A empresa chinesa, que está desenvolvendo uma vacina contra a covid-19, trava disputas judiciais contra acionistas minoritários
Fabiana Cambricoli
Em meio ao desenvolvimento da vacina contra a covid-19, a Sinovac trava disputas judiciais contra acionistas minoritários que tentaram, em ao menos duas ocasiões nos últimos dois anos, tomar o controle da companhia à força. Os problemas administrativos, que ameaçam as finanças e até as operações da empresa, envolvem tentativas de golpe, invasão de fábrica e suspensão da venda das ações da empresa na Nasdaq.
A primeira tentativa de golpe ocorreu em abril de 2018, quando um dos acionistas, acompanhado de dezenas de aliados, invadiu um dos escritórios da companhia em Pequim na tentativa de impedir a movimentação de funcionários e assumir os escritórios de executivos, onde estavam documentos financeiros e contábeis.
O grupo dissidente cortou a energia elétrica do prédio, interrompendo assim a linha de produção das vacinas contra hepatite A e influenza, conforme relato feito pela própria Sinovac no seu mais recente relatório anual para investidores. O documento foi consultado pelo Estadão no site da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão que regula o mercado de capitais americano.
Por causa da invasão, a Sinovac foi obrigada a destruir os produtos da fábrica atacada. "Para manter a segurança do produto, a Sinovac Pequim suspendeu temporariamente a produção na instalação afetada", disse a empresa no documento. A produção ficou paralisada por meses e o prejuízo com as doses descartadas foi de aproximadamente US$ 2 milhões.
Menos de um ano após a invasão, em fevereiro de 2019, houve nova tentativa de golpe, desta vez sem violência física, mas com sérias consequências para as finanças e governança da companhia.
De acordo com a Sinovac, os mesmos dissidentes de 2018 se uniram a um fundo de capital para comprar, secretamente, o maior número de ações possíveis da empresa na Nasdaq e, assim, passar a ter o controle acionário da companhia, em uma prática conhecida no mercado financeiro como aquisição hostil.
Para prevenir esse tipo de conduta, o acordo de acionistas da Sinovac veta que um mesmo grupo detenha mais de 15% das ações, regra que foi desrespeitada pelos dissidentes.
Diante da falta de entendimento entre os grupos, a direção da Sinovac teve de lançar mão da chamada poison pill (pílula do veneno), prática em que uma empresa oferta no mercado um número expressivo de novas ações para aumentar o volume de acionistas e, assim, "diluir" o poder de grupos que tenham um percentual grande de papéis da empresa.
No caso da Sinovac, foram 27 milhões de novas ações emitidas, aumento de mais de 30% sobre o que a empresa possuía. A estratégia, porém, só deve ser usada em casos de extrema necessidade, pois pode ser desastrosa.
"Isso não acontecia no mercado americano havia dez anos. Não é algo trivial porque traz problemas. A poison pill é como se fosse uma bomba atômica. A empresa tem aquilo para o caso de precisar se defender (de uma aquisição hostil), mas não deveria usar, pois ela pode trazer danos à própria empresa. Pode depreciar o preço da ação e trazer incerteza ao mercado", explica Henrique Castro, professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV.
No caso da Sinovac, nem deu tempo de os preços caírem. Logo após a companhia emitir milhões de novas ações, a Nasdaq suspendeu a negociação dos papéis até que o litígio entre acionistas fosse solucionado. O objetivo era proteger os investidores de grandes perdas.
Como o imbróglio ainda está na Justiça, a suspensão segue até hoje, o que coloca a Sinovac em situação inusitada. Enquanto outras farmacêuticas adiantadas na corrida pela vacina contra a covid veem suas ações dispararem diante de resultados promissores das pesquisas científicas, as ações da companhia de Pequim estão congeladas e valem hoje pouco mais de US$ 6 cada.
A BioNTech, por exemplo, biotech alemã que desenvolve vacina contra a covid em parceria com a Pfizer e divulgou nesta semana que o produto tem 95% de eficácia, teve valorização de 365% nas suas ações no último ano, com cada papel valendo hoje US$ 90.
"Esses episódios da Sinovac demonstram um problema de governança na empresa. Esse tipo de coisa aumenta o risco do negócio, traz mais dificuldade para obter financiamento em um momento crucial da pesquisa. Por outro lado, ela é uma forte concorrente para lançar uma vacina bem-sucedida. Se as agências regulatórias dos países verificarem a eficácia do produto e se ele tiver preço competitivo, os problemas de governança devem ficar em segundo plano", avalia Castro.
Embora a disputa ainda não tenha chegado ao fim, a direção da Sinovac obteve duas vitórias este ano contra os grupos dissidentes. Em maio, a SEC condenou o investidor Jiaqiang Li e sua empresa, a 1Globe Capital LLC, a pagarem US$ 290 mil em multas pela tentativa irregular de substituir o conselho da Sinovac ao se unir secretamente a outros grupos para comprar mais ações do que o limite permitido.
Em setembro, a Justiça chinesa considerou o acionista Aihua Pan e sua empresa, Sinobioway Medicine, culpados pela invasão à fábrica da companhia em 2018 e determinou que sejam responsabilizados pelas perdas que a empresa sofreu durante o episódio.
Citação em caso de propina
Antes mesmo do início das disputas pelo poder, a Sinovac já havia sofrido desgaste por outras questões relacionadas à gestão. Em 2016, um ex-oficial da agência regulatória de medicamentos chinesa foi acusado de cobrar propina de membros da indústria de vacinas para acelerar o processo de aprovação de estudos e registros no órgão governamental.
No julgamento do ex-servidor, o presidente da Sinovac, Weidong Yin, que está no comando da empresa desde 2003, foi citado como um dos que fizeram pagamentos ao antigo membro da agência. A denúncia não se confirmou. De acordo com os relatórios da Sinovac, a Justiça chinesa não acusou Yin de nenhum ato ilícito. No documento da companhia, porém, não são fornecidos detalhes sobre o processo.
O caso levou à abertura de uma investigação na SEC e no Departamento de Justiça dos EUA. Ao final da apuração, o caso foi encerrado sem que nenhuma responsabilidade ou sanção fosse atribuída à Sinovac.
O Estadão tentou, durante um mês, contato por e-mail e por telefone com representantes da empresa para entender melhor o conflito entre acionistas e demais problemas de governança, mas nunca obteve retorno sobre as perguntas feitas.
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