Lesões de dermatite atópica. SANOFI
Pacientes chegam usar água sanitária para diminuir os sintomas, mas medicamentos biológicos podem mudar essa situação
Nem durante a entrevista, ela consegue ficar quieta. Mesmo de forma dissimulada, África Luca de Tena precisa se coçar continuamente. Ela é uma das fundadoras de uma associação de afetados pela dermatite atópica, que luta contra essa patologia de caráter autoimune. Atualmente, Luca de Tena está um pouco protegida por sua gravidez, como ela explica, porque durante a gestação o sistema imunológico da mãe diminui sua intensidade para evitar a rejeição do filho que está se desenvolvendo.
A dermatite atópica é caracterizada principalmente pela coceira intensa e contínua. “Impede o sono, afeta as relações sociais, sexuais, o trabalho, o esporte [é agravada pelo suor], o lazer, a imagem” exemplifica Ainara Rodríguez, responsável médica de Dermatite Atópica de Sanofi.
Essa doença não tem cura e os tratamentos oferecidos por especialistas são para os sintomas. De hidratantes e corticoides para a inflamação nos casos mais suaves a imunossupressores para os mais graves, explica Javier Ortiz, um dermatologista do Hospital 12 de Octubre de Madri. “Sabemos que não podemos curá-los, apenas aliviá-los”, diz. O problema é que são produtos com efeitos colaterais importantes que só devem ser tomados por certo tempo. “Temos uma doença crônica sem um remédio crônico.”
Além da coceira, aparecem manchas vermelhas, escamas, eczemas – principalmente nas articulações. A intensidade nem sempre é a mesma. “Vai de mal a pior”, disse Ortiz. Por isso evita falar de surtos, já que os pacientes graves sofrem um desses episódios de agravamento por mês “que dura cerca de 15 dias”. “Você sabe que sempre vai estar aí”, diz Jaime Llenaza, outro dos afetados.
A ideia de que é algo incurável e estigmatizante faz com que os dados sobre a incidência da doença não sejam claros. “Falta estudo”, admite Ortiz. “Há pacientes que não procuram o médico”, acrescenta Rodriguez. Durante anos, Luca de Tena foi uma delas. “Até recentemente, não queria nem ir ao médico. Minha família me levou no final, quando tinha 90% do corpo afetado. Apenas os lados dos braços se salvavam”, conta. “Sempre tive isso, e você se cansa, cansa muito”, acrescenta.
A derme e o sistema nervoso têm a mesma origem no desenvolvimento embrionário e a liberação de neurotransmissores afeta a pele, explica Ortiz. Há até uma especialidade de dermatologia psiquiátrica (ou psicodermatologia, dependendo de quem a estude) que vai além da depressão ou da ansiedade pelo desconforto ou os efeitos sobre a aparência. “Quando você fica nervoso com algo coça mais”, diz Llenaza.
Essa coceira contínua faz com que as pessoas afetadas procurem qualquer tipo alívio. Mas todos têm efeitos colaterais. “Se você jogar água fria, a pele vai ficar irritada. O sol é bom, mas o suor é ruim”, diz Luca de Tena. Um dos remédios mais estranhos, embora respaldados pelo médico, é tomar banho com água sanitária diluída. “A pele dessas pessoas é especialmente sensível às infecções por herpes e estafilococo dourado”, explica ele, e a água sanitária atua como um desinfetante. “Mas se exagerar, irrita ainda mais”, acrescenta. Até o mais básico, se coçar, é inevitável, mas prejudicial porque são liberadas substâncias que aumentam a resposta inflamatória.
A doença tem um importante componente genético, mas também influem fatores ambientais. E por isso está aumentando. Em um estudo na Dinamarca, foi descoberto que na década de 60 afetava entre 2% e 3% das crianças; na década de 70, eram entre 6% e 7% e nos anos 90, alcançou uma incidência entre 15% e 20%. A razão, segundo Rodríguez, é a denominada hipótese da higiene: a assepsia em que vivem as crianças faz com que seu sistema imunológico fique desequilibrado. Se, de um modo geral, existem dois tipos de reações imunológicas, as reguladas pelos linfócitos TH1 contra vírus e bactérias e as reguladas pelos TH2 contra alérgenos, o cuidado excessivo dos bebês faz com que os primeiros de não tenham trabalho, e que os segundos, ao contrário, trabalhem demais.
Medicamentos biológicos
A esperança para os doentes, sobretudo para os mais graves, é que há vários remédios em fase de teste e dois aprovados recentemente. Em setembro, a Agência Europeia de Medicamentos aprovou o primeiro remédio biológico contra a doença, dupilumab. A agência reguladora de remédios dos EUA (FDA, na sigla em inglês), já havia aprovado o medicamento em março deste ano. No Brasil, o medicamento já se encontra em fase de registro pela Anvisa. "A Sanofi aguarda a aprovação regulatória para anunciar o lançamento do produto no país", informa a empresa.
Em vez de atuar contra os sintomas, atacam duas proteínas, as interleucinas 4 e 13, envolvidas no processo inflamatório. Há casos de pacientes nos EUA que estão tomando há três anos sem nenhum efeito adverso a não ser local pelo uso da agulha, diz um representante da Sanofi, que, juntamente com a Regeneron, são os responsáveis pelo desenvolvimento da droga.
Ortiz é otimista. “Não vai curar nem vai funcionar em todos, mas vai ser uma mudança. O medicamento conseguiu a redução de 75% da coceira em dois terços dos pacientes em 16 semanas”, afirma, citando o ensaio com mais de 2500 pacientes que levou à sua comercialização.
Como em todos esses desenvolvimentos biológicos, o maior problema é o preço do medicamento. Nos EUA, o tratamento com dupilumab custa cerca de 37.000 dólares (119.000 reais) por ano. Mas esse valor pode diminuir se pesquisas provarem que o medicamento pode ser usado em outras aplicações. Há outras doenças relacionadas com a dermatite atópica (asma alérgica, rinite) nas quais estão sendo feitos testes.
O dupilumab não é a única novidade. Também está pendente a aprovação do uso do crisaborole, uma pomada do laboratório Anacor para fases moderadas já utilizado no tratamento da psoríase. Tem a vantagem de ser um anti-inflamatória sem corticoides, o que evita efeitos como o aumento de peso, danos nos rins e nos ossos, comum nos pacientes. E virão mais. Ortiz aponta uma lista de mais de dez medicamentos em desenvolvimento. “Com a chegada dos biológicos, a dermatite atópica vai sofrer uma mudança semelhante à ocorrida em 2001 com a psoríase”, diz o médico.
O aumento de doenças como a dermatite atópica e outras de tipo alérgico e autoimune têm uma causa clara no ambiente. Embora exista um fator genético importante, ele não varia tanto nem tão rápido com o tempo, indica Ainara Rodríguez, especialista nesta doença do laboratório Sanofi. São os condicionamentos, especialmente nos cuidados de limpeza das crianças, que é quando a maioria destas doenças começa a se manifestar, os determinantes do aumento.
Rodriguez expõe três estudos que destacam as vantagens da chamada "vitamina S", o contato com a sujeira. Nos anos setenta, antes da queda do Muro de Berlim, foi feito um estudo sobre a prevalência desta doença nos dois setores da cidade. Na parte Oriental, com piores condições de higiene, onde as pessoas viviam mais amontoadas, havia muito menos casos, em média, do que na Ocidental. Ao repetir o estudo após a unificação, os números dos dois lados da cidade estavam no nível da parte Ocidental.
Outro estudo comparou os casos deste tipo de doenças alérgicas e autoimunes entre as crianças cujos pais costumavam esterilizar tudo que elas usavam e aqueles que quando a chupeta caía no chão limpavam colocando-os na própria boca. As crianças que eram tratadas assim tinham uma incidência desses transtornos muito menor que os outros.
Por último, um trabalho publicado em agosto de 2016 no New England Journal of Medicine fez a mesma comparação entre as crianças de duas comunidades muito especiais: os amish e os huteritas. São grupos fechados sendo que os segundos têm a permissão de maior uso de máquinas (o que reduz o contato com os animais). Esta maior higiene fez com que aumentassem os casos de doenças como a dermatite atópica.
Fonte El País
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