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Testado em animais, composto faz uma espécie de reprogramação metabólica de todo o organismo, reduzindo a ingestão de alimentos em 87%. Segundo os cientistas, a droga não causa efeitos colaterais, diferentemente de opções disponíveis
by Paloma Oliveto | Correio Braziliense
Na luta contra a pandemia de obesidade, a indústria farmacêutica aposta em novos medicamentos injetáveis ou orais que simulam um mecanismo natural de saciedade, os chamados análogos do hormônio GLP-1. Essas drogas, porém, podem provocar náusea e vômitos em muitos pacientes. Agora, pesquisadores norte-americanos anunciaram, no encontro de primavera da Sociedade Norte-Americana de Química, um composto que age de forma semelhante, mas sem nenhum efeito colateral. Testada em roedores e pequenos mamíferos, a substância promoveu uma redução de 87% da ingestão de alimentos, além de aumentar o gasto energético, potencializando a perda de peso.
Segundo Robert Doyle, um dos principais pesquisadores do projeto da Universidade de Syracuse, em Nova York, o composto teria um efeito semelhante ao da cirurgia bariátrica, que não apenas reduz o peso, mas provoca uma reprogramação metabólica em todo o organismo. "A cirurgia bariátrica oferece uma solução para obesidade e diabetes, muitas vezes resultando em perda de peso duradoura e até remissão do diabetes. Mas essas operações apresentam riscos, não são adequadas para todos e não são acessíveis para muitas das centenas de milhões de pessoas em todo o mundo que são obesas ou diabéticas", destaca Doyle, que apresentou o composto em uma entrevista coletiva on-line.
O pesquisador explica que, após a cirurgia, ocorre uma alteração nos níveis de secreção no trato gastrointestinal de hormônios que sinalizam saciedade, reduzem o apetite e normalizam a taxa de açúcar no sangue. Entre eles, estão o GLP-1 e o PYY. Considerados revolucionários, os tratamentos medicamentosos atuais que visam replicar esse efeito ativam, especialmente, receptores celulares do GLP-1 no pâncreas e no cérebro. "Mas muitas pessoas não toleram os efeitos colaterais das drogas. Em um ano, 80% a 90% das pessoas que começam a usar essas drogas não as estão mais tomando", diz.
Para reverter o problema, diversos pesquisadores têm buscado opções semelhantes que não provoquem náuseas e vômitos. A equipe de Doyle criou um peptídeo que, além do receptor do GLP-1, ativa dois receptores do PYY. O chamado GEP44 reduziu em quase 90% a ingesta alimentar dos animais que, ao fim de duas semanas, haviam perdido 12% do peso, três vezes mais do que os ratos tratados com a liraglutida, comercialmente vendida com o nome de saxenda. Segundo Doyle, a substância em teste não provocou efeitos colaterais nem nos camundongos nem nos musaranhos, pequenos mamíferos também usados no estudo.
O pesquisador, especialista em medicina química, explica que a perda de peso nos animais não ocorre apenas em decorrência da diminuição da ingestão calórica, mas do maior aumento do gasto energético, sem afetar o coração, uma preocupação de Doyle. A substância tem uma meia-vida de apenas uma hora, mas os pesquisadores da Universidade de Syracuse acabaram de projetar um peptídeo que permanece mais tempo no organismo. A ideia é que, se o GEP44 passe em todos os testes, inclusive em humanos, a substância seja injetada uma ou duas vezes por semana, em vez de diariamente.
Doyle destaca que, além da perda de peso, os tratamentos com peptídeos reduzem o açúcar no sangue, levando a glicose para o tecido muscular, onde pode ser usada como combustível, e convertendo células do pâncreas em produtoras de insulina. Recentemente, a equipe do pesquisador demonstrou, também, que o GEP44 reduz, em roedores, o desejo por opioides como o fentanil. Se o efeito for constatado em humanos, isso poderia ajudar no tratamento de dependência química.
Cérebro
O composto não foi desenvolvido pela indústria farmacêutica e, atualmente, os pesquisadores da Universidade de Syracuse aguardam a patente para testar os peptídeos em primatas. No momento, eles estudam como esses tratamentos alteram a expressão genética, configurando o cérebro. "Agora, o que realmente queremos fazer é chegar ao nível do transcriptoma, o nível em que as proteínas mudam a ativação dos neurônios. Para isso, temos o projeto chamado 10X transcriptomas, onde podemos olhar cada neurônio individualmente para ver quais genes estão mudando em resposta à nossa droga e que não mudam com as terapias atuais", conta Doyle.
Embora o GEP44 ainda esteja na fase de testes com animais, o químico está animado com os resultados. "Para perder peso, é preciso reduzir a ingestão de calorias e aumentar o gasto energético. Porém, isso não é simples. Diminuir a quantidade de calorias não é suficiente se temos como alvo uma população que precisa perder uma significativa quantidade de peso e, o mais importante, não reganhar. Nossa ideia é mudar o comportamento metabólico, do fígado ao pâncreas, como acontece pós-cirurgia bariátrica. Então, o que estamos fazendo é uma reprogramação sistêmica, e não apenas cortando a fome."
O médico Temístocles Neto, especialista em emagrecimento e metabologia, conta que, a partir do grau II da obesidade — índice de massa corporal (IMC) acima de 35 —, o paciente já tem indicação para a cirurgia bariátrica ou para o tratamento com remédios, com abordagem multidisciplinar, dependendo da condição clínica. Ele afirma que os medicamentos análogos GLP-1 são, hoje, considerados os mais eficazes para combater a doença.
"Existem diversos estudos comprovando os benefícios dos análogos GLP-1, que hoje existem tanto na forma subcutânea quanto na de comprimido oral. Essas medicações podem apresentar resultados duradouros se os pacientes também mudarem o estilo de vida", ressalta Neto. "O paciente consegue perder peso. Caso não mude o estilo de vida ou suspenda o tratamento, isso pode gerar ganho de peso, porque a obesidade é uma doença, que precisa ser tratada", destaca.
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