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Autora: Lúcia Helena

05/11/19 - Não falta muito: assim como o seu médico precisa saber a diferença de vírus para bactéria, ele terá de lidar com o conhecimento do big data, ou seja, com a quantidade monstruosa de dados que a gente gera o tempo todo quando pede uma comida no delivery, chama um táxi, encomenda flores on-line, usa o GPS no celular, responde a enquete na web ou, ainda, quando faz check-in ao baixar carente no hospital para que os amigos desejem melhoras — aliás, se aquela rede social pergunta se você quer marcar fulano ou beltrano na foto, garanto, ela sabe o que você fez na sexta-feira à noite. Sabe tudo.

No entanto, a maior parte dos dados que a gente cria (e eu nem fazia ideia) tem a ver com a nossa saúde e, claro, a coisa toda é muito mais profunda. Sim, amanhã ou depois, mas não muito depois, nossos médicos terão de trabalhar com isso, contando com uma inteligência maior que a deles e a de todos nós — a inteligência artificial, que procura imitar o jeito de pensar do nosso cérebro, só que com uma velocidade estonteante. E só assim para cruzar a quantidade maciça de informações oriundas de cada paciente e para comparar pacientes entre si, ajudando os profissionais de saúde a tomar decisões para salvar a nossa pele.

Não tem escapatória e, portanto, não é de estranhar que o Google e a Amazon, dois nomes de peso no cenário digital, não parem de investir em saúde. Mas isso tudo que pode ter nomes tão incompreensíveis para leigos quanto os termos da Medicina — algoritmos, internet das coisas (este eu amo!), machine learning, chatbots e outros —, por mais paradoxal que seja, deve tornar o atendimento bem mais humano. Fiquei convencida disso ao ler a obra de três feras. Por sorte, ela caiu em minhas mãos antes do lançamento, que será hoje à noite, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.

O livro é A Revolução Digital na Saúde, que saiu pela Editora dos Editores, assinado pelos médicos Claudio Lottenberg e Sidney Klajner — o primeiro, presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert Einstein, e o segundo, presidente da Sociedade Israelita Brasileira Albert Einstein —, ao lado da administradora Patrícia Ellen da Silva, atual secretária estadual de Desenvolvimento Econômico de São Paulo. Deixo a dica, apesar de achar que a leitura é mais para médicos e gestores do setor.

No entanto, bom refletir sobre a maneira como, logo mais, seremos atendidos no consultório . Ou — prepare-se para o inevitável — como seremos atendidos por meio do computador. "A telemedicina é uma saída em um país como o nosso, onde, em determinadas regiões, há apenas dois especialistas em uma ou outra doença mais específica", opina Lottenberg, que conversou comigo pelo telefone. Concordo.

Ao vivo e em cores ou à distância, em vez de anotar em seu arquivo pessoal o que ouviu da gente, paciente, o médico deverá compartilhar tudo o que escuta de queixas e novidades do nosso dia a dia em um prontuário eletrônico — leia-se, um prontuário unificado pra valer, acessível do Oiapoque ao Chuí. Melhor, capaz de ser acessado em qualquer canto do planeta.

Ou seja, não será aquele registro que, digamos, passeia apenas na rede do hospital onde alguém está internado. A história será diferente e exigirá muito mais tecnologia. Ora, ficarão ali as visitas em pronto-socorros que você deu na vida, o que revelou em cada consulta, os remédios que tomou ou que deixou de tomar, sem contar aquilo que já aprontou — se fumou, se bebeu demais, se faltou na academia, se viveu comendo qualquer porcaria…

Isso já muda o início da conversa. Imagine você se livrar de ficar repetindo, a cada médico diferente, como era o seu pai, a sua mãe, o seu tataravô, se já passou por cirurgia ou se ficou pipocado depois de engolir algo. Ufa! Aquele papo, você sabe, de sempre — necessário à beça, mas devorador do tempo (escasso) da consulta, sem contar as nossas falhas para lembrar o já vivido.

Com um prontuário guardando o passado, aquele momento diante de quem está lhe atendendo será todinho para falar com calma da aflição do presente. Claudio Lottenberg pondera: "Claro, alimentar o prontuário com esses dados também toma tempo e, até que todos se acostumem, pode se ter a impressão de que o médico fica mais atento ao computador, quando é o contrário. Esse prontuário unificado agiliza tudo", explica. Em tempo real, em cima do que já se sabe daquela pessoa e comparando com casos similares, a inteligência artificial é capaz de analisar o risco de qualquer situação. Um efeito colateral: economia de exames.

"Cerca de 33% dos gastos com saúde no nosso país são com testes desnecessários, que o médico pede até por não conseguir, por melhor que seja a consulta, esmiuçar o que já se passou com o paciente a fim de descartar algumas possibilidades",diz Lottenberg. Aliás, descobri, o Brasil é o campeão mundial em exames de ressonância magnética. E sabe-se lá quantas delas sem motivo.

Outros países enfrentam perrengues desse tipo: a Alemanha concluiu que economizaria 38 bilhões de euros só em 2018, se seu sistema de saúde já estivesse completamente digitalizado. Agora, corre atrás do atraso para implantar o tal do prontuário unificado. A diferença, sabe como é, ela corre com pernas alemãs… E já deu bons passos. Lá, existe a prescrição eletrônica. Ou seja,o médico cria uma versão digital da receita de um remédio, a qual, no mesmíssimo instante, é transmitida às farmácias e aos hospitais do país. Isso permite verificações automáticas de possíveis interações indesejáveis com outros medicamentos que o sujeito já esteja usando.

A Austrália também anda esperta com esse papo de remédio. Em Melbourne, onde existe o prontuário unificado, há uma rede de farmacêuticos comunitários que, alertados de qualquer risco pela inteligência artificial, orientam o paciente que tem alta probabilidade, por exemplo, de errar na dose. Qual a motivação: segundo o livro, todos os anos, 250 mil australianos são internados por erros na medicação. Problemaço que pode encontrar solução na revolução digital.

Há, ainda, uma série de exemplos de internet das coisas, sabe o que é isso? São dispositivos ligados em rede e que estão instalados nos mais variados objetos da nossa rotina. Eles também podem inserir dados no prontuário unificado, se comunicar com o hospital — a bengala que avisa quando um idoso caiu, entre outros gadgets —, ou dar orientação para você mesmo, feito a tampa da caneta de insulina que cria alertas no celular dos diabéticos. No campo da internet das coisas, as possibilidades são incríveis.

Para contar mais um caso extraído da minha leitura do final de semana, os israelenses criaram um dispositivo que, só pelo modo como você respira, identifica 17 doenças, entre elas o Alzheimer e a esclerose múltipla. É, a revolução digital passa pelo diagnóstico também.

Aliás, terminei a conversa com o Claudio Lottenberg, que é oftalmologista, perguntando sua opinião sobre o software britânico que, para prevenir novos casos de cegueira— hoje são 350 mil indivíduos cegos no Reino Unido —, rastreia aquelas pessoas com doenças capazes prejudicar sua capacidade de enxergar.

De quebra, os ensaios clínicos apontam que o sistema flagra precocemente mais de 50 problemas oftalmológicos. "É fantástico, porque o médico descobre e vai atrás para cuidar daquele indivíduo que mal começa a apresentar um déficit de visão. E não deve ficar só nisso", aposta. "Afinal, notar problemas no fundo dos olhos é uma oportunidade de diagnosticar e cuidar de outros males, como pressão alta, diabetes, doenças renais…".

Se a ideia de o atendimento chegar a tempo e com qualidade só por causa dos seus dados não é equivalente a tornar a Medicina mais humana, não sei o que poderia ser mais.

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