Jéssica de Souza, doutoranda em engenharia elétrica na Universidade da Califórnia (Foto: Arquivo pessoal)

Jéssica de Souza, a única brasileira em grupo de cientistas da Universidade da Califórnia (Foto: Arquivo Pessoal)

 

 

Jéssica de Souza faz parte de grupo de cientistas que usa aprendizado de máquina para facilitar processos médicos, como o diagnóstico de Alzheimer por meio de uma selfie

 

by MATTHEUS GOTO | ÉPOCA NEGÓCIOS

 

O avanço da tecnologia oferece possibilidades inéditas para a saúde. O maior exemplo disso talvez seja o desenvolvimento em tempo recorde das vacinas contra a covid-19. Mas não para por aí: recentemente, a tecnologia possibilitou a criação de um método ágil para facilitar o diagnóstico de Alzheimer e do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Por meio da análise de uma foto tirada no celular, um software analisa a pupila do olho e ajuda o médico a inferir se há predisposição a essas doenças.

O projeto é de autoria de um grupo de cientistas da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. O aplicativo, que ainda está em testes, irá funcionar em duas fases: primeiro, usará um sensor de infravermelho para detectar a pupila e calcular seu tamanho; na sequência, usará a câmera para tirar uma foto colorida e conferir a distância entre o celular e o usuário.

Com o recurso, pacientes acamados ou morando em regiões remotas poderão ter acesso a um exame normalmente feito em consultórios ou laboratório - para isso, será preciso apenas um celular.

Segundo dados da Associação Brasileira de Alzheimer, mais de 1 milhão de idosos têm o diagnóstico da doença no país. “O Brasil é um local que precisa muito de tecnologias desse tipo na área da saúde”, afirma Jéssica de Souza, única integrante brasileira do grupo de cientistas da Califórnia, em entrevista a Época NEGÓCIOS.

A pesquisadora, doutoranda em engenharia elétrica na universidade, trabalha com a criação e aplicação de tecnologias digitais para a saúde. Além de colaborar na criação do aplicativo, ela atuou na criação de dispositivos periféricos de smartphone que funcionassem com medidores de pressão arterial.

Atualmente, ela trabalha em duas iniciativas: uma plataforma para suporte em amamentação e outra para análise de sons de crianças entre seis meses e um ano e meio, para antecipar diagnósticos de doenças neurológicas como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Enquanto o segundo ainda está em fase embrionária, o primeiro já apresenta resultados práticos.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista com a cientista Jéssica de Souza.

 

Como foi desenvolvido o app que detecta sinais de Alzheimer e TDAH por meio de uma foto no celular?

Especialistas do National Institute on Aging (Instituto Nacional de Envelhecimento dos Estados Unidos) procuraram nosso laboratório para resolver alguns problemas que estavam tendo com certos exames. A ideia para o aplicativo veio do alto preço dos pupilômetros, equipamentos que podem chegar a US$ 10 mil. Como tornar os exames feitos com esse aparelho mais baratos e acessíveis?.

Então, percebemos que smartphones com câmera infravermelha poderiam fazer a mesma análise que esse dispositivo faz. Com a foto, que pode ser uma selfie, a câmera fornece dados valioso para ajudar o médico a analisar o quadro do paciente e avaliar a possibilidade de que ele desenvolva certas doenças neurológicas. Ainda faltam muitas análises e etapas, como a aprovação da FDA (Food and Drug Administration) e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para o aplicativo ser disponibilizado em larga escala.

 

Qual é o impacto dessa tecnologia a longo prazo?

Esses projetos demoram para chegar na população. Não é qualquer um que pode fazer o diagnóstico de Alzheimer usando apenas o aplicativo. Os dados precisam ser analisados junto a uma série de outros fatores. Nosso objetivo, com essa tecnologia, é ajudar os profissionais da saúde. Queremos trabalhar ao lado deles, e não substituí-los. Os resultados que tivemos são muito promissores, e isso pode fazer com que outros pesquisadores também entrem nessa área.

 

E como foi o desenvolvimento do app para suporte em amamentação?

Fizemos um estudo inicial com consultoras em lactação para entender os maiores desafios e identificar meios para dar assistência de forma rápida e eficiente. Conversamos com elas sobre as mães que têm dificuldade em amamentar, e muitas vezes acabam desistindo. Existe um tabu muito grande sobre mulheres que não têm leite suficiente para o bebê. Elas podem acabar buscando fórmulas ou conselhos de amigas e familiares, sendo que a melhor opção é fazer tratamento com um profissional logo no começo. O problema é que muitas mães nem sequer sabem que existe um profissional indicado para essa ajuda.

Nosso objetivo é facilitar o acesso remoto das mães aos profissionais, para contribuir com as estatísticas de amamentação por seis meses ou mais. Com o aplicativo, elas podem fazer uma detecção automática de sons da amamentação e posições do bebê e, caso haja problema, entrar em contato com uma consultora para fazer um pré-diagnóstico e buscar atendimento presencial. É um trabalho em conjunto com os profissionais.

 

Como é feita a detecção automática?

Assim como nos outros projetos, usamos aprendizado de máquina. Agrupamos vídeos de bebês sendo amamentados, apresentando diversas posições. Como é muito difícil encontrar vídeos de amamentação no YouTube, usei as redes sociais para fazer um recrutamento de mães. Acho muito legal como as mães têm essas redes de apoio no Brasil. Até o momento, consegui 90 vídeos de 30 segundos e também fiz algumas perguntas para as participantes.

Cada vídeo passa por uma categorização. Nem sempre ele está do jeito que precisamos para a análise. Quando colocamos o vídeo no algoritmo, ele precisa estar nas condições perfeitas, mostrando o bebê com clareza, para classificar ao final se a posição está correta ou não. Em breve, vamos fazer um segundo recrutamento para obter mais vídeos.

 

O que as novas tecnologias da saúde possibilitam que antes não era possível?

A tecnologia proporciona o acesso à saúde para pessoas que jamais poderiam ir a hospitais, consultórios, laboratórios. Espero que profissionais de saúde do SUS possam ir até comunidades de pessoas carentes, que nunca foram em neurologistas, para saber se elas têm predisposição a doenças neurológicas. E que o meu aplicativo possa solucionar problemas de amamentação de mulheres carentes. Queremos criar ferramentas baratas para promover a democratização da saúde, sempre em conexão com os profissionais da área.

 

 

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