ARTIGO: Ativismo pró-aborto: dados falsos e desinformação

Folha de S.Paulo

Autor: Raphael Câmara Medeiros Parente

14/10/19 - O principal argumento de ativistas pró-aborto é que o aborto ilegal mata milhares por ano no Brasil. Falou-se em 70 mil. Em 2016, o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, propagou estimativa mais modesta, mas igualmente falsa, de 11 mil por ano. Seria de fato epidemia. Mas, felizmente, esses números são falsos.

O dado real não chega a 0,001% do primeiro: são 48 mortes anuais por aborto no Brasil, segundo o DataSUS, do Ministério da Saúde. Esta é a média de 2014 a 2016, incluindo abortos naturais. As 48 mortes por ano não configuram questão de saúde pública —por definição, evento que tenha impacto por meio de mortalidade aumentada, custos de tratamento para a sociedade e potencial epidêmico.

O número superestimado não é de boa-fé. O médico americano B. N. Nathanson, defensor pró-aborto que se tornaria opositor à causa, admitiu que usava a tática. “Confesso que sabia que os números eram falsos. Mas, na moralidade da nossa revolução, eram números úteis, amplamente aceitos, então por que não usá-los em nosso proveito, por que corrigi-los?”, escreveu, no livro “América que Aborta”. Para alguns, vale até mentir para poder eliminar bebês em idade gestacional cada vez maior. O ser humano no ventre é tratado como “amontoado de células”.

Em 2018, falei no Supremo, na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, sobre descriminalização da prática. Desconstruí dados falsos, demonstrando que não há no Brasil mulher presa por aborto; que o aborto legal não é seguro; que países onde é liberado têm aumento das taxas (no Uruguai cresceu 37%, contradizendo a tese de que legalizar reduz).

A maior parte dos estudos sobre o tema é parcial, feita por pessoas favoráveis ao aborto. Pouco se fala de trabalhos nas melhores revistas médicas, como a The Lancet, que revelam maior mortalidade, índices de trombose e distúrbios psicológicos de quem fez aborto.

O Supremo voltou a pautar a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.581 para autorizar infectadas por zika a abortarem. A liberação em casos de anencefalia, em 2012, gerou decisões permitindo a prática em outras doenças fetais. A legalização nos casos de zika teria o potencial de autorizar o aborto em centenas de condições que possam causar malformações, como infecção por rubéola, sífilis etc. Não há outro nome que não eugenia.

A ADI é de 2016, quando o conhecimento sobre zika era incipiente. Estudos recentes mostram taxas de 5% —14% em fetos de mães infectadas, a maioria leve. Temia-se que todas dessem à luz feto microcefálico.

Os exames são incapazes de detectar com segurança a infecção na gravidez —e os resultados, descartáveis, por terem reação cruzada com outros flavivírus, como o da dengue, e até para quem se vacinou contra febre amarela. Podem indicar, ainda, infecção antes da gravidez. O PRNT, exame que permite tirar a dúvida, é caro e indisponível.

Estudo da agência americana CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) mostrou que 73% dos laboratórios daqui têm baixa precisão. Não podemos falar em bebês infectados por zika, mas em grávidas talvez infectadas. Mataremos fetos baseados neste baixo grau de precisão?

Embora o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tenha dito ser contra o aborto, até aqui o Ministério da Saúde não agiu. Em julho, eu e senadores demos sugestão não incorporada para diminuir aborto provocado. Uma portaria vigente de governo anterior permite o aborto quando a mulher diz ter sido estuprada sem se denunciar o estupro, o que contraria lei de 2018, que obriga a denúncia. Uma grande maternidade do Rio de Janeiro teve diminuição de 50 abortos legais mensais para zero após resolução do Cremerj (conselho de medicina do estado do Rio) para médicos notificarem estupro.

Quando um governo conservador assume, é natural que o cenário “vire”, mas não é o que tem ocorrido. Ativistas pró-aborto adotam estratégia eficaz: qualificam como “retrocesso” qualquer avanço conservador e não aceitam nenhum “passo atrás”. Com o apoio da mídia, a pressão tem sido exitosa.

Além de políticas de planejamento familiar efetivas, os casais que engravidaram e pensam em abortar deveriam se lembrar de que há, em todo o Brasil, longas filas de adoção, formadas por pessoas cujo maior sonho é o de serem pais.

 

(*) Raphael Câmara Medeiros Parente é Doutor em ginecologia e mestre em saúde pública; é médico ginecologista da UFRJ e conselheiro do CFM (Conselho Federal de Medicina).

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