CANNABUSINESS: Como a ciência pode salvar os negócios

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Época Negócios

por: Mirian Sanger

 

 

10/01/20 – Pilhas de livros, pastas e fichários fazem com que o pequeno escritório do bioquímico Raphael Mechoulam pareça ainda menor. Ele ocupa uma das salas do prédio da Escola de Farmácia, da Universidade Hebraica de Jerusalém, da qual é professor emérito e pela qual se formou em 1952. Mechoulam foi o responsável por isolar pela primeira vez, em 1964, dois dos principais componentes da Cannabis — o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), os quais chamou de canabinoides. O professor também esteve envolvido na descoberta do sistema endocanabinoide, caracterizado pela presença de receptores de canabinoides em todo o organismo — células cerebrais, imunológicas, renais, hepáticas, ósseas, linfáticas... O achado reforçou o potencial terapêutico da Cannabis, no controle de uma série de doenças e na manutenção da saúde em geral. Sério e metódico, Mechoulam não perde a oportunidade de criticar duramente a demora nas pesquisas clínicas dos componentes da Cannabis. Nascido em Sófia, na Bulgária, Mechoulam percorre o mundo em eventos e seminários com uma energia atípica para seus 89 anos. Conhecido entre seus pares como “poderoso chefão”, ele conversou com Época NEGÓCIOS.


O AVAL DA POLÍCIA

 

“Substâncias proibidas sempre foram alvo de pesquisa. A morfina foi isolada do ópio há 150 anos, não? Surpreendentemente, até 1960 o componente ativo da Cannabis não havia sido isolado da forma apropriada, e entendi que seria uma boa ideia adicionar uma base de conhecimento químico sobre ela. Por motivos legais, poucos pesquisavam a Cannabis quando nós começamos. Em Israel, a polícia se dispôs a nos ajudar e trabalhamos sempre dentro da lei — estudávamos a erva quando isso era impossível em outros países. Para minhas pesquisas, recebi cinco quilos de haxixe diretamente da polícia israelense.”

 

AS DESCOBERTAS

 

“Demonstramos a estrutura de muitos compostos da Cannabis, como o canabidiol (CBD), uma substância que hoje movimenta um mercado de US$ 20 bilhões. Isolamos e identificamos, em seguida, outros componentes. Muitos deles eram completamente novos. Depois, trabalhamos sobre o entendimento de seu metabolismo e farmacologia Mais tarde, desvendamos o sistema que chamamos de endocanabinoide, que é de vital importância em nosso organismo.
Hoje sabemos que ele está relacionado a quase todas as doenças. Atualmente, estamos focados em três temas: o potencial da Cannabis no controle da osteoporose, como protetora de danos cerebrais e como bloqueadora do vício da nicotina.”

 

A DEMORA

 

“Diz-se por ai que estamos ‘avançando rapidamente’, mas apontamos a propriedade anticonvulsivante do CBD em humanos há 35 anos. Trinta e cinco anos! E, só nos últimos cinco, algo aconteceu depois que alguns pais, nos Estados Unidos, perceberam o efeito dele sobre seus filhos epilépticos e pressionaram até que o governo americano aprovasse testes clínicos. Ao longo de todo esse tempo, nós poderiamos ter salvo milhares de crianças. Soube que, em algumas instituições, quando os idosos portadores de Alzheimer estão agressivos, eles são amarrados. Aparentemente essas instituições não sabem que, caso esses pacientes recebam 5 miligramas de THC por dia, eles não terão crises de agressividade. Isso já foi comprovado em seres humanos. E essas pessoas ficam amarradas por horas como... nem sei dizer — vacas. Outro exemplo: a anandamida [associada às sensações de prazer e bem-estar]. Temos um composto de grande importância, descoberto há 25 anos, mas que nunca virou medicamento. Nossas publicações mais recentes sobre essa substância foram citadas em 6 mil papers.”

 

O DESCONHECIMENTO

 

“A maioria dos que estão envolvidos com a Cannabis têm muito pouco conhecimento dos detalhes. Eles pensam: ‘Cannabis é boa para tudo’. Não é verdade. Onde estão as pesquisas que atestam isso? Não existe uma ‘Cannabis medicinal’. Uma prescrição deve especificar quanto de CBD, quanto de THC, isolados, juntos... Afinal, há doenças que são afetadas por um ou por outro, e outras que precisam de ambos em determinadas porcentagens. Há tantas espécies [cerca de mil] e tantas aplicações! A rainha Vitória, da Inglaterra, importava Cannabis da índia para combater enxaqueca. A Cannabis na índia contém muito THC, ao contrário da europeia. Para epilepsia, o CBD é importante. Em Israel, as crianças epilépticas recebem CBD com um pouco de THC.”

 

O VÍCIO

 

“As pessoas têm a compulsão por tomar drogas, como a morfina ou a cocaína, pela ‘recompensa’ que o corpo recebe. O vicio é o organismo gritando: ‘Eu preciso dessa recompensa!’. Isso dito, nós sabemos que drogas como a heroína causam dependência em 100% dos usuários, os quais muito raramente conseguem escapar dela. Na Cannabis, no entanto, esse não é um tema relevante, porque ela potencialmente vicia 10% dos usuários.”

 

O ESTIGMA

 

“O estigma em torno da Cannabis está diminuindo. Os governos estão mais espertos. Veja o caso do Canadá, onde 10% da população é usuária. O governo pensou: ‘Não temos cadeia para milhões de pessoas e, portanto, a Cannabis deve ser legalizada’. Fim de história. Nos EUA, o caso é ainda mais interessante. Você está no estado A, no qual a Cannabis é legal. Daí anda dez metros, entra no estado B, e pode ser preso por portá-la. Recentemente, uma jovem israelense, numa conexão em Moscou a caminho de Tel-Aviv, foi condenada a 7,5 anos de prisão na Rússia por porte de 10 gramas de Cannabis. Faz sentido?”

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