Valor Econômico
Autor: Humberto Gomes Ferraz*
11/02/20 - Um termômetro para aferir o ambiente de inovação de um país é verificar a sua posição no Global Innovation Index (GII) 2019, da World Intellectual Property Organization (WIPO), encabeçado pela Suíça, Suécia e Estados Unidos.
Entre as 130 economias analisadas, o Brasil está na 66ª colocação, embolado com Qatar, Colômbia e Arábia Saudita. Quanto aos nossos parceiros nos Brics, a China vem em 14º, Rússia em 46º e Índia em 52º. A nação latino-americana melhor colocada é o Chile (51º), seguida por Costa Rica (55º), México (56º) e Uruguai (62º). Como melhorar a performance brasileira?
Entre os quesitos que compõem o GII, dois se destacam. Um deles é o total de investimento em P&D feito por governos, empresas e universidades. Em tal quesito, pode-se apostar que a colocação brasileira no índice deverá despencar nos próximos anos, dada a falta de interesse com que o atual governo enxerga a ciência e a tecnologia.
Outro parâmetro que pesa no GII é o indicador de proteção intelectual de cada país, ou seja, a quantidade dos pedidos de patente e de registros de marcas e de desenhos industriais que são anualmente depositados nos escritórios nacionais de registro de patentes e marcas.
No Brasil, quem faz este trabalho é o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). Em 2018, o Inpi recebeu 27,5 mil pedidos de patente e concedeu 11,1 mil pedidos, ao mesmo tempo que mantinha um estoque de 208 mil pedidos pendentes, muitos depositados há mais de uma década.
Como fica o desempenho brasileiro em relação a outros países? De acordo com o World Intellectual Property Indicators, da WIPO, em 2018 foram depositados 3,17 milhões de pedidos de patentes em todo o mundo. A China respondeu por 43%, com 1,38 milhão de pedidos. Em segundo vieram os Estados Unidos (606 mil), seguidos por Japão (318 mil), Coreia do Sul (204 mil) e União Europeia (166 mil).
Não chega a surpreender que entre as economias mais avançadas, mais inovadoras, nas quais governo e sociedade reconhecem a importância do investimento em educação, ciência, pesquisa e desenvolvimento como pré-condições para o desenvolvimento e crescimento econômico e social, o volume de patentes seja muito maior do que no Brasil.
De nada adiantaria se os pedidos de patente permanecessem pendentes. Patentes precisam ser concedidas, e isto leva tempo. Os pedidos devem ser analisados por especialistas para verificar a originalidade da inovação e o direito de propriedade intelectual que se busca resguardar.
O Escritório de Patentes e Marcas dos EUA (USPTO), que havia registrado 606 mil pedidos de patente em 2017, concedeu no mesmo ano 150 mil patentes. O tempo de espera até a outorga durou, em média, 23,8 meses.
No Inpi a situação é bem diferente. O tempo médio para a concessão de uma patente é 10 anos. Tal prazo varia de acordo com o ramo de atividade no qual a patente se insere. O pesquisador que depositar um pedido na área de metalurgia e materiais, por exemplo, pode se preparar para esperar 7,85 anos até a concessão da patente, informa o Relatório de Atividades do Inpi. No caso dos setores mais inovadores da economia do século XXI, a coisa piora. Se o pedido de patente for de biotecnologia, aguarda-se 10,17 anos. Se for de computação e eletrônica será preciso esperar 11,4 anos. De telecomunicações, 13 anos.
Dada a velocidade de inovação, muito antes de o Inpi finalmente conceder a patente de um produto, técnica, invenção ou inovação, estes já terão sido superados pela concorrência e pelo avanço tecnológico.
Na divisão técnica do Inpi responsável pela concessão de patentes de fármacos, são necessários inacreditáveis 13,13 anos de espera, ou 158 meses. Este caso específico me interessa pessoalmente, pois 13,5 anos foi o tempo que levou para ser deferida a patente que deu origem ao medicamento Vonau Flash, da Biolab Farmacêutica.
Em 2002, fui contactado pela Biolab para fazer uma nova formulação para administrar o fármaco contra náuseas ondansetrona. No mesmo ano, aqui na Universidade de São Paulo, desenvolvi formulação na qual o comprimido passou a dissolver instantaneamente na boca.
O pedido de patente, do qual sou o inventor, foi depositado no Inpi em 1º de setembro de 2004. Com o depósito, Biolab e USP passaram a dividir os royalties do medicamento, lançado em 2006 com o nome Vonau Flash.
Nos anos seguintes, o medicamento foi ganhando mercado, até se tornar um sucesso de vendas. Segundo a Biolab, em 2018 o faturamento com o Vonau Flash foi de R$ 135 milhões, o que rendeu à USP royalties de cerca de R$ 3 milhões. Das 1.300 patentes vigentes de propriedade da USP, a patente do Vonau Flash responde sozinha por cerca de 90% de todos os royalties auferidos pela universidade. Segundo a Agência USP de Inovação, nos últimos dez anos, os royalties do Vonau Flash renderam à USP mais de R$ 10 milhões.
Esta trajetória de sucesso correu à margem da análise do pedido de patente pelo Inpi, concedida em 13 de março de 2018, 13,5 anos após o depósito do pedido. É tempo demais. Isso já virou rotina no Brasil, infelizmente.
Tal realidade não pode nos impedir de avançar e não impede a interação entre universidades e empresas. No período em que a patente do Vonau Flash esteve sob análise, o Biolab recolheu, religiosamente, os royalties à USP.
Afinal, por que a concessão de patentes aqui é tão demorada? Como todo órgão público, o Inpi está sujeito a uma série de regras que dificultam sua atuação. O principal argumento levantado pelo Inpi é a falta crônica de pessoal.
Para contornar este gargalo, o Ministério da Economia anunciou em 2019 medidas para reduzir o total de pedidos de patentes para análise em 80% até 2021. O governo almeja baixar de dez para dois anos o prazo de concessão de patentes no INPI. A principal medida diz respeito à análise dos pedidos de patente de invenção, nacionais ou estrangeiros, que já foram avaliados em outro país (e que totalizam 80% do estoque de pedidos de patente para análise).
Assim, desde julho passado, o Inpi vem incorporando ao exame desses pedidos as análises de patentes realizadas nos escritórios de patentes do exterior. Faz sentido. No caso das patentes estrangeiras, todas já aprovadas nos seus países de origem, por que fazer repetir a pesquisa? Não se trata de uma autorização de patente automática, mas do aproveitamento das análises já feitas em outros países.
Ao acelerar a análise e aprovação das patentes estrangeiras, o Inpi desafogará o trabalho de seus técnicos, liberando-os para focar na análise dos pedidos de patentes brasileiros e que ainda não foram avaliados no exterior. Tal medida merece aplausos, pois aponta na direção certa, que é acelerar a concessão de patentes no Brasil.
(*) Humberto Gomes Ferraz é docente na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, onde coordena o Laboratório de Desenvolvimento e Inovação Farmacotécnica (Deinfar)
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