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imagem: Max Guther

 

 

Advogados da empresa negociaram acordos secretos e usaram táticas conhecidas como 'terra arrasada' para pressionar famílias cujos bebês adoeceram depois de consumir sua fórmula infantil em pó

 

THE NEW YORK TIMES - No início de uma manhã de sábado de 2013, Mark Bennett, juiz federal, entrou em seu gabinete no fórum de Sioux City, em Iowa. Ele tinha passado um tempo fora da cidade para participar de palestras e queria pôr o trabalho em dia. Porém, uma surpresa estava à espera dele quando entrou no local: caixas de papelão empilhadas por toda parte. A primeira coisa que pensou foi que outro juiz poderia estar se mudando para o fórum.

Mas isso não era verdade. O juiz Bennett estava presidindo um caso em que a je, a empresa de saúde que dominava o mercado de fórmulas infantis, estava sendo processada em nome de uma garota, Jeanine Kunkel, que cinco anos antes havia sofrido graves danos cerebrais depois de consumir a fórmula infantil em pó da empresa. Jeanine não conseguia falar, sentar-se ou mesmo engolir, e a tragédia quase destruiu sua família.

As caixas entulhando o gabinete do juiz Bennett estavam preenchidas em grande parte com provas que os advogados da Abbott queriam apresentar no próximo julgamento.

Depois de mais de duas décadas no cargo, o juiz Bennett tinha um ótimo palpite a respeito do que estava acontecendo. As acusações no processo representavam uma ameaça para a Abbott, que construiu sua reputação em cima da imagem de ser uma aliada da família e dedicada à saúde e à segurança. O juiz Bennett percebeu que, para proteger um cliente importante, os advogados representando a empresa, do escritório Jones Day, estavam tentando sobrecarregar seus oponentes com dezenas de milhares de páginas de papelada. Mesmo que os materiais estivessem apenas superficialmente relacionados a esse caso em particular, os advogados dos demandantes precisariam passar inúmeras horas analisando os documentos para ver o que estava neles.

Alguns dias depois, durante uma reunião em seu gabinete, o juiz repreendeu os advogados da Abbott. Segundo o magistrado, a conduta deles era "a pior multiplicada por dez" que já tinha visto em seus 20 anos como juiz.

Bennett, que se aposentou em 2019 e agora leciona na Faculdade de Direito da Universidade Drake, talvez não tenha aprovado o comportamento, mas os advogados eram convincentes. Nos meses seguintes, a Abbott triunfou no tribunal, o envenenamento de um bebê recém-nascido passou praticamente despercebido e a empresa continuou a fabricar e a vender sua fórmula infantil em pó, assim como fazia antes.

Ninguém estava preparado para o que aconteceria quase uma década depois. No início de 2022, depois que vários bebês adoeceram e os reguladores encontraram condições sanitárias precárias em uma fábrica da Abbott em Sturgis, no Michigan, a empresa voluntariamente fez um recall de sua fórmula infantil em pó e fechou a fábrica. (Nenhuma prova surgiu de que os problemas na fábrica de Sturgis tenham causado doenças e mortes infantis.)

O fechamento provocou uma grave escassez da fórmula com a qual a maioria dos bebês americanos é alimentada. Pais desesperados tiveram dificuldades para alimentar os filhos. Legisladores irritados convocaram audiências. Agências governamentais abriram investigações. O governo Biden organizou uma ponte aérea para importar o produto de fábricas no exterior.

A crise chamou a atenção para as falhas na segurança alimentar e na supervisão da indústria. A fiscalização minuciosa era novidade, mas o fenômeno, não. Ao longo dos anos, foram raras as vezes em que recém-nascidos adoeceram ou morreram após serem alimentados com fórmula infantil em pó.

No entanto, até bem pouco tempo atrás, o motivo disso ficava em grande parte fora do radar público e político. A maior razão disso era que a Abbott e seus advogados, às vezes lançando mão de táticas legais de terra arrasada, barraram inúmeras vezes as tentativas de responsabilizar a empresa.

 

Batalhão de advogados

Vários advogados que trabalharam em casos de fórmula infantil disseram desconhecer qualquer caso em que um demandante venceu a Abbott ou seus concorrentes na justiça. "Esses são casos muito difíceis", disse William Marler, advogado de Seattle que processou empresas por espalhar doenças transmitidas por alimentos.

Muito disso, é claro, se resume a ter acesso a um bom advogado. O Jones Day - escritório de advocacia de 129 anos com raízes em Cleveland e coem uma poderosa atividade política em Washington - é um Golias dos litígios corporativos, tendo representado empresas como RJ Reynolds, Purdue Pharma, General Motors e Smith & Wesson.

 

Escândalos corporativos

Muitas vezes o Jones Day enfrenta outros escritórios de advocacia gigantes que também estão representando empresas enormes. Quando os dois lados Besson enchem os oponentes com papelada, solicitações de procedimentos antes do julgamento, mudanças de local e objeções, geralmente o embate se assemelha a uma luta justa. Mas, como demonstram os casos da Abbott, quando os recursos e táticas dos maiores escritórios de advocacia dos Estados Unidos são usados contra famílias pobres e seus advogados sobrecarregados, os resultados tendem a ser unilaterais.

Os advogados do Jones Day me disseram que o escritório não fez nada fora do comum ou impróprio enquanto defendia a empresa de famílias como a de Jeanine. Kevyn Orr, sócio responsável pelos escritórios da Jones Day nos EUA, disse que o único objetivo da firma "era provar a verdade, que a fórmula infantil da Abbott não estava contaminada quando foi aberta".

Daniel Reidy, que era sócio do Jones Day e representava a Abbott antes de se aposentar, contestou elementos da crítica do juiz Bennett, observando, por exemplo, que as caixas em seu escritório também tinham provas do demandante. Reidy disse que o juiz era "profunda e irrevogavelmente preconceituoso com os 'escritórios grandes'".

 

Abafando o caso

Há pouca dúvida, porém, de que a sequência de vitórias da Abbott foi uma das forças que impediram a conexão entre o adoecimento de crianças e a fórmula infantil em pó de se tornar um escândalo antes. "Se tivesse sido dada uma grande sentença, isso teria conquistado a atenção de todo o país", disse o juiz Bennett. Como isso não aconteceu, "qual foi a atenção dada pelo público? Quase nenhuma".

Tomei conheciento do trabalho do Jones Day para a Abbott enquanto realizava pesquisas para meu próximo livro, Servants of the Damned: Giant Law Firms, Donald Trump, and the Corruption of Justice (Servos dos malditos: escritórios de advocacia gigantes, Donald Trump e a corrupção da justiça, em tradução livre). (Esta reportagem é em grande parte baseada na apuração para o livro.)

Em janeiro, pedi a um porta-voz da Abbott, Scott Stoffel, para se posicionar a respeito do tema. "Bebês e crianças saudáveis são nosso principal objetivo e garantir a qualidade e a segurança de nossos produtos é uma prioridade", ele respondeu por e-mail em 25 de janeiro. "Nossos produtos passam por controles de qualidade rigorosos", continuou, "para garantir que atendam tanto às necessidades nutricionais como de segurança para bebês e crianças". Em um e-mail posterior, Stoffel observou que a empresa era "muito solidária às famílias nessas situações", mas que os júris concluíram que a Abbott não era culpada.

Quase três semanas depois, a Abbott concordou em fazer o recall de sua fórmula infantil em pó.

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