Autorização para morrer

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O Globo

Jornalista: Gian Amatto

19/02/20 - Tiago Antunes atuou como DJ em Portugal até o corpo aguentar. Diagnosticado desde cedo com artrogripose congênita dupla, anomalia que afeta as articulações, viveu boa parte dos seus 32 anos em hospitais. Passou por 17 cirurgias e, apesar de celebrar o fato de ainda estar vivo, não deseja mais prolongar o sofrimento. Decidiu que quer a eutanásia na hora da dor insuportável. Poderá fazê-la em Portugal, desde que seja confirmada, nesta quinta-feira, a aprovação no Parlamento da descriminalização da morte assistida.



Os cinco projetos de lei que irão a voto em Portugal foram propostos pelo Partido Socialista (PS), o Bloco de Esquerda, o Pessoas Animais Natureza (PAN), o Partido Ecologista os Verdes (PEV) e a Iniciativa Liberal (IL). Juntos, os quatro primeiros, de esquerda, e a agremiação liberal, de centro-direita, têm a maioria dos votos para aprovar uma nova legislação sobre o tema.

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, deu parecer desfavorável aos projetos da esquerda e ainda não se manifestou sobre o da IL. Trata-se de um órgão independente, que oferece pareceres ao Legislativo português sobre questões éticas relacionadas a avanços científicos na área biológica.

Os textos propostos estabelecem a prerrogativa da morte assistida aos portugueses e também aos residentes no país, maiores de idade com doenças incuráveis e em fase de sofrimento duradouro e insuportável. Em janeiro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) informou que o número de brasileiros vivendo legalmente em Portugal, e que, portanto, poderá se benefeciar da lei, em caso de sanção, era de 150.854 pessoas, representando 1 em cada 4 imigrante residente no país.

As propostas determinam que o paciente terá de fazer o pedido de forma consciente e lúcida, com exceção para pessoas com transtornos mentais. Cada caso terá de ser avaliado por dois médicos e a Ordem dos Médicos de Portugal já se posicionou contra a descriminalização.

Analistas políticos acreditam que ao menos um dos projetos tem chances de ser aprovado. Em seguida, o Presidente da República, Marcelo Rebelo, ex-líder do PSD, de centro-direita, mas eleito como independente, poderá promulgar ou vetar a lei. Cabe a ele decidir se ela é devolvida para nova apreciação do Parlamento ou encaminhada diretametne ao Tribunal Constitucional, equivalente ao STF no Brasil e com maioria progressita na Corte.

Médicos contra a medida e representantes religiosos foram recebidos para consultas na Presidência durante as discussões sobre o tema. As penas em Portugal para eutanásia hoje variam de um a oito anos de prisão.

— As pessoas têm que deixar de ouvir os políticos e prestar mais atenção nos doentes. É preciso respeitar o que temos a dizer. Adoro a vida e não tenho tendências suicidas, mas meu corpo está falhando e, quando chegar o momento que eu perceber que não dá mais, não quero ser um peso para a minha família — diz Antunes.

A doença do ex-DJ é tão rara que ele acredita ser a única pessoa viva em Portugal com esta condição. Antes dele existiu no país apenas uma criança nos anos 1980, que não chegou à idade adulta. O nome da enfermidade, derivado do grego, indica o dano causado pelas contraturas e fibroses: "articulações em forma de gancho".

— Tenho corpo, ele funciona, mas não tenho força para me levantar sozinho. As costas estão tortas, sinto dores e tenho rigidez corporal. As pessoas acham que a medicina irá resolver, mas não no meu caso. É uma ideia que trago comigo há anos, madura e pensada. Quando meu corpo falhar, se eu quiser morrer, irei — afirma.

 

PLANO DE IR À SUÍÇA

A opção de Antunes trouxe um dilema para o seu núcleo familiar e é um exemplo do que acontece em grande escala em Portugal, país tradicionalmente católico. No último domingo, missas em todo o país tiveram a eutanásia como tema principal. Pesquisa do Instituto Universitário Egas Moniz divulgada na semana passada mostrou que a maioria da população é a favor da medida (50,5%). Entre os que estão contra, predominam os idosos e as pessoas identificadas com alguma religião.

—Fui educado indo à igreja todo domingo. Meus pais são muito religiosos e não aceitavam a ideia. É difícil aceitar, porque querem sempre mais um dia com a pessoa amada. Mas estive entre a vida e a morte após uma das cirurgias que tive de fazer, e minha mãe passou a aceitar. Foi o ponto de virada —lembra Antunes.

Antes de as pesquisas apontarem o momento favorável para a aprovação da eutanásia em Portugal, Antunes planejava ir à Suíça, onde o suicídio assistido é permitido. Nesse modelo, é o próprio paciente que ingere comprimidos ou aciona o mecanismo que administre a substância letal. Já na eutanásia ativa direta, a morte é deliberadamente induzida por terceiros. Na indireta, é administrada uma substância, e os efeitos colaterais levam à morte. E na eutanásia passiva o paciente morre quando são retirados recursos que o mantinham vivo.

“Adoro a vida e não tenho tendências suicidas, mas meu corpo está falhando e, quando eu perceber que não dá mais, não quero ser um peso para a minha família” _ Tiago Antunes, DJ

Pelo mundo

Holanda
A eutanásia e o suicídio assistido são permitidos para pessoas com doença incurável. Foi o primeiro país europeu a regulamentar a prática da eutanásia, em 2002. Pode ser pedida, inclusive, por menores de idade, mas com autorização dos pais e, a partir dos 16 anos, sem consentimento. Em 2018, 6.126 pessoas a praticaram.

Bélgica
A eutanásia ativa passou a ser permitida em 2002 para casos de doenças incuráveis. Em 2014 foi ampliada a menores de idade, sem limitação, desde que provem estar com total capacidade mental. Um dos casos mais emblemáticos foi o de uma criança de 9 anos com tumor cerebral. Em todo o país, 2.357 pessoas se beneficiaram da legislação em 2018.

Luxemburgo
A Lei da Eutanásia local está em vigor desde 2009. Em 2019, a eutanásia e o suicídio assistido passaram a ser considerados morte natural. Foram registrados 71 casos ao todo.

Suíça
É admitida a prática do suicídio assistido.

Uruguai e Colômbia
Descriminalizaram a eutanásia passiva por via judicial. É caraterizada como homicídio piedoso, desde que o agente não tenha antecedentes criminais e o beneficiado pel legislação tenha suplicado categoricamente pelo ato.

EUA
Eutanásia criminalizada e suicídio assistido permitido nos estados de Oregon, Washington, Vermont, Montana, Califórnia e em parte do Novo México.

Canadá
O Supremo Tribunal do país considerou inconstitucional, em 2015, a proibição do direito ao suicídio assistido. A prática foi legalizada em 2016 e em 2018 foi feita por três mil pessoas.

Austrália
O estado de Victoria permitiu em 2019 o suicídio assistido para maiores de idade.

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