Correio Braziliense
Jornalista: Vilhena Soares
17/11/19 - O advento da internet trouxe uma série de benefícios, como o encurtamento de distâncias e o acesso a uma infinidade de informações que podem ser acessadas em questão de segundos. O mundo on-line também tem ajudado a área médica. Aplicativos e sites especializados auxiliam pacientes durante o tratamento e permitem aos médicos compartilhar informações, o que pode, por exemplo, ajudar em diagnósticos mais complexos. Uma pesquisa americana mostra as vantagens dessas facilidades, mas alerta sobre a necessidade de se ter extremo cuidado ao buscar esse tipo de auxílio nas redes virtuais.
No caso da suspeita de doenças raras, a ajuda pode ser bastante estratégica, mostra um estudo da Wake Forest Faculdade de Medicina. Anthony J. Bleyer, um dos autores do estudo e professor de nefrologia da instituição estadunidense, explica que as doenças raras, especialmente as hereditárias, geralmente não são diagnosticadas corretamente por médicos da atenção básica e até mesmo por especialistas.
É comum ainda o fato de o profissional especializado estar longe, em grandes centros médicos e/ou urbanos. “Embora as pesquisas on-line frequentemente falhem em fornecer informações relevantes ou corretas sobre a saúde, a internet oferece às pessoas com doenças raras uma maneira de encontrar os raros especialistas interessados em uma condição específica e de obter informações precisas”, explica o cientista.
No estudo, publicado na revista especializada Genetics in Medicine, Bleyer e sua equipe analisaram 665 encaminhamentos médicos feitos de 1996 a 2017 para o centro de pesquisa da Wake Forest School of Medicine especializado em doença renal tubulointersticial autossômica (ADTKD, em inglês). A condição hereditária faz com que, gradualmente, os rins parem de funcionar.
Entre os encaminhamentos, 40% haviam sido feitos por prestadores de cuidados de saúde de centros médicos acadêmicos, 33%, por profissionais não acadêmicos e 27% dos casos eram indivíduos ou familiares preocupados que entraram em contato com o centro diretamente através do site, sem orientação ou assistência de um profissional de saúde.
Os resultados dos testes genéticos foram positivos (indicando a presença de ADTKD) em 27% dos casos encaminhados pelos centros acadêmicos, em 25% dos encaminhados por prestadores não acadêmicos e em 24% dos que entraram em contato diretamente com o centro especializado.
“As porcentagens semelhantes indicam que a busca ativa do autodiagnóstico usando a internet pode ser bem-sucedida”, avalia Bleyer. “Um quarto das pessoas com ADTKD foram diagnosticadas como resultado do contato direto com o centro. Isso representa 42 famílias e 116 indivíduos que, de outra forma, não seriam diagnosticados se não tivessem entrado em contato conosco.”
Cuidados
Uma das limitações do estudo é que ele examinou dados de apenas um centro especializado em um único distúrbio raro, admitem os cientistas. Mas eles acreditam que o trabalho destaca a importância da internet como um recurso para pessoas com comprometimentos raros de saúde. “A disponibilidade de informações sobre esses distúrbios na internet pode levar ao aumento do diagnóstico. Por isso, os centros interessados em distúrbios raros devem considerar melhorar sua acessibilidade on-line ao público”, defende Bleyer.
Natan Monsores, que é coordenador do Observatório de Doenças Raras da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), destaca que a internet é uma das ferramentas que têm auxiliado pessoas com doenças raras. “Nos últimos anos, vimos uma série de ferramentas surgirem e, com elas, há uma troca de informações maior, até entre os profissionais da área”, diz.
O especialista chama a atenção para outro aspecto que dificulta o acesso a esse tipo de informação. “Essas doenças são pouco conhecidas e a maioria é em inglês. Por isso, aqui na UnB, estamos desenvolvendo um aplicativo com esse objetivo, chamado RarasNet. Estamos na última fase de desenvolvimento e esperamos mais financiamentos, mas queremos reunir nele uma série de informações importantes, como onde achar tratamento, onde ficam os centros especializados etc.”, conta.
Monsores também ressalta que a busca por informações deve ser feita com cuidado. “É preciso saber de onde elas estão vindo, buscar, por exemplo, em associações especializadas. Temos empresas que têm se dedicado a essa área, como o Google, que faz com que uma busca por determinada doença seja direcionada para hospitais”, diz.
Um hábito dos brasileiros
O Brasil é o país em que as buscas referentes à saúde mais cresceram no mundo no último ano, segundo levantamento feito pelo Google. A pesquisa considerou a própria plataforma e o YouTube, pertencente ao mesmo grupo. Considerando temas de grande apelo, é possível perceber o tamanho do interesse dos brasileiros. Enquanto as pesquisas de saúde cresceram 17,3% no período, as de cuidados com cabelos aumentaram 3% e as de maquiagem, 4%. A sondagem mostra ainda que, quando percebem algum problema de saúde, 26% dos brasileiros recorrem inicialmente ao chamado doutor
Google. Trinta e cinco por cento vão a um médico.
"Temos visto uma série dessas ferramentas surgirem e, com elas, há uma troca de informações maior, até entre os profissionais da área (…) É preciso saber de onde elas estão vindo, buscar, por exemplo, em associações especializadas”, diz Natan Monsores, coordenador do Observatório de Doenças Raras da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília
Um apoio para a psicoterapia
A psicologia é outro campo da saúde que pode contar com a ajuda de recursos tecnológicos. Em um trabalho inédito divulgado no Journal of Medical Internet Research, pesquisadores da Universidade de Indiana (EUA) analisaram os resultados obtidos por esses recursos tecnológicos em pacientes com depressão. Lorenzo-Luaces e colegas analisaram 21 estudos, com um total de 4.781 indivíduos que usaram aplicativos de terapia cognitivo-comportamental, e detectaram resultados positivos.
“Antes desse estudo, imaginei que esses resultados eram vistos apenas em pacientes com depressão muito leve. Para a minha surpresa, esse não foi o caso. A ciência sugere que esses aplicativos e plataformas podem ajudar um grande número de pessoas”, diz o cientista.
Apesar da constatação, o pesquisador destaca que a terapia presencial e os antidepressivos são mais eficazes do que os aplicativos. “Isso não quer dizer que você deva parar de tomar seus remédios e ir à loja de aplicativos mais próxima. As pessoas tendem a se sair melhor quando têm orientação”, explica. Para o cientista, a terapia baseada em aplicativo pode ser uma vantagem em situações em que o acesso à terapia presencial é limitado, devido, por exemplo, a barreiras logísticas, como longas distâncias e horários de trabalho inflexíveis.
Kassiana Pozzatti, psicóloga clínica, trabalha com esse contexto. “Hoje já é permitido pelo Conselho Federal de Psicologia o uso da psicoterapia pela internet. Tenho pacientes que estão no exterior. Por trabalho, eles se mudaram. Um deles sentiu diferenças culturais no atendimento que procurou. Por isso, o atendo por vídeo”, conta.
A psicóloga ressalta, porém, que o contato direto é importante. “Percebo que o paciente chega carente em todos os aspectos, da escuta, de um olhar e até mesmo de um abraço. Os aplicativos não te dão esse calor humano, que é parte do processo psicoterápico. Mas, independentemente de ser presencial ou virtual, é necessário checar se o psicólogo atuando é uma pessoa formada, que seja ativa no conselho da categoria”, alerta.
Comentários