Se numa conversa informal com gestores de recursos você pedir um exemplo de empresa cujas ações estão caras na bolsa, certamente vai ouvir de boa parte deles o nome da rede de farmácias Raia Drogasil. Mas com a seguinte ressalva: não é que a empresa seja ruim, pelo contrário. Mas está num valuation de 40 x lucro, o que, na visão deles, não faz sentido.Menos do que a algum problema embutido na empresa, uma análise como essa atribui o preço atual da rede de drogarias a alguma distorção do mercado, que vem, sabe-se lá por quê, pagando mais do que a empresa vale - e isso desde 2010. A Raia Drogasil já tem o carimbo de queridinha da bolsa, em particular na visão dos fundos estrangeiros que mantêm o papel em carteira.
Mas peça ao gestor para explicar exatamente por que a empresa não vale os 40 x o lucro embutidos hoje em suas ações. Aí eles já ficam mais reticentes, sem querer assinar embaixo do que disseram.
No mercado brasileiro, os analistas detalham mais as recomendações de compra do que as de venda das ações. Os gestores de fundos, quando falam, procuram comentar sobre ações que compraram na baixa e subiram depois.
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Pouca gente fala que nessa busca de oportunidades de investimento encontrou algo caro demais e está pretendendo ganhar dinheiro com a queda desses papéis. As razões podem ser culturais, de um mercado ainda pequeno.
Mas há exceções. A gestora Versa, dos sócios Luiz Fernando Alves Jr e Pedro Pessoa, ex-Itaú e GTI; Paulo Valaci, ex Citi e Marcus Bonaldi, ex-Itaú e Pan, administra um fundo long and short. Ele vive de achar oportunidades em ações caras e baratas e eles resolveram falar abertamente sobre elas.
Estejam vendidos ou comprados, apresentam suas análises e ficam totalmente expostos aos erros - e acertos. A Versa também não se conforma com o valor da Raia Drogasil na bolsa - e já vem alertando os investidores para isso há pelo menos um ano e meio.
Raia e Drogasil se fundiram em 2011 e, após aquele período mais difícil inicial da integração, entregaram bons resultados e dividendos aos investidores que, pelo valuation que atribuem hoje para a empresa, acreditam que essa entrega vai continuar assim por mais alguns anos. Entre os anos de 2012 e 2016, a empresa entregou crescimento acima de 30%.
O ponto da equipe Versa é que os resultados da empresa, além de qualquer mérito da gestão, se beneficiaram de um cenário macroeconômico recente que lhe foi muito favorável. Mas o quadro já não é mais tão positivo assim e os números já deixam transparecer isso.
Varejo 'sem marca'
Alves Jr, sócio e gestor do Versa, começa essa história lembrando que o varejo farmacêutico é “sem marca”. “Algumas pessoas querem ter a calça ou a bolsa de determinada marca, então vão procurar certas lojas. Mas as farmácias vendem os mesmos produtos. Uma pode ser maior, mais bonitinha, mas se o consumidor achar o remédio caro, vai pesquisar na outra”, afirma Alves, lembrando que pelo que se vê por aí nas ruas hoje, pelo menos em São Paulo, essa outra estará bem ao lado.
O que se viu nos últimos anos nesse setor foi uma expansão muito acentuada por parte das grandes redes que se formaram. Raia Drogasil e Pacheco São Paulo se espalharam por São Paulo, onde já eram dominantes. A Pague Menos também migrou para outras regiões, além do Nordeste. Até a Panvel, case de muito sucesso na região Sul, pisou no território paulista.
A teoria diz que quando uma empresa cresce muito por meio de lojas próprias, a consequência será a queda de suas margens. Isso porque a loja nova exige investimentos e tempo de maturação. É preciso contratar pessoal, fazer estoques, arrumar a loja, antes que ela venda um remédio para dor de cabeça, no caso de uma farmácia.
Os estudos indicam que depois de inaugurada, uma loja chega a levar 3 anos para ser considerada madura. Se a empresa tem muitas lojas novas, o natural é que esse processo, portanto, pressione as suas margens, já que num primeiro momento, o investimento é maior do que o retorno.
O que a Versa identifica é que o quadro macro favorável para o setor fez com que a Raia Drogasil conseguisse bancar sua expansão sem ter suas margens pressionadas. Isso vale para as concorrentes, com a diferença de que elas não são abertas e não têm o valor de seus negócios expresso na tela da bolsa _ a exceção é a BR Pharma, em recuperação judicial. Nos anos de 2015 e 2016, em função das trapalhadas do governo Dilma, os medicamentos tiveram reajustes muito fortes, próximos dos 13%.
Esse reajuste é controlado e usa na sua composição inflação e câmbio, que depreciaram nesses anos. Veio 2017, um ano de câmbio e inflação mais controlados, e o reajuste dos remédios caiu para perto de 2,5%. Neste ano de 2018, ficou em cerca de 3%.
Com os reajustes muito fortes em 2015 e 2016, a Raia Drogasil conseguiu repassar os preços e manter receitas crescendo e margens mais elevadas, apesar do projeto de expansão. “O reajuste acabou mascarando o efeito do custo das lojas novas. A receita crescia tanto que era capaz de mascarar a diluição do aumento do custo. A partir de 2017, o percentual de reajuste despencou e as margens bruta e ebitda da Raia Drogasil começaram a enfraquecer”, diz Alves Jr.
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Do pico do negócio até hoje, Alves Jr diz que a queda das margens é próxima a 2 pontos percentuais. A margem Ebitda da Raia Drogail no terceiro trimestre ficou em 7,5% (-0,8) e a bruta, em 28,3% (-0,2%). “Se estivéssemos falando da Ambev, que tem margens gigantes [ no terceiro trimestre, a bruta ficou em 60,5% e a ebitda e, 40,2%], não teria tanta preocupação.
Mas estamos falando de uma margem que era de 10% e caiu para abaixo 8%. E o que a gente vê, empiricamente, é que há uma farmácia em cada esquina principalmente no lugar em que a margem desse negócio é melhor, que é São Paulo, onde está a maior renda do país”, resume Alves Jr.
Não por outra razão que o aumento da competição e menores reajustes, ele observa, as vendas mesmas lojas das unidades maduras da Raia Drogasil vêm caindo nos últimos trimestres _ no terceiro trimestre de 2018, a retração foi de 3,2%.
“Na nossa avaliação, a Raia Drogasil é uma empresa que está crescendo aceleradamente via novas lojas para tentar compensar uma estrutura que ela já tem e que está cada vez mais perdendo rentabilidade”, diz o gestor da Versa. A empresa tem ido para outras regiões, para tentar lançar o contra-ataque à concorrência na maior cidade do país. Mas Alves Jr lembra também que as rivais vem para São Paulo em busca de margens mais altas; e a Raia Drogasil vai encontrar margens menores em outras localidades. “E o que garante que essa saturação e dificuldade de crescimento não irão se repetir nessas novas lojas, em outras regiões?”, questiona Alves.
Setor fragmentado
O grande problema é mais competição, num setor de margem baixa e extremamente fragmentado, mesmo sendo líder de mercado, a fatia da Raia Drogasil é de 12%.
A empresa tinha 1768 lojas ao fim do terceiro trimestre, período em que havia inaugurado 170 unidades, com foco em São Paulo e no Nordeste. O percentual de lojas maduras é de 60%.
Além das grandes redes, as pequenas que sobreviveram e deixaram a informalidade estão se unindo para conseguir negociar com fornecedores juntas, no mesmo patamar das grandes.
O retorno (ROE) da Raia Drogasil é de 16% e a empresa negocia a 40 x o preço/lucro. No começo do ano, o múltiplo estava em 50. “Por isso eu não entendo esse valuation que está na bolsa. Nos nossos cálculos, se cair para 20 x lucro ainda assim esta ação estará muito cara”, diz Versa. Outros gestores ouvidos pela reportagem concordam que o mercado está pagando demais pela empresa e apontam o múltiplo de 20x como mais próximo da realidade.
A empresa é uma boa pagadora de dividendos. Em 2017, a ação acumulou alta de 51,3%; ajustado pelos proventos, esse percentual fica em 26,86%. Neste ano até dia 18, o papel tem queda de 35%; ajustado por proventos, alta de 13%.
“Essa ação já saiu da casa dos R$ 90 ano para a dos R$ 60 neste ano e ainda assim está caríssima”, repete Alves. A Raia Drogasil vale hoje na bolsa cerca de R$ 20bilhões, valor próximo ao de Sabesp, CCR ou Pão de Açúcar.
Muito do resultado que a empresa entregou aos acionistas também veio da eficácia de capturar sinergias dos dois negócios. Por outro lado, a estimativa da Versa é que os ganhos de produtividade, depois do excelente trabalho que foi feito, são agora menores.
A grande questão levantada pelos gestores é se a empresa passa por um período um pouco mas fraco, ou se o que pode estar em jogo é “toda a crença no mercado de farmácias e no modelo da Raia Drogasil, que levou as projeções para estratosfera e o valor das ações para a lua. Uma hora a realidade bate à porta, e esse momento pode estar próximo”, dizem os gestores.
Procurada para comentar a análise da Versa, a Raia Drogasil não deu entrevista.
Fonte: Seu Dinheiro
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