Como são investigados os efeitos adversos de vacinas

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Folha de S.Paulo by Phillippe Watanabe

 

26/01/22 - Desde o início da vacinação contra a Covid-19, dúvidas, questionamentos, mentiras e erros falaram de efeitos adversos graves. Mas fique tranquilo: as vacinas foram testadas, são seguras e eficientes em evitar quadros mais graves e mortes pela doença.

Há, claro, eventos adversos bem documentados sobre vacinas para as mais diversas doenças. No caso dos imunizantes contra a Covid, são comuns dores no local da aplicação, de cabeça, calafrios e sensação febril. Em geral, são efeitos leves.

Mas também há eventos adversos tidos como graves. Nesse grupo estão situações que exigem hospitalização de pelo menos 24 horas ou prolongamento de hospitalização já existente, disfunção significativa e/ou incapacidade persistente, anomalia congênita, risco de morte ou o próprio óbito.

E, para saber dos eventos, agir e tentar evitar problemas mais sérios, há um manual internacional, documentos nacionais —como o Manual de Vigilância Epidemiológica de Eventos Adversos Pós-Vacinação— e sistema de farmacovigilância vacinal em níveis nacional e estadual.

A primeira coisa a ser levada em conta na classificação de um evento adverso é a temporalidade: relação de tempo entre o evento ocorrido (uma dor no local onde a injeção foi aplicada, por exemplo) e a vacina.

E, como aponta a OMS (Organização Mundial da Saúde), um evento adverso pós-vacinação tem a questão “tempo” embutida, mas não necessariamente relação causal. Ou seja, por mais que um evento tenha ocorrido após a vacinação, isso não significa que a vacina causou o problema, que pode ter origem em um evento fortuito ou em doenças previamente existentes.

Uma pessoa toma uma vacina e é atropelada em seguida, exemplifica Renato Kfouri, pediatra, infectologista e diretor da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações). Isso é um “evento” ocorrido após a vacinação, mas não necessariamente culpa da vacina.

Praticamente toda a população do país está sendo imunizada e, assim, é comum que a vacinação acabe na janela de tempo de outros eventos. Derrame, infarte, um acidente de trânsito, tudo isso pode acontecer e entrar em um espaço temporal perto da vacinação.

“A Covid colocou a gente em uma situação muito complicada. Estamos vacinando muita gente ao mesmo tempo. Tudo o que acontece na vida das pessoas está associado temporalmente às vacinas”, diz Eder Gatti, infectologista da divisão de imunização do Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo. “Essas coincidências acabam ficando mais frequentes na vacinação em massa.”

O próprio momento de uso de novos imunizantes pode sensibilizar mais os mecanismos de notificação de eventos, que prestam mais atenção a qualquer acontecimento.

Exemplo recente se deu em Lençóis Paulista, no interior paulista, onde uma criança de dez anos teve uma arritmia. O problema médico aconteceu cerca de 12 horas após a aplicação do imunizante da Pfizer.

Essa diferença temporal já era bom indicativo de que a vacina não tinha relação com o assunto, afirma Gatti, responsável pela investigação do caso.

O caso ajuda exemplificar o outro ponto essencial na investigação de eventos adversos: a causalidade. Uma das perguntas ante um caso de evento adverso pós-vacinação é “A vacina dada a esse indivíduo causou o evento reportado?”.

A partir daí, olha-se a literatura médica em relação à vacina, exames laboratoriais, plausibilidade biológica e consideração de outros fatores que possam explicar a situação.

“A Pfizer dá miocardite em raros casos”, diz Gatti. Nesses raríssimos casos, ocorre, de forma bem resumida, uma reação imunológica que leva a uma infiltração inflamatória no coração. O processo, demora dias para se desenvolver.

Um eletrocardiograma e as informações que o município deu já indicavam que não havia relação com a vacina. De toda forma, foi consultado um cardiologista, e o caso foi apresentado e discutido com representantes municipais e médicos especialistas.

A conclusão foi que não havia relação entre a vacina e o evento ocorrido com a criança. O causador da arritmia foi a síndrome de Wolff-Parkinson-White,

que até então não havia sido diagnosticada.

O processo todo, nesse caso, foi acelerado, até pela dimensão que ganhou. Normalmente, no procedimento padrão de farmacovigilância, o caso seria notificado, investigado pelo município que passaria as informações para o estado concluir a investigação. Com a Covid, há ainda um comitê de especialistas que se reúne, em encontros gravados, para analisar casos mais complexos.

A celeridade e efetividade da investigação são destacados pela OMS, para quem falhas nesse processo podem minar a confiança da população e levar a “consequências dramáticas para a cobertura vacinal e incidência de doenças”.

Mas nem sempre os eventos adversos contam com celeridade, disponibilidade de informações e acompanhamento. “Infelizmente o Brasil não é São Paulo. Às vezes, não é o que acontece. Fica lá, não investigam, não tem recursos, não tem especialistas”, diz Kfouri. “Fica atribuído à vacina, com só a relação temporal. A vacina leva a culpa, e as pessoas ficam com receio.”

Gatti, na mesma linha, destaca que, por mais que alguns casos consigam ser acelerados no processo de vigilância, nem todos são assim. “Muitas vezes os municípios não dão conta de fazer a notificação a tempo.”

Kfouri lembra que eventos adversos há com todos os medicamentos existentes. “E você usa porque o benefício é muito maior”, afirma ele.

Por fim, a classificação final de um caso de evento adverso não é simplesmente sim/não para a vacina. Há uma escala a ser considerada.

Segundo Gatti, é importante que a população, ao se deparar com algum evento mais inusitado, procure o sistema de saúde, que dará assistência e iniciará uma investigação.

Agora, da próxima vez que alguém te falar de evento adverso pós-vacinação, você já sabe que isso não significa, necessariamente, que as vacinas têm algo a ver com isso.

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