ARTIGO: Inteligência artificial, medicina e médicos

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Folha de S.Paulo

Autor: Raul Cutait*

 

31/01/20 - O mundo está passando por uma nova e emocionante revolução tecnológica, às custas da expansão da denominada inteligência artificial (IA). Através de algoritmos cada vez mais complexos, vão sendo criadas informações de forma contínua, que alimentam grandes bancos de dados (big data), os quais são empregados para melhores decisões nas mais distintas atividades.

Na medicina, a IA não é novidade, mas sua utilização se expande rapidamente, em especial para interpretação de exames de imagens nas áreas de radiologia, patologia, dermatologia, oftalmologia e de métodos gráficos em cardiologia, comparando interpretações de máquinas que analisam dados de dezenas de milhares de exames em cada uma dessas áreas com as de grandes especialistas. Em certas situações, as interpretações de exames utilizando IA mostram-se equivalentes ou mesmo superiores, o que gera uma nova forma de se praticar a medicina.

É fácil antever que outras áreas da medicina estarão em breve recebendo apoio da IA. Assim, em relação a condutas terapêuticas, a análise de informações acumuladas sobre a doença e os pacientes seguramente irá auxiliar os médicos, em algumas especialidades mais do que em outras, a conduzir o processo decisório quanto ao tratamento (ou tratamentos), de forma individualizada. Na prevenção de doenças, tais como diabetes, hipertensão arterial e câncer, é possível antecipar avanços excepcionais, baseados em informações pessoais e familiares, com grande suporte de exames genéticos.

Uma outra área de atuação impactante é a das atenções básicas de saúde, base de qualquer sistema público de saúde. Os médicos que nela atuam são generalistas, que nem sempre têm os conhecimentos especializados para resolver os casos que atendem no seu dia a dia. Com o emprego de IA, poderá ser facilitado o atendimento de cada paciente, em especial com a telemedicina, cada vez mais empregada no contato médico-médico e médico-paciente. Finalmente, não é necessário nenhum exercício de futurologia para se antever que a IA será importante ferramenta para a definição de políticas públicas de saúde, levando a melhores modelos de gestão e ao emprego mais racional dos sempre insuficientes recursos financeiros.

A importância da incorporação da IA na prática médica é incontestável, mas com uma fundamental limitação, que transcende a barreira do conhecimento, que é a de não conseguir substituir o contato humano que aproxima médicos de seus pacientes. O médico, para o exercício de sua missão, tem que se mostrar um verdadeiro parceiro de seu paciente. Cumplicidade, solidariedade, compaixão, “colo” e sigilo são alguns dos predicados que fazem a diferença!

Contudo, não se pode esperar que todos os médicos ajam apropriadamente nas suas relações profissionais tendo como base sua intuição e experiências de vida. É necessário que estes aprendam e desenvolvam habilidades de relacionamento durante seus cursos de graduação e programas de residência médica, o que só é possível com a orientação de professores competentes e o contato com os pacientes durante o período de formação.

Para tanto, angustia o fato de termos hoje cerca de 350 escolas de medicina em funcionamento ou aprovadas, formando mais de 30 mil médicos por ano, com dois tremendos problemas: 1 - não há no país docentes em número suficiente para todas essas escolas; 2 - grande parte das novas faculdades de medicina não terá à disposição os fundamentais centros de treinamento, em especial hospitais. A questão não é apenas de currículo, mas dos graduandos e residentes terem a oportunidade de aprender como lidar com seus semelhantes adoentados.

Em suma, a IA se fará cada vez mais presente nas atenções de saúde, mas o médico deverá ser sempre o ator principal, a não ser que no futuro sejam desenvolvidos robôs que, além do conhecimento, saibam também lidar com as emoções das pessoas.

 

(*) Raul Cutait é professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina

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