Folha de S.Paulo
Autor: Samuel Moreira*
04/10/19 - A Câmara dos Deputados tem o desafio de propor regras para o saneamento, visando reverter seus péssimos indicadores, de agregar recursos privados e de assegurar mais eficiência na operação e universalização dos sistemas.
Cem milhões de pessoas não têm coleta de esgoto, pois faltam investimentos. A universalização do saneamento é um imperativo de saúde pública, de meio ambiente e de dignidade aos brasileiros. Para isso seriam necessários investimentos de R$ 20 bilhões a cada ano até 2033, o dobro da média dos últimos anos.
Um dos fatores para aumentar os investimentos é a tarifa paga pelos serviços. É preciso acabar com a prática de tarifas não realistas. Estas devem ser justas e transparentes e levar em conta o custo real e os investimentos para universalizar os serviços em determinada localidade. Caso a comunidade não seja capaz de sustentar a tarifa, o subsídio deve ser claro, e sua fonte orçamentária definida com transparência.
O setor público vive graves restrições financeiras, o que torna imprescindível tarifas realistas para o financiamento do setor. A Agência Nacional de Águas (ANA) deve cumprir esse papel a partir da nova lei, estabelecendo normas de referência para a regulação do setor.
O município é, de acordo com a Constituição, o titular do serviço —e isso deve ser respeitado, ressalvadas as regiões metropolitanas que possuem a titularidade compartilhada entre estados e municípios.
Há municípios que não têm escala para financiar os serviços. A proposta de blocos regionais é a melhor opção para operar com escala e compor tarifas que remunerem os serviços e investimentos, mesmo que os municípios não sejam contíguos.
Estimular blocos de municípios reduz tarifas impagáveis em cidades menores, evitando subsídios com recursos de outros impostos.
É preciso também viabilizar investimentos privados para os serviços de saneamento. É fundamental tornar as empresas públicas superavitárias e obrigá-las a abrir seus capitais, fortalecendo a governança, a transparência e captando recursos para novos investimentos.
Das 26 empresas estaduais de saneamento, apenas 4 possuem o capital aberto. Há empresas públicas com excelentes resultados, como Sabesp, em São Paulo, e Sanepar, no Paraná, mas a maioria apresenta déficits. Precisamos criar parâmetros de gestão e cobrar resultados. Não é possível que uma estatal administre mais de 100 mil ligações, atue como um monopólio e seja deficitária.
Outra ação para atrair o capital privado é estabelecer subdelegação de contratos e parcerias público-privadas (PPPs). Estas devem ser priorizadas para novos projetos de saneamento em todo o Brasil.
No futuro, a livre concorrência vai garantir a prestação de melhores serviços. A nova legislação deve prever que sejam contratados por meio de licitações. Mas é preciso organizar a transição, pois há contratos de programa em vigor, e eles devem ser cumpridos, pois a segurança jurídica é um dos pilares para o sucesso desse processo.
Em que pese os eficientes contratos em andamento, há empresas que operam sem a existência desses acordos, e é fundamental regularizá-los, estabelecendo objetivos, prazos, valores e metas.
Devemos ter tolerância zero com estatais que não se adequarem em curto espaço de tempo às novas regras. O descumprimento da lei deve levar à extinção dos contratos e à obrigação de licitar o sistema.
Prioritariamente, é preciso atrair capital privado para levar saneamento onde ele é escasso ou inexistente. Os recursos provenientes de abertura de capital ou de alienação de empresas públicas devem ser alocados, preferencialmente, para o setor, evitando sua utilização apenas para a recuperação fiscal de estados ou municípios. A legislação deve fortalecer o planejamento, a qualidade dos serviços, a segurança jurídica, a tarifa, a concorrência, a regulação e a universalização.
(*) Samuel Moreira é Deputado Federal (PSDB-SP) desde 2015, relator da reforma da Previdência na Câmara e membro da comissão que estuda o novo Marco Regulatório do Saneamento.
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