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por Maria Fernanda Ziegler, da Agência Fapesp

O Estado de S.Paulo / Site

18/12/19 - Pesquisadores identificaram uma assinatura genética com valor prognóstico capaz de prever a sobrevida de pacientes com certos tipos de câncer de mama. A descoberta leva também a uma melhor compreensão sobre os mecanismos moleculares de um processo de vascularização conhecido como angiogênese patológica, essencial para o desenvolvimento de diversas doenças.

A pesquisa, publicada na revista PLOS Genetics, combinou estudo sobre genes envolvidos na retinopatia patológica – lesões oculares que também servem como modelo para o estudo de angiogênese – e dados da expressão gênica (transcritoma) de bancos de dados públicos sobre o câncer de mama.

Realizado por pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) em colaboração com o Instituto de Pesquisa do Câncer de Ontário (OICR, da sigla em inglês), no Canadá, o estudo contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

“Identificamos um conjunto de genes cuja expressão no câncer de mama se correlaciona com o grau de vascularização (angiogênese) patológica do tumor. Trata-se, portanto, de uma assinatura gênica para a angiogênese que é prognóstica e mais robusta que as assinaturas identificadas anteriormente, dada a correlação existente entre a angiogênese e os tumores de modo geral”, disse Ricardo Giordano, professor do IQ-USP e autor do estudo.

No estudo, os pesquisadores brasileiros identificaram 153 genes alterados entre retinas normais e retinas patológicas em camundongos. A partir dessa lista foram identificados 149 genes humanos equivalentes. O resultado foi utilizado como base da pesquisa sobre a assinatura gênica, com a parceria do grupo canadense. Para isso o grupo utilizou um banco de dados com informações de pacientes com câncer de mama. Desse total, 11 genes-chave envolvidos na angiogênese patológica foram os que tiveram o melhor desempenho para uma assinatura de prognóstico.

Câncer de mama e retinopatia têm em comum o processo de angiogênese. “O fato de essas duas doenças compartilharem esse processo e de a angiogênese ser fundamental para desenvolvimento de cânceres nos levou a tentar fazer a ponte entre retinopatia e câncer de mama”, disse João Carlos Setubal, coordenador do Programa Interunidades de Pós-Graduação em Bioinformática da USP, também autor do artigo.

Segundo os pesquisadores, o motivo de o estudo ter sido feito especificamente com câncer de mama está na disponibilidade de dados dessa doença. “Precisávamos ter acesso a dados públicos em vasta quantidade, pois existe muita variação de pessoa para pessoa. E justamente para câncer de mama havia um conjunto de dados disponível para nosso estudo, com informações de 2 mil pacientes”, disse Setubal.

De acordo com Setubal, para detectar a assinatura foi necessário realizar um sofisticado processamento computacional dos dados gerados em laboratório, uma área conhecida como bioinformática. O trabalho foi desenvolvido em parceria com os pesquisadores canadenses do OICR. O aluno de doutorado Rodrigo Guarischi de Sousa , também autor do estudo, criou o programa que testou os 149 genes humanos como possíveis componentes da assinatura para pacientes com câncer. Essa parte do estudo foi realizada por meio de bolsa estágio de pesquisa no exterior apoiado pela Fapesp, sob a coordenação de Paul C. Boutros, no OICR.

Atualmente Boutros é pesquisador no Departamento de Genética Humana na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), e Guarischi de Sousa se formou e trabalha na empresa Dasa, em São Paulo.

A partir dessa assinatura os pesquisadores pretendem encontrar aplicações, sobretudo em terapias contra o câncer de mama. “Nosso objetivo agora é dar continuação ao estudo da angiogênese no câncer. Estamos interessados em identificar genes nessa lista que possam ser alvo para o desenvolvimento de novas drogas ou reaproveitamento de drogas existentes”, disse Giordano.


Da retinopatia ao câncer de mama


A descoberta da assinatura de prognóstico para o câncer de mama é fruto de um longo estudo que teve início em 2010, por meio de uma bolsa de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), quando Giordano iniciou os estudos sobre transcriptoma (dados referentes a genes expressos) e proteoma (proteínas) da retina angiogênica.

“Como resultado desse estudo, implantamos no laboratório um modelo em camundongos para o estudo de retinopatia. O modelo em camundongos é importante, pois é difícil estudar a formação de vasos sanguíneos fora de tecidos vivos. Portanto, só com este modelo é possível induzir e estudar em laboratório uma retinopatia, modulando o nível de oxigênio, e fazer estudos referentes à angiogênese”, disse Giordano.

Com base em amostras dos camundongos, os pesquisadores puderam investigar as diferenças entre a formação de vasos em condições fisiológicas (que ocorrem normalmente) e em condições patológicas. “Verificamos quais genes eram expressos pelas células endoteliais (que cobrem os vasos sanguíneos) nas duas condições, sempre procurando por aqueles genes que são mais expressos numa condição em relação à outra ou vice-versa”, disse Giordano.

Um elemento essencial no experimento foi a variação de oxigênio nas câmaras onde estavam os camundongos recém-nascidos. Nas câmaras com 75% de oxigênio os camundongos tiveram retinopatia, ao passo que no ar ambiente (20% de oxigênio) a retina se desenvolveu normalmente. A descoberta dos mecanismos que permitem às células detectarem a presença de oxigênio foi o tema do prêmio Nobel de Medicina de 2019, que agraciou os pesquisadores William G. Kaelin Jr., Peter J. Ratcliffe e Gregg L. Semenza.

Assinatura de prognóstico referente a genes expressos


É importante ressaltar que a assinatura gênica para a angiogênese poderá ter uma possível aplicação clínica muito diferente daquela do gene marcador BRCA1. O gene – assim como o BRCA2 – ficou conhecido mundialmente em 2013, quando a atriz norte-americana Angelina Jolie se submeteu a duas mastectomias após ter descoberto, a partir de um exame, mutações específicas neste gene, indicando que teria risco de 87% de desenvolver câncer de mama.

“O BRCA1 é um gene do genoma. Uma mulher com mutações nesse gene tem maior risco de desenvolver a doença, porém ela não necessariamente vai desenvolver câncer de mama. Portanto a presença do gene com mutações serve para ajudar a prever o aparecimento da doença. A assinatura do nosso estudo se mostrou promissora para prever o desenvolvimento da doença depois que ela de fato apareceu”, disse Setubal.

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