Tartarugas na Floresta Nacional do Peru - Reuters
Pesquisadores estudam animais que vivem bem mais do que o esperado?
Reinaldo José Lopes
Dá para levar a sério a ideia de estender a longevidade humana e, quem sabe, produzir pessoas potencialmente imortais? São raríssimos os cientistas dispostos a responder que sim na lata, mas um progresso (muito) modesto já tem acontecido na área.
Por enquanto, apareceram alguns candidatos interessantes a "alvo molecular" da longevidade. Ou seja, moléculas, ou conjuntos de moléculas, que poderiam ser manipuladas para alterar os sistemas celulares que acabam levando ao envelhecimento. Várias delas tem alguns pontos em comum: estão associadas à maneira como o organismo lida com o excesso de recursos e com o crescimento.
Outra via que está sendo explorada tem a ver com os sistemas de manutenção e reparo do material genético. Problemas no DNA frequentemente desencadeiam câncer, e também há uma importante relação entre a diminuição das estruturas chamadas telômeros (as "pontas de segurança" dos cromossomos, onde o DNA está armazenado) e o envelhecimento celular.
style="display:block; text-align:center;" data-ad-layout="in-article" data-ad-format="fluid" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="1871484486">Boa parte dos dados que apoiam esses dois ramos da pesquisa vem do estudo de animais de laboratório. Intervenções em espécies de vida relativamente curta, como vermes nematoides, camundongos e ratos, já obtiveram aumentos substanciais da expectativa de vida e da saúde mesmo em idade avançada.
E também há pistas intrigantes vindas do organismo de animais que vivem muito mais do que o esperado considerando seu tamanho e seus parentes --em geral, criaturas pequenas vivem pouco, são muito predadas e se reproduzem velozmente (caso dos roedores), enquanto animais de grande porte e relativamente livres de inimigos naturais (caso dos seres humanos) tendem a ser longevos.
SEGREDO DO MORCEGO
Considere, porém, o caso dos morcegos, e em especial o dos morceguinhos do gênero Myotis, que pesam apenas algumas dezenas de gramas. Eles "deveriam" viver apenas alguns anos, como os roedores, mas a capacidade de voar diminuiu muito a pressão que eles sofreriam por partes dos predadores e permitiu que eles tivessem um ciclo de vida bem mais relaxado, morrendo por volta dos 40 anos (outros morcegos morrem na casa dos 20 anos ou 30 anos).
Um estudo que acaba de ser publicado na revista científica "Science Advances" por Emma Teeling e seus colegas do University College de Dublin (Irlanda) investigou justamente os telômeros do Myotis e de outros morcegos.
Teeling explicou à Folha o resultado: "Não é exatamente que o Myotis tenha telômeros mais compridos, mas o de que eles não encurtam com o passar da idade, conforme o esperado. Seres humanos com mais de 60 anos e telômeros mais curtos têm probabilidade três vezes maior de morrer de alguma doença ligada ao envelhecimento".
Essa estrutura dos cromossomos diminui com as sucessivas divisões das células. Quando esse encurtamento alcança um nível crítico, chega-se ao estado chamado de senescência celular. A célula não se divide mais, mas pode produzir uma série de substâncias (com capacidade inflamatória, por exemplo) que parecem contribuir para os efeitos negativos do envelhecimento.
"Eles também reparam melhor o seu DNA, têm níveis mais altos de controle de tumores e mecanismos anti-inflamatórios rápidos e eficientes", diz Teeling.
A julgar pelos estudos com animais, porém, alguém poderia achar que a intervenção definitiva não poderia ser mais simples: fechar a boca. Os estudos com restrição calórica —às vezes cortando 40% das calorias consumidos pelos bichos— foram os mais bem-sucedidos com espécies pequenas. Resultados preliminares com macacos e humanos, porém, nem chegaram perto desse êxito.
O jeito, porém, talvez seja contornar isso com medicamentos que reproduzem parte dos efeitos moleculares da boca fechada sem fazer as pessoas passarem fome de verdade. Uma delas é a rapamicina, droga originalmente usada para controlar a rejeição de transplantes (veja infográfico). Ela afeta um circuito molecular da célula chamado mTOR que, quando ativado, leva ao crescimento e à divisão celular.
Desligá-lo parece colocar a célula em "modo de segurança", estendendo a longevidade. Outra possibilidade é a metformina, droga muito usada para controlar o diabetes. Ainda falta muito antes que haja evidências claras de que essas e outras abordagens similares funcionem, porém.
BUSCANDO EXEMPLOS
Várias iniciativas estão mapeando o DNA de pessoas mais velhas mundo afora, com um olhar especial para os que chegaram à idade avançada com relativa saúde.
No Brasil, pesquisadores da USP coordenados por Mayana Zatz e Michel Naslavsky estão estudando o genoma de 1.330 idosos de São Paulo, dos quais 130 têm 80 anos ou mais e boa saúde, incluindo aí quatro centenárias.
As características genéticas naturalmente miscigenadas da população brasileira, bem como o ambiente não muito amigável da metrópole paulista, podem ser trunfos da análise da equipe da USP em relação a análises similares feitas fora do país.
Naslavsky conta que a maioria dos estudos realizados até hoje costumam levar em conta grupos bastante homogêneos do ponto de vista genético, e alguns até relativamente isolados, como os velhinhos de Okinawa, no Japão. Mas os pesquisadores têm verificado que o efeito combinado das variantes de um gene ou vários genes podem ser importantes no que diz respeito à susceptibilidade de desenvolver determinadas doenças.
Estudar isso é particularmente promissor em grupos miscigenados: às vezes, digamos, o efeito negativo de uma variante genética de origem europeia pode ser neutralizado por outra vindo de populações africanas.
Além disso, é claro, há os aspectos ambientais. "Quem chega aos 80 ou mais anos de idade saudável em São Paulo, com poluição, estresse e tudo o mais, talvez tenha algo de interessante", brinca Zatz.
Para tentar entender o peso de cada fator nos processos de envelhecimento e no risco de morte, a equipe conta com o acompanhamento periódico dos idosos e com questionários sobre seu estado de saúde, um trabalho coordenado por Yeda Duarte, da Faculdade de Saúde Pública da USP.
A correlação entre certos hábitos e a diversidade genética também pode trazer boas pistas. Outro braço do trabalho, envolvendo análises do estado do cérebro dos idosos, é coordenado por Edson Amaro, do hospital Albert Einstein.
Naslavsky explica que é possível dividir os longevos saudáveis em alguns grupos. Certos indivíduos vêm de famílias que são naturalmente longevas por motivos claramente genéticos. Outros chegam a essa condição invejável por uma conjunção de fatores ambientais e genéticos.
Desse segundo grupo, alguns não têm mutações genéticas ligadas a doenças graves, enquanto outros podem até desenvolver câncer. "Mas são resilientes —e esse grupo é que pode ser o mais interessante pensando na população de modo geral", diz ele.
Seja como for, o mais provável é que a conjunção do papel modesto de muitos genes, além do ambiente, é que esteja por trás da vida longa e saudável. Soluções simples não devem estar à vista. (RJL)Várias iniciativas estão mapeando o DNA de pessoas mais velhas mundo afora, com um olhar especial para os que chegaram à idade avançada com relativa saúde.
No Brasil, pesquisadores da USP coordenados por Mayana Zatz e Michel Naslavsky estão estudando o genoma de 1.330 idosos de São Paulo, dos quais 130 têm 80 anos ou mais e boa saúde, incluindo aí quatro centenárias.
As características genéticas naturalmente miscigenadas da população brasileira, bem como o ambiente não muito amigável da metrópole paulista, podem ser trunfos da análise da equipe da USP em relação a análises similares feitas fora do país.
Naslavsky conta que a maioria dos estudos realizados até hoje costumam levar em conta grupos bastante homogêneos do ponto de vista genético, e alguns até relativamente isolados, como os velhinhos de Okinawa, no Japão. Mas os pesquisadores têm verificado que o efeito combinado das variantes de um gene ou vários genes podem ser importantes no que diz respeito à susceptibilidade de desenvolver determinadas doenças.
Estudar isso é particularmente promissor em grupos miscigenados: às vezes, digamos, o efeito negativo de uma variante genética de origem europeia pode ser neutralizado por outra vindo de populações africanas.
Além disso, é claro, há os aspectos ambientais. "Quem chega aos 80 ou mais anos de idade saudável em São Paulo, com poluição, estresse e tudo o mais, talvez tenha algo de interessante", brinca Zatz.
Para tentar entender o peso de cada fator nos processos de envelhecimento e no risco de morte, a equipe conta com o acompanhamento periódico dos idosos e com questionários sobre seu estado de saúde, um trabalho coordenado por Yeda Duarte, da Faculdade de Saúde Pública da USP.
A correlação entre certos hábitos e a diversidade genética também pode trazer boas pistas. Outro braço do trabalho, envolvendo análises do estado do cérebro dos idosos, é coordenado por Edson Amaro, do hospital Albert Einstein.
Naslavsky explica que é possível dividir os longevos saudáveis em alguns grupos. Certos indivíduos vêm de famílias que são naturalmente longevas por motivos claramente genéticos. Outros chegam a essa condição invejável por uma conjunção de fatores ambientais e genéticos.
Desse segundo grupo, alguns não têm mutações genéticas ligadas a doenças graves, enquanto outros podem até desenvolver câncer. "Mas são resilientes --e esse grupo é que pode ser o mais interessante pensando na população de modo geral", diz ele.
Seja como for, o mais provável é que a conjunção do papel modesto de muitos genes, além do ambiente, é que esteja por trás da vida longa e saudável. Soluções simples não devem estar à vista.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo
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