Criada em 2013, a biofarmacêutica AbbVie iniciou suas operações no Brasil um ano depois, mas já com status de gigante no mercado. A empresa nasceu de uma subdivisão da Abott, centenária companhia de produtos farmacêuticos com sede em Chicago, nos Estados Unidos.
Tendo como foco a pesquisa clínica em quatro áreas terapêuticas principais – imunologia, neurociência, oncologia e virologia –, a AbbVie está presente em 75 países. Mas o alcance de seu trabalho em pesquisa clínica vai muito além disso. A empresa estima que, anualmente, 26 milhões pacientes sejam beneficiados pelo uso de seus medicamentos em 200 países.
No Brasil, a biofarmacêutica conta com 380 profissionais, e conduz cerca de 40 estudos e projetos clínicos, envolvendo mais de 800 pacientes e 200 equipes e centros de pesquisa, muitos deles no Rio Grande do Sul. Apesar do foco em medicamentos, a AbbVie Brasil tem investido também em pesquisas de “vida real”, como diz a diretora médica Karina Fontão, mencionando um estudo sobre a prevalência de síndrome metabólica e artrite entre pacientes com psoríase.
Em entrevista ao Jornal do Comércio, Karina, que tem 20 anos de experiência na indústria farmacêutica e passou por outras grandes empresas do setor, fala sobre o trabalho da AbbVie e sobre o panorama da pesquisa clínica no Brasil.
Empresas & Negócios – Como a senhora avalia esses primeiros cinco anos da AbbVie no Brasil?
Karina Fontão – Estou há pouco mais de dois anos na empresa, mas já acompanhava o trabalho da AbbVie antes, pois, quando se está em um setor, sempre se observa o mercado, o cenário. O médico que trabalha na indústria farmacêutica é um profissional que gosta muito de se inteirar sobre avanços. Eu acompanhava sempre a Abbot, a “mãe” da AbbVie. É uma empresa muito antiga, que tinha várias divisões – de cardiologia, de equipamentos, de medical advice, como chamamos, uma parte de diabetes, uma farmacêutica, uma de nutrição… Esse spin off tirou a parte farmacêutica de dentro do grupo, possibilitando melhorar o percentual de investimento em pesquisa. Quando se está em uma empresa muito grande, o investimento também é diluído. O que mais me atraiu na AbbVie foi a riqueza do pipeline, ou seja, o desenvolvimento de potenciais novos medicamentos, que farão a diferença na vida das pessoas nos próximos cinco, dez anos.
Empresas & Negócios – Em relação a cifras, quanto é o investimento da AbbVie em pesquisa mundialmente? E no Brasil?
Karina – Somente em 2018, a Abbvie investiu US$ 5,1 bilhões, um valor bem representativo para uma empresa com faturamento líquido global acima de US$ 20 bilhões. E aumentou cerca de 80% desde 2013, quando foi fundada. No Brasil não é fácil de medir, porque o investimento vai desde a doação do medicamento – que eu sou obrigado a fornecer para sempre para esse paciente, enquanto ele se beneficiar – até a necessidade de instalar uma geladeira com gerador em uma universidade para não correr o risco de, em uma eventual falta de energia, o medicamento perder a validade e estragar. Então, se doa o gerador, a geladeira. Enfim, é muito amplo o escopo de apoio à pesquisa clínica no Brasil, que vai desde a capacitação até a doação do medicamento, mas passa também por questões logísticas. Por isso, é difícil precisar um valor. Nosso papel é brigar por uma fatia maior desses US$ 5,1 bilhões. Quanto mais vier para nós, melhor. Hoje, o Brasil deve estar no top 15 países de investimentos da AbbVie.
Empresas & Negócios – Como a senhora avalia o trabalho de pesquisa clínica no Brasil, em comparação com outros países?
Karina – Estamos bem. O País cresceu muito nos últimos anos, vemos pesquisadores daqui ministrando aulas em congressos no mundo todo. O pesquisador brasileiro é muito valorizado lá fora. E estamos sempre entre os maiores recrutadores dos estudos, um volume enorme de pacientes. Por exemplo: no ambulatório da doutora Cacilda Souza (médica coordenadora do Ambulatório de Psoríase do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e do já mencionado estudo sobre o impacto de comorbidades na qualidade de vida dos pacientes), há 100 pacientes em tratamento. Você vai na Alemanha e são só dez.
Empresas & Negócios – Qual a explicação para isso?
Karina – A grande maioria da população está no SUS, e os grandes ambulatórios das universidades, os hospitais-escola, são uma das formas de acesso a tratamento para esses pacientes. Isso faz com que você tenha uma massa crítica enorme para entrada em estudos clínicos, uma das maiores do mundo. Do ponto de vista genético, temos uma miscigenação interessante, bastante relevante para estudos clínicos. Se você faz um estudo na população japonesa, às vezes ele só serve para registro nessa população. Já a brasileira é representativa da população do mundo inteiro, de tão grande que é a miscigenação aqui.
Empresas & Negócios – Esse é o motivo de a AbbVie realizar estudos em várias partes do País?
Karina – Também. Em estudos de hepatite, por exemplo, às vezes temos algumas variáveis de genótipo por região. É importante ter essa distribuição, mas a distribuição geográfica se dá muito mais pela democratização, para sair um pouco dos mesmos centros e desenvolver pesquisas fora do eixo Rio-São Paulo.
JC – E no Rio Grande do Sul, quais as parcerias da empresa?
Karina – Em Porto Alegre temos o Hospital de Clínicas, com uma grande quantidade de pesquisas. É um hospital de excelência, um dos pioneiros com pesquisa clínica no Brasil. O Hospital de Caridade de Ijuí eu conheço pessoalmente, tem um centro de tratamento lá de alta complexidade em oncologia. Cerca de 1 milhão de pacientes são tratados ali, de Ijuí e de cidades periféricas. Fazem um ótimo trabalho, tanto de assistência como de pesquisa. Também realizamos pesquisa em Passo Fundo, Caxias do Sul… Enfim, o Rio Grande do Sul é um estado onde a formação médica é muito boa, com grandes universidades. Por consequência, vai muito bem em pesquisa.
Empresas & Negócios – Quais os obstáculos hoje para a pesquisa clínica no Brasil?
Karina – Quando você bate na porta da sua matriz para reivindicar novos estudos para o Brasil, está competindo com outros países. Competindo com Alemanha, Estados unidos, Canadá, outros países da América Latina… Há uma competição interna para trazer os estudos. No caso do Brasil, você tem a soma de vários pequenos obstáculos, que criam uma dificuldade um pouco maior. Mas temos conseguido superá-los, e, por isso, estamos conseguindo fazer tantos projetos. Hoje, são mais de 40. Os obstáculos vão desde a questão logística – estar em um lugar onde não há voos diários para pegar amostra de sangue de um paciente e trazer em 24 horas para um laboratório em São Paulo, por exemplo, ou a questão da geladeira com gerador, que eu já mencionei – até a capacitação das pessoas. Há ainda, as questões regulatórias, que às vezes mudam no meio do caminho… Para cada estudo, há um desafio diferente. Pode ser a timeline da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), entre o tempo de o paciente fazer uma cirurgia e iniciar a radioterapia. Às vezes os protocolos são bem restritos, o intervalo entre os procedimentos é de 15 dias, e no Brasil se tem a dificuldade de garantir essa agilidade. No geral, porém, aquelas dificuldades que eram comuns a todos os estudos, que eram de capacitação, e do ambiente regulatório, já diminuíram muito. O Brasil é bastante competitivo hoje.
Empresas & Negócios – O que a AbbVie projeta em pesquisas para o futuro?
Karina – Até os últimos cinco anos, a indústria farmacêutica fazia estudos para registrar seus medicamentos. Agora ela também quer entender o comportamento do paciente, a qualidade de vida. São as pesquisas de “vida real”, pesquisas de opinião. A tendência é aumentar mais ainda esses estudos que não são específicos de medicamento, para avaliar outros cenários e contextos. Mas, é claro, a AbbVie é uma biofarmacêutica, o foco principal sempre vai ser a pesquisa clínica. Temos uma estimativa de que nossos medicamentos disponibilizados no mercado podem beneficiar 1,5 bilhão de pacientes até 2024. São 1,5 bilhão de pessoas tendo suas vidas impactadas por esses medicamentos.
Empresas & Negócios – É um número bastante ambicioso, não?
Karina – Somente no Brasil, hoje, devemos ter mais de 60 mil pacientes usando um produto que se chama Humira, para tratar atrite reumatoide, Doença de Crohn, psoríase. É um número muito grande, porque estamos falando de doenças muito prevalentes. Se somarmos os medicamentos para outras doenças, e levarmos em consideração que é uma projeção global, no final esse número ambicioso é bem realista.
Fonte: Jornal do Comércio
Comentários