Câncer de mama é foco de discriminação no trabalho

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O Estado de S.Paulo

Jornalista: Heloísa Scognamiglio

27/10/19 - Nátali Araújo, administradora de empresas com especialização em recursos humanos, teve o diagnóstico de câncer de mama aos 26 anos, em 2012. Ficou afastada do emprego pelo INSS por quase cinco anos e, quando retornou à empresa em que trabalhava, achou que sua vida voltaria ao normal. Mas isso não aconteceu. “Eu voltei a trabalhar e não tinha lugar para sentar por quase 20 dias. No primeiro dia, eu fiquei até as 15 horas sem ter o que fazer. Até que mandaram eu separar uniformes”, conta.


Em um exame de rotina no ano passado, surgiu a suspeita de que Nátali poderia estar doente de novo. “Cheguei na empresa e entreguei o laudo do médico, no qual ele pedia vários exames de investigação. Duas horas depois, eu fui chamada e me demitiram.”

 

Uma pesquisa realizada em setembro pelo LinkedIn e pela Fundação Laço Rosa, que trabalha pelos direitos das pacientes com câncer de mama, mostra que apenas 31% das pessoas que enfrentam ou já tiveram a doença continuaram trabalhando durante o tratamento. Ainda que não tenham se ausentado do serviço, elas relatam dificuldades como conciliar os sintomas do tratamento com a rotina profissional (28%) e a falta de políticas de apoio da empresa ao paciente (19%).


Do outro lado, entre as mulheres que pararam de trabalhar, a maior parte diz que estava afastada com licença médica pelo INSS (36%), mas uma parcela de 8% relata ter sido demitida por conta da doença. Na opinião da maioria das 932 entrevistadas, entre pacientes e ex-pacientes, as empresas ainda não oferecem o apoio necessário.

 

Para Ana Claudia Plihal, diretora de soluções de talento do LinkedIn Brasil, o levantamento expõe que muitas companhias ainda não estão prontas para lidar com o tema. “Na visão de 90% das pacientes e expacientes, ainda falta muito para que as empresas acolham da melhor maneira possível as pacientes de câncer de mama”, diz. “Para as empresas que queiram mudar o cenário, o primeiro passo é fazer uma análise criteriosa (de procedimentos).”

 

Marisse Bonfim, coordenadora fiscal que também enfrentou um câncer de mama, concorda que o mercado não sabe lidar com as pacientes. Hoje trabalhando em uma empresa na qual ela diz receber apoio, Marisse fala que isso não aconteceu no emprego em que estava quando foi diagnosticada, em 2016.

 

“O que o paciente espera é pelo menos um ‘estou aqui, você precisa de alguma coisa?’. Às vezes a empresa faz um barulho tão grande no Outubro Rosa, faz palestras e eventos, mas não sabe como oferecer apoio para a própria funcionária.”

 

Campanha de conscientização sobre o câncer de mama, o Outubro Rosa foca na prevenção e no diagnóstico precoce da doença. Ainda que a campanha tenha penetração no mercado corporativo, outra pesquisa mostrou que 58% das empresas não possuem práticas de prevenção, acompanhamento ou reinserção de profissionais.


O levantamento – feito pela Go All (organização sem fins lucrativos que reúne ONGs e farmacêuticas) e pela Associação Brasileira de Recursos Humanos – ouviu 261 profissionais da área de RH de empresas nacionais no ano passado. Apenas 9% das companhias mantêm práticas de prevenção como oferta de exames de rotina e alimentação saudável no trabalho.

Além dos casos em que a mulher é diagnosticada enquanto está empregada, há relatos de dispensa durante o processo seletivo quando a candidata conta que já teve ou tem câncer.


“Muitas acabam ouvindo coisas como ‘a vaga foi congelada’ ou ‘tivemos um imprevisto’, quando achavam que estavam prestes a serem contratadas”, diz Ana Claudia, do LinkedIn.


De acordo com ela, a dica para pacientes e ex-pacientes é selecionar as empresas a partir dos valores e benefícios que elas apregoam. “Antes de aplicar-se a uma vaga, procure saber se a companhia possui algum tipo de política de apoio.


Se tiver, as chances de a empresa a enxergar como candidata, e não apenas olhar para a doença, serão bem maiores.” Ana Claudia também dá dicas para a entrevista: a doença não precisa ser o primeiro tópico abordado, mas também não precisa ser omitida. “Conte suas experiências passadas, seus objetivos de carreira e suas habilidades técnicas e comportamentais.” Quando falar sobre o diagnóstico, orienta a diretora, o importante é destacar “como aquilo te fortaleceu como pessoa e o que você aprendeu com a doença que aplica atualmente na vida profissional”. Preconceito leva pacientes à Justiça Demitida após a suspeita de estar doente de novo, Nátali diz que sua demissão foi traumática. “Saber que o RH estava me tratando daquele jeito foi muito difícil.” Ela então procurou uma advogada e ficou sabendo que havia sofrido dispensa discriminatória.


A dispensa discriminatória ocorre quando a relação de trabalho é rompida por preconceito de gênero, origem, raça, estado civil, idade, situação de saúde, entre outros motivos que ferem o tratamento isonômico dos funcionários. Segundo a pesquisa do LinkedIn e da Fundação Laço Rosa, 18% das entrevistadas afirmaram ter sofrido dispensa discriminatória, mas ainda mais mulheres (26%) disseram não saber do que se trata a figura jurídica.


Segundo a advogada Coralli Rios, em casos de dispensa discriminatória a jurisprudência tem sido no sentido de preservar pessoas em um tratamento mais pesado. “A jurisprudência ordena que, no mínimo, o plano de saúde seja mantido durante o tratamento. Também pode ser determinada a reintegração (ao trabalho)”, explica.


Nátali venceu a ação contra a antiga empresa, mas fez um acordo financeiro para não precisar voltar ao local.


Seu caso inspirou Marcelle Medeiros, presidente da Fundação Laço Rosa, a criar a plataforma Contratada, que reúne conteúdo sobre empreendedorismo e mercado de trabalho para mulheres que tiveram câncer de mama.

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