Caso ocorreu nos EUA; primeiro tratamento personalizado para uma doença genética é um conquista para a medicina, mas levanta questões éticas
Brenda Marques, do R7
Médicos do Hospital Infantil de Boston, nos Estados Unidos, criaram, pela primeira vez, um medicamento para tratar apenas uma paciente, de acordo com o jornal norte-americano New York Times. O remédio foi desenvolvido para Mila, uma menina de 8 anos que possui uma condição genética rara e degenerativa e, em sua homenagem, recebeu o nome de “milasen”.
A mãe de Mila, Julia Vitarello, soube em dezembro de 2016 que a menina tem a doença de Batten, um distúrbio neurológico que avança rapidamente e é fatal. Os sintomas apareceram quando a menina tinha três anos. Ela perdeu a visão, os movimentos, a fala, passou a usar um tubo para se alimentar e tinha até 30 convulsões por dia.
Para que a doença de Batten se manifeste, a pessoa deve ter duas versões de um gene chamado MFSD8 alteradas. Entretanto, Mila tem apenas um gene modificado, o que intrigou o médico Timothy Yu e sua equipe, responsável por desenvolver o medicamento.
O especialista, então, descobriu que o gene intacto de Mila tinha um pedaço estranho de DNA, o que prejudicava a fabricação de uma proteína importante. Para solucionar o problema, teve a ideia de fabricar uma molécula personalizada, presente no organismo, que tem a função de produzir proteínas.
O medicamento foi desenvolvido e testado em roedores. Em janeiro de 2018, a FDA (Food and Drug Administration), agência do governo dos EUA que regulamenta medicações, concedeu aval para dar o medicamento a Mila. A menina recebeu a primeira dose no dia 31 do mesmo mês, por meio de um tubo conectado a sua medula espinhal, para chegar ao cérebro.
Em um mês, o tratamento apresentou resultado: Mila passou a ter menos convulsões e elas duravam menos tempo. Atualmente, ela chega a passar um dia sem ter convulsão e, quando isso ocorre, dura menos de um minuto. Além disso, utiliza raramente o tubo para se alimentar, e, quando é colocada de pé, consegue ficar reta, sem que o pescoço e as costas caíam. Por outro lado, sua capacidade de se comunicar tem diminuído.
"Ela está começando a não responder a coisas que a faziam rir ou sorrir", disse a mãe ao jornal norte-americano.
O medicamento, apesar de inédito e revolucionário, levantou questões éticas e técnicas no âmbito da saúde. O custo é uma delas: produzir o medicamento só foi possível porque a mãe de Mila arrecadou US$ 3 milhões por meio de um fundo de financiamento coletivo. Mas não se sabe qual foi o valor total desembolsado no processo.
Especialistas apontam que, pelo fato de a produção ser cara, apenas os mais ricos poderiam arcar com as despesas, já que o governo e as empresas não dão subsídios. Ou seja, medicamentos personalizados são um privilégio restrito a uma minoria.
Entretanto, existem mais de 7 mil doenças raras e mais de 90% não têm tratamento aprovado pela FDA, de acordo com Rachel Sher, vice-presidente de assuntos regulatórios e governamentais da Organização Nacional para Desordens Raras, para o The New York Times.
Janet Woodcock, diretora do Centro de Pesquisa e Avaliação de Medicamentos da FDA, fez questionamentos que ainda não têm uma resposta, por exemplo: que tipo de evidência é necessária antes de expor um ser humano a um novo medicamento; como garantir a segurança mínima antes de uma pessoa passar por testes e avaliar a real eficácia do tratamento.
Comentários