Há um grupo de empresas bem estabelecidas no mercado brasileiro e destaque em seus setores de atuação que são, todos os anos, cobiçadas por bancos de investimento. Com margens de lucro que superam 50%, fluxo de caixa constante e liderança em participação de mercado, elas são garantia de ofertas públicas iniciais (IPOs) bilionárias. No sonho dos bancos, conforme levantamento feito com as instituições pelo Valor, estão empresas como O Boticário, Bauducco, CBMM, Rede D’Or, Aché e Nubank.
Só há um problema: essas companhias têm pouco ou nenhum interesse na bolsa, ao menos no momento. “São empresas com acesso a mercado bancário e de dívida, alta geração de caixa e com sucessão programada, que não veem por que ir à bolsa”, diz um banqueiro.
Legenda
A companhia mais citada entre os bancos é o grupo hospitalar Rede D’Or, talvez por ser também a que as instituições veem mais chance de mudar de ideia. Além de ter uma operação “redonda”, como descrevem, os bancos rondam a empresa porque há dois fundos (Carlyle e GIC) em sua composição acionária – e o IPO pode ser uma saída para eles. O Valor apurou que o Carlyle, que detém fatia minoritária, tem uma opção em acordo de acionistas para levar o grupo à bolsa a partir de maio deste ano. Conforme um executivo, no entanto, a família poderia recomprar a participação se não quiser a execução da cláusula. De qualquer forma, essa ainda é uma discussão distante do conselho.
“O grupo ficou mais perto do mercado de capitais, com emissão de CRIs, mas os acionistas estão muito satisfeitos para sair agora. Ninguém está com esse plano no momento, nem Carlyle, nem GIC e a família não precisa de liquidez”, diz um executivo com conhecimento do assunto. A família fundadora, os Moll, já está na segunda geração na administração. “A família não quer fazer IPO, o grupo tem dívida mas com geração de caixa folgada”, dizem dois banqueiros.
Ter gerações envolvidas na operação é uma das razões para “segurar” os planos de uma eventual abertura de capital. Há cinco anos, o grupo Pandurata, que reúne as marcas da Bauducco, chegou a contratar a butique BR Partners e abriu um processo de busca de sócios. A ideia era atrair um fundo de private equity para ficar com 20% do negócio. À época, a fatia foi avaliada em cerca de R$ 500 milhões.
“Quando os fundos começaram a perguntar sobre governança e discutir ter assento no conselho, a família mandou suspender o processo”, conta o diretor de um banco, para exemplificar o baixo interesse em ter interferência de outros acionistas. O grupo é o maior fabricando do mundo de panetones, tem uma joint venture com a fabricante de chocolates Hershey’s e é distribuidora no Brasil da marca Ovomaltine. Procuradas, D’Or e Pandurata não comentaram.
“A grande vantagem de listagem em bolsa é o acesso a capital. Todos os outros aspectos a empresa pode replicar com capital fechado, como stock option, governança, conselho com membros independentes”, diz André Castellini, sócio da consultoria Bain&Company. “No mundo atual em que há mais acesso a capital privado e muita liquidez de fundos e grandes famílias, por exemplo, o cenário muda um pouco. Antigamente era automático pensar em IPO para crescer e hoje não é tão automático assim”, completa Castellini.
Um dos banqueiros cita o caso da holding do grupo Votorantim, que é uma sociedade anônima e se comporta como companhia listada, com teleconferências trimestrais sobre resultados, site de relações com investidores, e empresas controladas que acessam o mercado de dívida e de ações.
Citada por três bancos de investimento, o grupo Boticário – dono de seis marcas, como Eudora e Vult – tem uma situação semelhante. A companhia implementou critérios de governança sem fazer alterações na composição acionária. “A empresa é um brinco. Não tem problema de caixa nem de sucessão. Na cabeça deles hoje, falar em abrir capital é desviar foco da administração para reunião com bancos, roadshow com investidores, e depois parar para ficar atendendo demanda de mercado”, diz outro diretor de banco de investimento.
O Boticário afasta essa possibilidade, de fato. “O grupo não tem a intenção de abrir capital. Temos caixa suficiente para realizar investimentos, caso seja necessário acelerar nosso crescimento”, diz Artur Grynbaum, presidente do Boticário. “Apesar de seguirmos nesse modelo, temos práticas de governança corporativa ultramodernas, inclusive, muito superiores a empresas de capital aberto”, completa.
Além de não precisar de capital para tocar o negócio, as famílias já são bilionárias “na física” e não veem razão para compartilhar o alto retorno de seus negócios. Para quatro bancos, esse é o caso da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e do grupo de laboratórios Aché.
Maior produtor mundial de nióbio e única empresa com presença em todos os segmentos do mercado desse minério, a CBBM é controlada pela família Moreira Salles (acionistas do Itaú Unibanco) e tem como sócias um grupo de empresas japonesas e chinesas, que somam 30%.
“A CBMM é o melhor negócio do mundo. Tem 75% de market share global, com margem de 65%. Por que os Moreira Salles vão dividir?”, diz um banqueiro. Ter a sociedade com os asiáticos mantendo a empresa de capital fechado é um modelo “mais adequado” à preferência da família, ao menos no momento, conforme a fonte. A CBMM não comentou o assunto.
No caso dos laboratórios Aché, a sociedade é composta por três famílias, Baptista, Siaulys e Depieri. Em 2013, eles receberam a maior proposta já feita por um laboratório brasileiro, à época R$ 11 bilhões. Eles cogitavam a venda, mas achavam o valor baixo e faltava consenso entre os sócios. Há quase uma década também chegaram a falar em IPO, mas o assunto desapareceu. “Quase todo o lucro é distribuído como dividendos. Até pode haver em algum momento uma fusão com grupo internacional ou mesmo venda direta de uma das famílias, mas se abrir para o mercado acionário é o menos provável”, diz um executivo próximo às famílias. É o maior laboratório farmacêutico do país, segundo o ranking Interfarma 2018. Procurada, a companhia disse que, “no momento, não tem planos de realizar IPO.”
O acesso a capital privado é o que faz o Nubank, unicórnio brasileiro, a não ser muito fascinado pela ideia de listagem. Há um rumor entre os bancos de IPO em 2020, mas uma oferta nunca foi tema do conselho da companhia. Para o fundador, David Vélez, o IPO até deve ocorrer, já que há vários fundos como acionistas e essa provavelmente será a saída – mas não no curto prazo. Para ele, pessoalmente, não seria essa a escolha. “Hoje há tanto capital privado que é uma razão a menos para fazer IPO. Não vemos vantagem em ser empresa pública, são mais custos, distrações”, avalia Vélez, que fez mais de três rodadas de captação.
Não se trata de uma particularidade brasileira. Uma pesquisa feita pela consultoria PwC sobre o futuro do mercado acionário corrobora com essa mudança – ou pelo menos trata como mais “normal” a opção da não listagem. Feita com 400 companhias globais, 55% avaliam que a listagem pública está se tornando uma fonte menos relevante de funding. Para 36% delas, o custo de ser listado é o principal motive para o declínio de popularidade das captações públicas.
Outro estudo, esse da Bain sobre o mercado de private equity, aponta que a saída via abertura de capital das empresas investidas fica menos óbvia à medida que transações privadas (com investidores estratégicos ou outros fundos) têm pagado múltiplos maiores do que o mercado público.
Apesar disso, 70% das companhias ouvidas pela PwC acreditam que a maioria das empresas de sucesso vai acabar abrindo capital em algum ponto de sua história. A disponibilidade de capital de fundos de private equity, family offices, fundos soberanos significaria, nesses casos, uma listagem mais tarde nesse ciclo de desenvolvimento. “As companhias podem se listar mais tardiamente, quando estão maiores e mais sofisticadas, e por isso escolhendo as bolsas líderes”, diz James Fok, chefe de estratégia da Bolsa de Hong Kong, no estudo.
Na visão da bolsa americana Nasdaq, as empresas podem estar deixando a listagem para mais tarde. “O acesso a capital privado pode adiar a entrada na bolsa, mas não a elimina”, considera Robert McCoeey, chefe global de mercado de capitais da Nasdaq.
Mas, para não perder nenhum filão, a bolsa criou há cinco anos um serviço para empresas de capital fechado. O Nasdaq Private Market é uma plataforma de negociação e serviço para empresas fechadas, que querem ter uma negociação secundária de uma participação na sociedade ou plano de remuneração variável por ações para seus funcionários, criada justamente pela tendência, notada pela bolsa, de companhias se manterem de capital fechado por mais tempo.
Fonte: Valor Online
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