma forma de admitirem que eles estão escolhendo produtos que não estão gerando receita.”

Esse movimento ocorre no momento em que muitas empresas estão se afastando da medicina generalista e mirando na medicina personalizada e nos tratamentos direcionados, como terapias genéticas e celulares, que podem atender menos pessoas mas de forma mais especializada.

As terapias celulares e genéticas representam apenas 1% dos lançamentos do mercado, mas em fevereiro de 2020 representavam 12% do pipeline clínico do setor, de acordo com uma análise publicada pela consultoria McKinsey. Até 2025, o órgão regulador federal dos EUA espera aprovar de 10 a 20 novos produtos de terapia celular e genética por ano.

Para a Novartis, a mudança para especialidades é mais dramática do que para outras concorrentes, porque a empresa tem um portfólio muito diversificado.

“Essa farmacêutica se desenvolveu em muitas áreas, mas não de forma consistente o suficiente para que pudesse desenvolver uma especialidade. Mudou muito de estratégia e não está se aprofundando em áreas específicas”, diz Rea.

Desde que Narasimhan assumiu o cargo de CEO em 2018, a Novartis vem perdendo parte de seus negócios. Em 2019, vendeu sua unidade de saúde do consumidor para a GSK e desmembrou sua divisão de oftalmologia Alcon em uma entidade separada. No início deste ano, iniciou uma revisão de sua divisão de genéricos e biossimilares Sandoz, que deve ser vendida ou desmembrada, de acordo com reportagens publicadas.

A última reestruturação anunciada em abril, que inclui a combinação das divisões de oncologia e farmácia em uma unidade de medicamentos inovadores, é uma reformulação significativa e reflete as mudanças feitas pela Roche e por outros concorrentes. Três executivos da cúpula perderam seus empregos devido às mudanças.

“A preocupação da maioria das grandes empresas é que elas são grandes.  A pandemia levou as empresas a olharem para sua estrutura interna e se perguntarem no que sua força de trabalho é bem-sucedida”, aponta Rea, da IDEA Pharma.

A Novartis agora se refere a si mesma como uma “empresa de medicamentos com foco” construída em torno de áreas terapêuticas selecionadas e plataformas de tecnologia, investindo na terapia genética que trata doenças abordando as suas causas genéticas.

 

Escolhendo medicamentos como cavalos de corrida

A empresa espera que a reestruturação seja responsável pela economia de US$ 1 bilhão até 2024. Mas a empresa não está mal das pernas, principalmente depois de vender sua participação de 33% na Roche no ano passado. A questão é como planeja gastar seu dinheiro agora, já que não vai reforçar sua lista de funcionários. Parte da resposta está em uma nova abordagem de pesquisa e desenvolvimento.

Embora a pesquisa tenha sido uma das poucas áreas poupadas nos últimos cortes de empregos, a Novartis parece estar procurando mais fontes de inovação fora da organização. Em abril, a empresa contratou o analista farmacêutico de longa data de Wall Street, Ronny Gal, para o cargo recém-criado de direção de estratégia e crescimento. Ele assumiu a tarefa de “liderar a estratégia corporativa da Novartis, a otimização do portfólio de P&D e o desenvolvimento de negócios”.

“Acho que a empresa vai se beneficiar de ter uma visão independente sobre a possibilidade desses ativos que desenvolvemos interna ou externamente [...] realmente gerarem esse potencial multimilionário que estamos procurando. É positivo ter uma voz na sala que analise tudo isso para que possamos então dizer 'não' aos projetos que não vão dar certo e ter os recursos disponíveis para realmente investir naqueles que acreditamos que serão de sucesso”, disse Narasimhan na época do anúncio.

A mudança reflete os laços mais fortes entre P&D e os ramos de desenvolvimento de negócios da empresa, à medida que as empresas cada vez mais procuram fora de seus próprios laboratórios spin-offs acadêmicos, start-ups e biotecnologias menores como fonte de inovação. “Eles nomearam alguém para ser um selecionador de produtos, como alguém que escolhe um cavalo de corrida”, diz Rea.

 

Venda de especialidades

Essa mudança estratégica também requer um tipo diferente de organização de vendas. Historicamente, a Novartis tem custos operacionais  (vendas, administração e comunicação) mais altos do que as concorrentes.  Esses custos representam 30% da receita da Novartis contra cerca de 20% da Roche, segundo o jornal Tages-Anzeiger.

São essas áreas, portanto, onde os empregos estão sendo eliminados em um movimento para criar uma organização “mais enxuta e simples”, escreveu a Novartis em um e-mail para a SWI. Isso segue os movimentos de outras empresas, como a Pfizer, que em janeiro anunciou que estava reduzindo sua equipe de vendas à medida que evolui para uma “empresa biofarmacêutica mais focada e inovadora” e se adequa à realidade na qual profissionais de saúde esperam menos interações olho no olho com empresas farmacêuticas.

As funções e habilidades reais da força de vendas também estão mudando à medida que as pessoas recuam diante do alto preço de muitas terapias genéticas e celulares.

A Novartis testemunhou essa mudança em primeira mão quando lançou o Zolgensma em 2019 – uma terapia genética para tratar a atrofia muscular espinhal que foi anunciada como o tratamento mais caro de todos os tempos, com uma única injeção custando US$ 2,1 milhões. Em alguns países, foram necessários meses ou anos, além de profundo conhecimento jurídico e financeiro, para alcançar acordos sobre novos modelos de reembolso e pagamento.

 

Adaptação: Clarissa Levy
(Edição: Fernando Hirschy)

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