por Beth Koike
Valor Econômico
16/09/19 - Nos últimos anos, com o aumento desenfreado na conta do plano de saúde, as empresas que concedem o benefício aos seus funcionários trocaram de operadora, reduziram a rede credenciada ou aumentaram a coparticipação para controlar essa despesa. No entanto, são medidas paliativas porque a conta do convênio médico volta a subir. Neste ano, a estimativa é que o plano de saúde empresarial tenha um reajuste médio de 17%. Diante desse cenário, empresas como Ambev - Fundação Zerrenner, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, GE, McDonald’s, Pirelli e Santander passaram a gerenciar diretamente a saúde dos seus funcionários e respectivos dependentes. Todas conseguiram reduzir significativamente o gasto com o convênio médico e, em alguns casos, hoje pagam menos do que desembolsavam há cinco anos.
É o caso da Ambev-Fundação Zerrenner que, em 2014, gastava R$ 350 milhões com o convênio médico dos funcionários da cervejaria e hoje tem uma despesa de R$ 260 milhões. Neste valor, está a conta do convênio e também de outras ações adotadas para melhorar a saúde dos empregados. “Se continuássemos na curva de crescimento de gastos que tinhamos em 2014, nós seríamos obrigados a vender patrimônio em 2022 para arcar com o plano de saúde”, disse Edson Carlos De Marchi, diretor executivo da Fundação Zerrenner, acionista da Ambev. A fundação é quem paga o convênio médico da cervejaria, que possui uma carteira com 75 mil usuários entre funcionários, dependentes e aposentados.
As companhias que conseguiram ir na contramão do mercado têm em comum algumas práticas. Por exemplo: investem em atenção primária, têm ambulatórios próprios, fazem gestão de dados da saúde dos funcionários, criaram convênios médicos com uma rede credenciada modelada conforme as necessidades de seus empregados, investem em programas de saúde e, não raras às vezes, arcam com procedimentos médicos de alto custo que não estão cobertos pelos planos de saúde.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é uma das principais apoiadoras das companhias que assumiram a gestão do plano de saúde. “As empresas são as pagadoras e, portanto, faz sentido elas gerenciarem o plano de saúde que é o segundo maior custo do RH, atrás apenas da folha de pagamento. Já há um grupo de empresas fazendo esse trabalho. No ano passado, 1,5% dos contratos de planos empresariais tiveram reajuste negativo”, disse Leandro Fonseca, presidente da ANS.
Segundo Ricardo Ramos, presidente da Aliança para Saúde Populacional (Asap), entidade especializada em gestão de saúde na área corporativa.uma das ações importantes a ser adotada na gestão é fazer uma análise de dados do perfil da saúde dos empregados e dependentes para que se detecte onde estão os problemas.
O uso de inteligência de dados foi adotado pelo McDonald’s que gastava cerca de R$ 11 milhões com partos e UTI Neonatal, por ano. A rede de lanchonetes tem 40 mil usuários de planos de saúde, sendo uma parcela importante de jovens. Cada parto custava em média R$ 90 mil. “Fizemos uma análise de dados e detectamos que os maiores gastos ocorriam nas gestantes que faziam menos de quatro consultas de pré-Natal. Criamos uma ação com as grávidas que passaram, por exemplo, a ter isenção da co-participação nas consultas. O custo com internações de grávidas caiu para R$ 3 milhões”, disse Murilo Wadt, cofundador da HealthBit, startup de gestão de saúde que presta serviços ao McDonald’s.
Germanuela Abreu, diretora de remuneração e benefícios do Santander, observa que os dados de saúde dos funcionários precisam ser tratados com sigilo e evitar quaisquer riscos de represálias. “São informações confidenciais, não podem ser compartilhadas para a área de recursos humanos. Quem trata disso é a equipe médica ligada ao banco. Eu não preciso e nem devo saber que determinada funcionária está fazendo tratamento para engravidar”, disse a diretora do Santander. O banco tem 45 mil funcionários e mais 75 mil dependentes na carteira de planos de saúde.
Segundo fontes, o Santander viu sua conta do plano de saúde bater em R$ 500 milhões em 2016. A partir daí o banco adotou uma série de medidas como programas de alimentação saudável, incentivo a práticas esportivas, vacinação gratuita e implementação de uma unidade do Hospital Sírio-Libanês dentro sua sede, em São Paulo, para atendimento de casos mais simples. Todas essas ações representam um custo marginal perto da economia que obtivemos com o plano de saúde”, disse Germanuela, diretora do banco, informando que um dos projetos agora é abrir mais unidades de atenção básica para atender funcionários de outras regiões.
A fabricante de pneus Pirelli também implementou uma série de ações para manter a saúde de seus funcionários e evitar que eles fiquem doentes, cujo custo é muito superior. Um deles é o programa de medicamentos para pacientes com doenças crônicas que dá desconto e 90% nos medicamentos genéricos e 50% nos remédios de marca. A taxa de sinistralidade do plano de saúde da empresa, atualmente, é a mesma de cinco anos atrás. Neste ano, o preço do plano de saúde que atende os empregados da fábrica caiu 8% em relação a 2018. Ainda assim, a Pirelli passará nos próximos meses a arcar com 100% dos medicamentos. “Estudos mostram que os hábitos representam 50% para manutenção da saúde, 20% vêm da genética, 10% das condições de acesso à assistência à saude e 20% do ambiente que vivem. Portanto, é relevante atuar nos 70% que vêm dos hábitos e ambiente”, explicou Paulo Marcos Senra Souza, médico especializado em gestão da saúde.
Mas, a jornada da Pirelli até chegar a uma deflação não foi simples. “Nos últimos anos, trocamos de operadora algumas vezes. Essa estratégia foi mal sucedida, causou grande insatisfação entre os funcionários. A coparticipação teve efeito rebote porque o funcionário não usava o convênio para não pagar parte da consulta e ficava doente”, contou Giusepe Giorgi, diretor de recursos humanos da Pirelli.
A experiência das empresas, hoje consideradas case em gestão da saúde, mostra que as ações não têm resultados de curto prazo e demandam um acompanhamento constante. O Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, já adotava desde 2009 práticas consideradas pioneiras. Entre 2011 e 2014, o plano de saúde do hospital chegou a não ter nenhum reajuste. No entanto, em 2018, o custo do plano de saúde subiu 12,5%. “Detectamos que o custo vinha de internações. Fizemos várias mudanças em nosso modelo. As cirurgias passaram a ser feitas no próprio Alemão Oswaldo Cruz”, disse Leonardo Piovesan Mendonça, gerente de saúde ocupacional do hospital. Além disso, foi criado um novo plano de saúde com uma rede credenciada específica desenhada pela SulAmérica e Qualicorp.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem desde o ano passado um grupo de trabalho formado por 68 fabricantes que tratam especificamente do tema plano de saúde. Segundo Emmanuel Lacerda, gerente executivo de saúde e segurança do trabalho do Sesi, braço da CNI, um dos avanços deste grupo foi obrigar a ANS a realizar estudos mostrando a efetividade de medicamentos e sua viabilidade econômica na inclusão de novos procedimentos médicos obrigatórios.
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