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Maria João Montenegro

Por O Observador

Com o avanço da tecnologia, será que vamos cada vez mais alargar o leque de perfis dedicados à saúde, para matemáticos, programadores e outras profissões?


Com o avanço da tecnologia, será que vamos cada vez mais alargar o leque de perfis dedicados à saúde, para matemáticos, programadores e outras profissões?

A terceira maior causa de morte nos EUA é o erro médico e má coordenação. Este problema não é exclusivo dos EUA e estima-se que, nos países desenvolvidos, uma em dez pessoas sejam tratadas incorretamente nos hospitais, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Perante grandes avanços tecnológicos, que mudanças acontecerão na prática da medicina?

Historicamente, a medicina tem sido feita nos consultórios e hospitais, de forma reativa, e baseada largamente na interpretação de sintomas e histórias clínicas incompletas, por médicos cujo conhecimento terá sido adquirido durante o curso de medicina e o internato:

A interação com profissionais de saúde é feita maioritariamente de forma presencial, nos hospitais. No entanto, 14 em 100 pacientes sofrem infeções devido à permanência em hospitais (OMS), não fossem estes os locais onde todas as doenças vão parar.

A prática médica é um misto de arte e ciência. O médico diagnostica usando o seu sentido crítico e conhecimento para interpretar os exames e descrição dos sintomas e historial clínico do paciente. No entanto, todos sabemos que raramente conseguimos expressar corretamente o que sentimos ou ser exaustivos na comunicação da nossa história (nem que seja porque parte dela aconteceu quando éramos demasiado pequenos para a compreender).

Os médicos adquiriram grande parte do seu conhecimento na faculdade e internato, muitas vezes há décadas. No entanto, por muito que os melhores médicos encarem a sua profissão como uma que exige aprendizagem contínua e ininterrupta, atualmente os avanços na Medicina acontecem a um ritmo que torna impossível o seu acompanhamento exaustivo. Quantos de nós, perante graves doenças, partimos em busca duma segunda e terceira opinião e saímos com várias novas hipóteses sobre a doença e tratamentos recomendados?

Caminhamos para uma realidade muito distinta da atual, em que a Medicina é mais preventiva e preditiva, o diagnóstico é feito por computadores e os pacientes deslocam-se menos a hospitais:

TELEMEDICINA. A ida ao hospital será menos frequente graças a linhas de apoio telefónico, consultas virtuais (estima-se que cerca de ⅓ das consultas já poderiam ser virtuais), prescrições eletrónicas e exames médicos feitos em casa. Note-se que estudos mostram que programas de telemedicina levam a uma redução da taxa de mortalidade de até 45% (revela o Departamento de Saúde do Reino Unido) e uma clara redução de custos.

Estas mudanças libertarão os profissionais de saúde para outras atividades e o espaço físico dos hospitais para situações de real necessidade, reduzindo os custos com cuidados de saúde e tornando os sistemas de saúde menos insustentáveis. Em Portugal, existe a linha de apoio SNS 24, que pretende fazer uma triagem dos casos urgentes e evitar idas desnecessárias às urgências e hospitais, no geral. O serviço já realiza também mais de 70 mil consultas de telemedicina anualmente. Quanto a exames feitos em casa, atualmente existem tecnologias (por exemplo da AliveCor) que permitem transformar smartphones em aparelhos de eletrocardiograma, e também aplicações que detetam episódios maníaco-depressivos – quando necessário, poderão ser emitidos alertas para profissionais de saúde, desencadeando respostas em benefício do paciente.

SR. DR. COMPUTADOR. O diagnóstico será feito com algoritmos em computadores de capacidade de processamento muito acima da do ser humano. Um médico com décadas de experiência poderá ter visto milhares de casos, mas essa experiência não é comparável aquela dum computador capaz de processar milhões de casos num instante. Foram feitos avanços importantes em sistema de saúde como o português, com a introdução de Normas de Orientação Clínica, mas ainda assim existe variabilidade no diagnóstico e tratamento e não é garantida a atualização permanente destas normas. Comparando o historial médico eletrónico (exaustivo e preciso) e exames, com bases de dados de doenças (sempre atualizadas com todo o conhecimento aceite pela comunidade científica), o diagnóstico feito por computadores tem o potencial de reduzir drasticamente os erros e prolongar a vida e qualidade de vida de todos nós.

Estas mudanças irão transformar a profissão médica. Por exemplo, já existem algoritmos (da Zebra Medical Vision) que permitem analisar radiografias de forma mais rápida, barata e com menor probabilidade de erro que a de um um humano. Porque não começar a combater falhas de recursos especializados no SNS através da implementação de programas-piloto destas tecnologias, para que libertemos os médicos para atividades de maior valor acrescentado e que ainda não podem ser realizadas por computadores?

WEARABLES. Verificamos a rápida adoção de dispositivos eletrónicos que lêem e registam sinais fisiológicos e promovem comportamentos saudáveis, alertando para a necessidade de exercício e monitorizando as calorias ingeridas.

Estes poderão, por exemplo, detetar anomalias e prever eventos como ataques cardíacos, alertando atempadamente o paciente e profissionais de saúde. Não tardará a altura em que dispositivos como o Apple Watch terão a capacidade de detetar anomalias no batimento cardíaco e prever com precisão ataques cardíacos, emitindo um alerta para profissionais de saúde próximos da nossa localização. Ao contrário do que se poderá pensar, a adoção da tecnologia irá permitir uma personalização nunca antes vista da Medicina, mas também uma humanização do papel dos profissionais de saúde.

Torna-se claro que com os avanços tecnológicos o futuro da medicina é risonho, mas qual será o papel do médico? Deixará, certamente, de ser tão relevante no diagnóstico, mas será importante no desenvolvimento de tecnologias de saúde e no acompanhamento dos pacientes para a explicação das doenças e tratamentos – mas para desempenhar estes papéis será que precisamos dum curso de medicina, ou vamos cada vez mais alargar o leque de perfis dedicados à saúde, para matemáticos, programadores e outras profissões?

Maria João Montenegro tem 27 anos e é consultora na McKinsey & Company, baseada em Washington DC. Tem experiência em temas de estratégia e tecnologia digital nas indústrias farmacêutica e da saúde, e no setor público. É licenciada em Gestão pela Católica-Lisbon School of Business and Economics e completou recentemente o seu MBA na Columbia Business School, em Nova Iorque. Juntou-se ao Hub de Lisboa dos Global Shapers em 2014.

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