A automedicação é uma prática adotada por 75% da população do Nordeste, mesmo que de forma ocasional, indica uma pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) no primeiro semestre deste ano. A psicóloga Caroline Souza, 31 anos, é parte desse grupo e acaba utilizando novamente medicamentos prescritos em outro momento. Ela considera que o hábito é negativo, mas o manteve mesmo após perceber que o uso de medicamentos sem prescrição mascarou uma inflamação muscular nas costas.
“Por um tempo, fiz uso de relaxante muscular, mas com isso minha lesão foi piorando. Não era algo tão simples e depois tive de fazer tratamento mais intensivo, com remédios mais específicos”, conta Caroline.
De acordo com ela, esse episódio de mascaramento e uma queda de pressão após a ingestão de dois comprimidos à base de dipirona, numa tentativa de fazer cessar uma crise de enxaqueca, fizeram com que adotasse mais cautela na automedicação. “Se eu estiver tomando medicação para uma coisa e acontecer outro problema irei ao médico, pois tenho receio de misturar sem orientação e ter interação”, ressalta.
Com coleta de dados realizada em março em todas as capitais brasileiras, além de algumas cidades das regiões metropolitanas e interior, a pesquisa do CFF indica que 77% dos brasileiros recorrem à automedicação.
O mais comum é a pessoa voltar a usar um medicamento prescrito por um médico anteriormente, mas 26% admitem o uso mesmo sem prescrição de qualquer profissional de saúde. Um quarto desse grupo escolhe um medicamento a partir de indicações de parentes, amigos e vizinhos.
Segundo a pesquisa do Conselho de Farmácia, os relaxantes musculares são o terceiro de tipo de medicamento mais usado por conta própria em todo o Brasil, sendo utilizado por 24% dos entrevistados. Em primeiro lugar estão os analgésicos e relaxantes musculares, citados por 50% dos participantes, seguidos pelos antibióticos, cujo uso foi admitido por 42% dos ouvidos.
A pesquisa perguntou aos entrevistados quais medicamentos utilizados nos últimos seis meses antes da entrevista e a maioria citou três tipos para o período, portanto a soma dos resultados é superior a 100%.
Chama a atenção que os antibióticos, grupo de medicamentos que só podem ser vendidos com prescrição médica, ocupem o segundo lugar entre os mais usados na automedicação. Para a assessora da presidência do CFF, Josélia Frade, um dos facilitadores dessa prática é a falta de correspondência entre o “tamanho” das embalagens dos medicamentos e os protocolos de tratamento quanto à quantidade que deve ser tomada. “Como são produtos caros, se o filho começa com sintomas parecidos, os pais usam o que sobrou do próprio tratamento”, alerta.
No âmbito geral, Frade considera que a automedicação é motivada sobretudo pela dificuldade de acesso ao serviço médico, realidade vivenciada por grande parte da população brasileira. Outro fator fundamental, na sua avaliação, é a falta de conhecimento. “Qualquer medicamento, mesmo os prescritos, oferece algum risco. O que os profissionais de saúde fazem todo o tempo é um balanço de risco-benefício”, defende.
“Às vezes a pessoa acha que paracetamol, ácido acetilsalicílico… não têm riscos, mas quando os estudos sobre medicamentos são feitos, eles não pegam a população idosa, nem crianças, gestantes, mulheres amamentando, até por questão ética”, explica a assessora do conselho.
Ela acrescenta que são medicamentos vendidos sem prescrição médica e muitas vezes sem que o paciente com maior vulnerabilidade tenha qualquer tipo de orientação.
Frade acredita que uma forma de minimizar esse problema é recorrer à prescrição farmacêutica, regulamentada desde 2013 pela Resolução 586 do CFF e que pode ser aplicada a todos os medicamentos que não exijam prescrição médica. “No momento que o paciente vai na farmácia comprar um medicamento para algum sintoma que ele esteja apresentando, ele vai receber as orientações do farmacêutico por escrito”, esclarece.
“Quando regulamentamos essa prática foi pensando que o farmacêutico pode ajudar na escolha não apenas de produtos, mas também de atitudes não farmacológicas para melhorar aquele sintoma”, ressalta. Como exemplo, a assessora do CFF cita uma mulher com cólica menstrual que será orientada sobre o uso de calor na região abdominal.
BA teve 1.782 casos de intoxicação
Em 2018, o Centro de Informação Antiveneno da Bahia (Ciave) registrou 1.782 casos de intoxicação por uso de medicamentos, o que corresponde a 21,5% do total de ocorrências registradas no local. Entre os que se intoxicaram por meio medicamentoso, 6,9% chegaram a esse quadro por automedicação.
De janeiro até o final de julho deste ano, o Ciave já computou 1.207 casos de intoxicação por uso de medicamentos. De acordo com cartilha do Ministério da Saúde, a intoxicação medicamentosa pode se manifestar de formas diversas, variando de alergias leves até complicações que levam à morte.
Afirmando que a ocorrência de intoxicação por medicamento é considerada elevada em todo o País, a assessora da presidência do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Josélia Frade, demanda a adoção de estratégias para o uso seguro dessas substâncias. Um dos pontos é a diferenciação mais marcante das embalagens com diferentes quantidades do princípio ativo, uma forma de evitar superdosagens acidentais.
Entre vários fatores, Frade também chama a atenção para o descarte correto dos medicamentos. Segundo a pesquisa do CFF, realizada no primeiro semestre deste ano, 76% dos usuários descartam os remédios de forma incorreta, principalmente jogando nos recipientes de lixo doméstico e/ou nos vasos sanitários e pias. Os que descartam corretamente utilizam pontos de coleta em farmácias e unidades de saúde.
Falta de diagnóstico faz com que automedicação ofereça riscos
Para o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), Júlio Braga, o maior problema da automedicação é a falta de um diagnóstico.
“Grande parte das doenças tem manifestações similares, então é sempre importante verificar quais as possíveis causas dos sintomas apresentados pelo paciente, pois a automedicação pode mascarar uma doença mais séria”, defende.
O médico destaca que o cuidado deve ser redobrado em idosos e pacientes crônicos, pois são pessoas que normalmente tomam medicações de uso contínuo e qualquer outra substância usada sem avaliação profissional pode resultar em interações perigosas.
“Uma simples pomada anti-inflamatória pode trazer um problema para um idoso com doença renal, por exemplo”, explica. Braga recomenda que pacientes com esse perfil peçam uma orientação geral para os médicos que os acompanham, questionando quais os medicamentos seguros para tomar em questões mais cotidianas, como dor de cabeça e afins.
O vice-presidente do Cremeb alerta que nos casos dos antibióticos é comum que o paciente acabe mascarando a doença e muitas vezes até dificultando tratamentos futuros. “A pessoa vai ter uma resposta inicial, mas, se não for o medicamento correto para aquele caso, com o tempo vai deixar de fazer efeito e ela pode desenvolver resistência àquele e a outros antibióticos”, argumenta.
O médico lembra que o uso indiscriminado de antibióticos tem um impacto comunitário, não se restringindo ao paciente que decide usar por conta própria. A utilização fora das indicações médicas tem criado bactérias resistentes aos antibióticos mais populares, levando a uma baixa eficácia deles para parte da população.
Braga também destaca o caso dos medicamentos para controle de hipertensão, colesterol e diabetes, que também podem apresentar um resultado inicial satisfatório, levando as taxas ao padrão normal. “Mas nem sempre esse medicamento vai ser o ideal para benefício a longo prazo, que é a redução do risco de infarto e derrame, e de problemas circulatórios que podem levar à amputação, no caso específico do diabetes”, pondera.
Fonte: A TARDE
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