O Estado de S.Paulo
Jornalista: Gonçalo Junior e Giovana Girardi
01/03/20 - O novo coronavírus nem havia desembarcado no País, mas cientistas do Brasil já estavam de olho neste que parece ter virado o vilão número 1 do planeta na última semana.
Após São Paulo confirmar o primeiro caso no País, 48 horas foram suficientes para equipes do Instituto Adolfo Lutz e da Universidade de São Paulo (USP), com a ajuda de ingleses, sequenciarem o genoma do vírus que infectou o paciente. E os Ministérios da Ciência e da Saúde já montam uma rede de pesquisadores para decifrar a doença.
O trabalho simultâneo é fundamental para encontrar soluções mais rapidamente – estratégias de controle do surto, com base em dados do comportamento do vírus, testes de diagnóstico, tratamentos e até uma vacina. Especialistas brasileiros e representantes dos dois ministérios compartilharão dados na Rede Vírus MCTIC, criada oficialmente na semana passada, que mira a doença vinda da China e a influenza (gripe comum) e outras viroses emergentes. Os objetivos são integrar pesquisas e definir prioridades.
Será feita uma teleconferência esta semana com cientistas de EUA, Canadá, Índia, Austrália e Reino Unido. Vão participar da rede a Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Fundação Oswaldo Cruz, a Sociedade Brasileira de Virologia e universidades federais.
O sequenciamento em só dois dias do genoma do coronavírus exemplifica o potencial das parcerias. O trabalho de desvendar cepas (subtipos) tem sido feito por vários países e levado, em média, 15 dias. A rapidez brasileira – do Adolfo Lutz, da Faculdade de Medicina da USP e da Universidade de Oxford (Reino Unido) – foi possível porque já existe há um ano um projeto, o Cadde, criado para desenvolver novas técnicas – rápidas e baratas – para monitorar epidemias em tempo real. Foi um desdobramento da Rede Zika – criada em outro surto, que fez subir os casos de microcefalia no País em 2016.
Originalmente, o Cadde se concentrou em arboviroses, como dengue e zika. Da febre amarela, que voltou com força em 2018, já foram sequenciadas quase mil amostras. “Trabalhamos agora na análise. Mas não queríamos trazer dados só depois da epidemia. A ideia é poder entendê-la enquanto acontece, para dar respostas. Com esse coronavírus, teremos a primeira chance de fazer isso”, diz Ester Sabino, do Instituto de Medicina Tropical da USP.
Em outro estudo recente, a Fiocruz, com as universidades de Milão (Itália) e da Flórida (EUA), investigou as dinâmicas e os vestígios do início e dispersão do novo surto. Com ferramentas de bioinformática, a análise de 29 sequências genéticas reforça que a origem foi mesmo em Wuhan, na China, mas indica que o ponto de partida pode ser novembro – e não dezembro, como se imaginava.
Já o infectologista Esper Kallas, da Faculdade de Medicina da USP, lidera a comissão de crise do Hospital das Clínicas, que há um mês planeja como enfrentar o novo vírus. O esforço se divide em três frentes: criar protocolos de atendimento a pacientes, estudar a disseminação do vírus em ambiente hospitalar e contato com laboratórios estrangeiros para usar remédios já empregados para outros fins que possam ter novo uso.
Fora do País, já se testam medicamentos de aids e ebola para o novo coronavírus. “Talvez o remédio de tratamento esteja na farmácia. Mas não basta testar isso aleatoriamente. É preciso estudo criterioso”, diz Kallas. O projeto tem o apoio de universidades americanas, como as de Miami e da Califórnia.
Embora o vírus que causa a Covid-19 seja novo, coronavírus humanos são comuns no Brasil.
De sete tipos mapeados, é o quinto a surgir aqui. As duas variações mais perigosas, que saltaram de animais para humanos, não chegaram: a da síndrome respiratória aguda grave (Sars), que matou mais de 800 pessoas em 2002 e 2003, e a do Oriente Médio (Mers), com 858 óbitos desde 2014.
Especialista no tema, Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Veterinária da USP, diz que o alto número de variedades não significa que o Brasil seja “propício” para a disseminação do vírus. “O que importa não é o clima, mas a presença ou não de hospedeiros suscetíveis.” Entre as hipóteses para a origem do novo vírus, estão morcegos e serpentes.
Estrutura
“A vantagem de trabalhar em rede é que diferentes laboratórios podem dividir as tarefas”, afirma Jerson Lima, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio (Faperj). Sobre a Rede Vírus, o Ministério da Ciência disse que a demanda de verba ainda será avaliada.
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