ARTIGO: Como atrair médicos para as regiões mais carentes?

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Valor Econômico

Autores: Francisco Costa, Letícia Nunes e Fabio Miessi*

 

12/03/20 - No Brasil, como em outros países desenvolvidos e em desenvolvimento, a escassez de médicos em algumas regiões é resultado de desigualdades na distribuição geográfica desses profissionais: se em determinadas áreas a oferta de médicos é abundante, em outras é insuficiente para cobrir as necessidades mais básicas da população.

Dados do estudo Demografia Médica no Brasil, de 2018, mostram que o número de médicos por mil habitantes está acima de 10 em algumas capitais e regiões metropolitanas - número muito superior ao observado na maioria dos países desenvolvidos -, mas não passa de 2,1 no interior. No interior de Estados do Norte e do Nordeste esse indicador é muito próximo de zero, tornando a situação especialmente dramática. O mesmo estudo indica também elevada densidade de médicos nas regiões Sudeste e Sul, em detrimento das regiões Norte e Nordeste.

Por outro lado, há ampla evidência na literatura econômica mostrando que a falta de profissionais qualificados nas áreas rurais e menos desenvolvidas constitui, obviamente, importante barreira para a melhoria da saúde da população. No Brasil, não por acaso, no interior do Norte e Nordeste, lugares onde a escassez de médicos é mais latente, a população tem menos acesso a cuidados preventivos e tanto a mortalidade infantil quanto a incidência de doenças como a diabetes e de alguns tipos mais comuns de câncer são muito mais altas do que no restante do país (dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 e do Sistema de Informação sobre Mortalidade - Datasus).

Para mitigar esse problema e suas consequências, o governo federal tem investido em programas que incentivam a ida e a permanência de médicos em áreas onde o número desses profissionais é insuficiente. O “Mais Médicos”, agora reformulado e rebatizado como “Médicos pelo Brasil”, é o mais conhecido desses programas. A despeito de algumas diferenças no processo de seleção e de distribuição de médicos entre municípios, a tônica dos dois programas é parecida e está baseada na oferta de incentivos financeiros a profissionais de saúde dispostos a trabalhar em áreas onde a falta de médicos é mais premente.

Não se sabe exatamente, entretanto, se políticas de incentivo financeiro são capazes de aumentar a proporção de médicos em áreas desassistidas. Para respondermos a essa pergunta, é necessário entender os fatores - inclusive diferenças salariais - que determinam a oferta de médicos em cada região do país e como os médicos reagem a alterações nesses fatores.

Em pesquisa concluída recentemente, simulamos os efeitos de diversos tipos de políticas públicas sobre a distribuição geográfica de médicos no Brasil. Para o estudo, coletamos informações sobre o universo de médicos generalistas formados no Brasil entre 2001 e 2013. Observamos as características individuais de 49.989 médicos - idade, gênero, local de nascimento, faculdade onde estudou -, o local onde esses médicos escolheram para trabalhar logo após o término da faculdade e atributos desses locais - salário médio real, medidas de qualidade da infraestrutura de saúde e das amenidades locais (qualidade das escolas, da segurança, do transporte público etc).

Analisamos, então, como as características dos médicos e das regiões afetam onde esses profissionais escolhem trabalhar. Os resultados indicam que os principais fatores por trás da escolha dos médicos são proximidade do local onde eles nasceram ou estudaram. Maiores salários e uma melhor infraestrutura de saúde e das amenidades locais também importam, mas em uma escala consideravelmente menor do que estar próximo ao local de nascimento ou graduação.

Usando simulações, analisamos os efeitos de três políticas públicas. Primeiro, um aumento de 50% nos salários dos novos médicos que aceitem atuar no interior do Norte e do Nordeste - onde a escassez de médicos é mais visível. Segundo, a abertura de vagas de medicina em áreas onde o número destas é mais baixo relativamente ao tamanho da população local. Terceiro, a criação de quotas em faculdades de medicina já existentes para estudantes nascidos em regiões com maior escassez de médicos.

Simulações mostram que políticas baseadas na expansão do número de vagas em escolas de medicina em regiões onde a oferta de médicos é baixa ou quotas para estudantes nascidos nessas regiões reduziriam pela metade a desigualdade regional na distribuição de médicos. A política baseada em salário produziria redução de apenas 13,4%.

Em seguida comparamos o custo-benefício de cada uma dessas políticas. Para isso, construímos uma medida do custo aproximado de cada política e calculamos o custo de se adotar cada uma dessas políticas para reduzir a desigualdade geográfica de médicos em 1%. Os resultados desse exercício sugerem que a política de quotas teria o melhor custo-benefício, isto é, apresentaria bons resultados em termos da redução de desigualdade a custos relativamente mais baixos. A política de abertura de escolas de medicina no interior viria em segundo lugar, também com uma boa relação custo-benefício. Oferecer maiores salários para atrair médicos para áreas carentes apresenta um custo anual consideravelmente maior do que as duas políticas anteriores.

Na prática, a política de quotas, apesar de apresentar o melhor custo-benefício, deve ser olhada com cautela. Já existe um número elevado de quotas nas universidades e entender quais as implicações delas para o bem-estar da sociedade é tarefa difícil. A abertura de escolas em lugares desassistidos também não é algo que aconteceria do dia para a noite. A expansão de vagas de medicina no interior do país deve ser tratada como objetivo de longo prazo e preservando a qualidade do ensino.


Nosso estudo indica que políticas que almejem reduzir as desigualdades na distribuição de médicos pelo Brasil, para serem efetivas, devem contemplar outras dimensões além de incentivos financeiros para médicos. Aumentar a oferta de vagas de medicina em regiões mais pobres e pensar em maneiras de levar estudantes destas regiões às escolas de medicina parecem alternativas importantes a serem consideradas.

 

 

(*) Francisco Costa, PhD em economia pelo London School of Economics, é professor da FGV-EPGE

 

(*) Letícia Nunes, doutora em economia pela FGV-EPGE, é pesquisadora do IEPS.

 

(*) Fabio Miessi, PhD em economia pela London School of Economics, é professor do Insper.

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