Mutação do vírus: América Latina faz restrições; Brasil é exceção

O Globo 
Jornalista: Ana Rosa Alves

A América do Sul tem enfrentado uma piora no cenário da pandemia de Covid-19 que força boa parte da região a endurecer as restrições de locomoção e fechar suas fronteiras. Países vêm batendo recordes de casos, impondo quarentenas e toques de recolher, buscando conter não só as novas variantes, mas também evitar que o colapso sanitário brasileiro transborde para seus territórios.

Entre 1º de março e 1º de abril, a soma das médias móveis de novos casos diários nos países sul-americanos, excluindo o Brasil, aumentou 77% — em um mês, os diagnósticos diários passaram de pouco mais de 25 mil para 44,3 mil. A média móvel de mortes, por sua vez, passou de 601,1 para quase 730, crescendo cerca de 21%.

No Brasil, o epicentro global da Covid-19, a média dos novos contágios era de 74,2 mil no dia 1º de abril, 33% a mais que no início de março. É o aumento das mortes, contudo, que assusta mais por aqui: elas cresceram 154%, chegando a uma média diária de 3.117. Para fins comparativos, o Brasil tem cerca de 5 milhões de habitantes a menos que a soma da população de seus vizinhos, segundo os dados do Banco Mundial, mas o número de mortes diárias no país é maior do que o triplo do registrado em todo o seu entorno.

O temor é que as novas variantes que se alastram pelo Brasil, em especial a P.1, circulem ainda mais intensamente pela região, preocupação acirrada pela resistência do presidente Jair Bolsonaro a medidas que limitem a circulação de pessoas. Mais contagiosa e possivelmente mais letal, a cepa é tida como uma das principais responsáveis pela explosão nos números.

— Se o Brasil não for sério no combate à pandemia, então continuará a afetar a vizinhança e além — disse o diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em uma coletiva no mês passado.

A P.1, que foi a responsável pelo colapso do sistema de saúde de Manaus no início do ano, já foi encontrada em ao menos 15 países e territórios das Américas, incluindo Bolívia, Venezuela, Chile, Uruguai, Colômbia e Paraguai. Na região, apenas Assunção mantém suas fronteiras abertas para brasileiros, apesar da pressão de especialistas locais para que elas sejam fechadas.

Região se fecha

Na Venezuela, onde a média de casos diários passou de 428, em 1o de março, para 1.083, em 1o abril, acadêmicos de saúde fizeram um apelo nesta segunda por uma campanha de vacinação mais rápida. Se a imunização na América do Sul caminha a passos lentos — exceto no Chile, que já aplicou ao menos uma dose em 37% de seus habitantes —, a situação venezuelana é particularmente preocupante.

O país só inoculou 0,3% da sua população e enfrenta dificuldades para pôr suas mãos em grandes remessas de vacinas, situação agravada por fundos bloqueados por sanções internacionais, por desavenças internas e pela recusa do governo em receber doses da AstraZeneca. No domingo, o presidente Nicolás Maduro estendeu por mais uma semana o confinamento de 14 dias para impedir o avanço da P.1 em seu território.

— A mutante brasileira deveria se chamar “mutante Bolsonaro” — disse Maduro. — Ele é o culpado por abandonar o seu povo e por ser louco, insensível, um psicopata (...). O Brasil é o epicentro mundial das variantes mais perigosas e da expansão do coronavírus. Essa é a verdade.

A Colômbia, por sua vez, anunciou que irá estender os toques de recolher noturnos em diversos pontos do país, após os diagnósticos diários crescerem 2,2 vezes em um mês e as unidades de terapia intensiva chegarem perto de sua ocupação máxima.

Cidades onde mais 80% dos leitos de UTI estão ocupados terão toques de recolher das 20h às 5h. Naquelas em que a ocupação varia de 70% a 79%, as restrições começam a valer às 22h e, onde está acima de 50%, entram em vigor à meia-noite. Em Bogotá, a taxa atual de ocupação das UTIs é de 65,5%.

A Argentina aumentou os controles em suas fronteiras, retornou seus servidores públicos ao trabalho remoto e orientou que as empresas privadas fizessem o mesmo. O governo avalia nesta segunda toques de recolher e limitações ao transporte e à vida noturna na província de Buenos Aires, segundo o jornal La Nación, devido à disseminação da cepa amazônica.

Os novos casos no país passaram de pouco mais de 8 mil no último dia 26 para mais de 12,1 mil no dia 1º de abril. Entre os infectados está o presidente Alberto Fernández, que apresenta um quadro leve da doença pouco mais de dois meses após tomar as duas doses da vacina Sputnik. A vacina nem sempre impede a contaminação pelo coronavírus, mas sim o agravamento dos sintomas.

Eleições em xeque

Já o Equador declarou na última sexta estado de exceção em oito das 24 províncias do país por 30 dias. A medida, que afeta cerca de 70% dos 17,4 milhões de habitantes do país, inclui um toque de recolher que limita a mobilidade das 20h às 5h.

O Chile, que viu a média de casos quase duplicar em um mês apesar da vacinação acelerada, pôs 16 milhões dos seus 18,7 milhões sob quarentena no último dia 27 e fechou todas suas fronteiras a partir desta segunda. O governo de Sebastián Piñera apresentou ainda um projeto para adiar para maio as eleições legislativas, regionais e para a Constituinte marcadas para 10 e 11 abril, diante do temor que o pleito catalise a transmissão do vírus, em especial das variantes britânica e amazonense.

Segundo dados do fim de março do governo peruano, 40% dos casos em Lima foram causados pela variante P.1. No dia 1º, o país registrava uma média móvel de 8,7 mil novos casos de Covid-19 — 2,1 mil a mais que em 1º de março. A menos de uma semana das eleições presidenciais no país, que ocorrem no domingo, o ex-jogador de futebol George Forsyth tornou-se o terceiro presidenciável a ser diagnosticado com Covid-19.

O Paraguai, em paralelo, esteve sob quarentena durante toda a Semana Santa, diante da falta de leitos em hospitais públicos e privados. Já o Uruguai fechou suas repartições públicas e suspendeu as aulas presenciais até 12 de abril, entre outras medidas, para "reduzir a mobilidade" e conter os novos diagnósticos, que aumentaram três vezes entre março e abril.

A Bolívia anunciou, na sexta, a proibição da entrada de brasileiros no país por ao menos uma semana, em uma tentativa de evitar a disseminação da P.1. Tal qual Montevidéu, La Paz também tomou medidas para acelerar a campanha de vacinação em cidades fronteiriças ao Brasil.

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

DikaJob de

Para adicionar comentários, você deve ser membro de DikaJob.

Join DikaJob

Faça seu post no DikaJob