Consumo é aposta na bolsa em 2020

Valor Econômico

Jornalista: Juliana Machado

20/11/19 - O crescimento brasileiro não veio como o esperado neste ano, mas a confiança na retomada da economia em 2020 mantém a todo vapor as apostas dos gestores em ações de setores diretamente ligados à atividade, como consumo, varejo, serviços e bancos. Dependentes dos ciclos econômicos, as companhias desses segmentos até entregaram alguma rentabilidade na bolsa até aqui - embutindo as expectativas de expansão do país -, mas ainda não destravaram todo o seu potencial.

De acordo com a última pesquisa Focus, do Banco Central (BC), a mediana das projeções do mercado para o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 subiu para 2,17%, segundo aumento consecutivo da projeção depois de sete semanas estacionada em 2%. A mais recente injeção de ânimo no mercado veio do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que mostrou avanço da atividade acima das expectativas no terceiro trimestre, de 0,91% na comparação com o trimestre anterior, no ajuste sazonal.

Um primeiro grupo que deve entregar mais rentabilidade à frente é o chamado consumo discricionário, ou seja, itens secundários na lista das pessoas, como viagens, roupas, bens duráveis e restaurantes - exemplos de empresas nesse caso são Lojas Renner e Localiza. No ano, ambas sobem mais do que o próprio Ibovespa (32,6% e 38,8%, respectivamente); o balanço do terceiro trimestre das duas, porém, mostrou lucros abaixo do esperado.

Para gestores, essas ações só dependem do ganho de tração da economia para passar a precificar um ambiente de lucros mais robustos. “O consumo discricionário é mais responsivo ao PIB. Todo o consumo cresce, mas as pessoas não compram mais sabonetes porque têm mais dinheiro”, diz Gilberto Nagai, responsável por renda variável da BNP Paribas Asset Management.

Entre as empresas que crescem independentemente do PIB, mas que tendem a se beneficiar mais com o ganho de tração da atividade, Nagai cita saúde e educação como apostas desejáveis. Além desses, empresas com razoável estabilidade de receitas, ligadas a tarifas públicas ou com fluxo de caixa constante, caso dos setores de shopping e energia, também estão na lista das preferências.

“Shoppings e elétricas se assemelham à NTN-B [título atrelado à inflação], então é uma alternativa para quem quer ser defensivo, mas tomar mais risco”, diz. “Companhias com TIR [taxa interna de retorno] acima de 6% são um bom negócio. É melhor do que comprar títulos de dívida ou mesmo NTN-B. Com uma economia melhor, elas ainda capturam ganhos na linha de receitas.”

Companhias consideradas de melhor qualidade, ou seja, que fizeram um exercício de redução de custos mais fortes nos últimos anos, também estão na lista do especialista da BNP - e as empresas de vestuário e de aluguel de carros são exemplos, no geral. Isso porque, com o juro alto no passado, o controle de custos de capital não permitiu que o retorno potencial das ações subisse na mesma proporção. “Privilegiamos o investimento em empresas com disciplina de caixa porque isso gera muito valor no tempo.”

Outro setor beneficiado pelo cenário de expansão da atividade é o de bancos, na visão de Carlos Sequeira, chefe de pesquisa de ações para América Latina do BTG Pactual. “A recuperação da economia vai passar pelo crédito e, portanto, pelos grandes bancos. É difícil imaginar a economia acelerando e os bancos ficando para trás”, afirma.

Um mínimo de estabilização da cena externa, prossegue Sequeira, deve garantir a volta do fluxo estrangeiro para a bolsa, o que tende a privilegiar papéis líquidos, de empresas consolidadas e grandes, como Itaú. Ele reconhece a controversa questão da concorrência no setor em termos de custo de serviços, com a expansão das fintechs, e também os efeitos da volatilidade, com os saques do investidor estrangeiro quando a aversão ao risco cresce no ambiente externo. Mas diz que, dado seu tamanho e capacidade de execução, o setor financeiro não pode ficar de fora de uma carteira equilibrada.

“Muita gente está com medo de que os bancos sofram ataque das fintechs e de que a rentabilidade despenque. Não acreditamos que será tão rápido assim”, concorda Nagai, do BNP. “Gostamos muito de olhar o retorno sobre o capital investido: mesmo que seja um pouco abaixo de 20%, com um custo de capital de 11%, parece um excelente investimento.”

Sequeira, do BTG Pactual, também tem recomendação para Lojas Renner, Rumo, CCR e CPFL. Nas estimativas do banco, o lucro líquido das companhias brasileiras vai avançar 18% no ano que vem, o que ampara as perspectivas de valorização adicional das ações locais.

Para o chefe da Western Asset no Brasil, Marc Forster, o crescimento deve destravar o potencial de alta das ações, cujo avanço refletiu, até aqui, muito mais a baixa do juro no país. Com a taxa básica em níveis continuamente reduzidos e o entusiasmo da economia, a continuidade do fluxo de investidores institucionais e pessoas físicas para a bolsa deve ser capturada por ações líquidas ou que têm uma história importante de expansão de resultados por trás. “Gostamos de Ambev, Cyrela, B3 e Raia Drogasil, além dos bancos e da Petrobras ”, diz.

É verdade que 2020 ainda reserva grande oportunidade na bolsa, com avanço de lucro das empresas brasileiras estimado em 25% a 30%, mas a alocação setorial deve ser filtrada caso a caso, e não só com base em “teses macroeconômicas”, como a do crescimento, afirma Fernando Fontoura, sócio da Persevera Investimentos. Isso é importante, diz ele, especialmente em um mercado que já teve relevante valorização até aqui. “Temos muita tranquilidade em investir em ações, mas preferimos buscar empresas de grande solidez operacional, com boa gestão financeira e potencial [de alta] embutido e ainda não precificado.”

Entre as opções de investimentos da Persevera dentro do Ibovespa está a Qualicorp, papel que já se valorizou 216% no acumulado de 2019, de longe o maior ganho dentro do índice. Fontoura explica que a tese de investimentos nesse papel é resultado da forte geração de caixa da companhia e das margens robustas, mesmo no intervalo de crise da economia brasileira. Agora, com a recuperação da atividade no horizonte, a empresa se torna ainda mais atraente. Além disso, o fato de operar dentro do setor de saúde deve beneficiar a companhia, já que esse segmento vai contar com aumento da demanda, fruto do envelhecimento populacional.

As estatais da bolsa de valores também são outro grupo cuja atratividade aumentou, com potencial de entregar mais rentabilidade, fruto da agenda de venda de ativos, concessões e privatizações do governo. Como papéis altamente expostos à cena política, esse grupo será beneficiado diretamente pela diminuição da participação do Estado na economia ou vai, no mínimo, capturar o otimismo do mercado com essa agenda. A visão é de Luiz Azevedo, chefe de pesquisa em ações da Safra Corretora.

Segundo Azevedo, com o governo estimulando fortemente o investimento privado, o ano de 2020 deve reservar mais ganhos para companhias como Banco do Brasil, que já é eficiente no setor, e Eletrobras, que terá seu controle provavelmente pulverizado nos planos da União de privatizá-la. “É um investimento mais arriscado, mas que faz sentido para nós num horizonte um pouco maior”, diz.

No caso da Petrobras, Azevedo afirma que a empresa também é uma boa opção aos investidores, considerando o processo de desalavancagem via aumento de produção e vendas de ativos. A exposição à “agenda positiva” do governo também vale no caso da estatal. “O megaleilão do pré-sal foi um evento importante e o último ponto de eventual pressão no papel. A empresa já vem nos últimos anos buscando e executando a eficiência operacional. Recomendamos esse papel para 2020 de olho nesses fundamentos”, afirma.

Os especialistas consultados ponderam que as exportadoras e outras empresas ligadas ao cenário internacional, como celulose, servem de proteção (“hedge”) nas carteiras, mas devem compor uma parte menor dos portfólios, sobretudo com o conturbado ambiente internacional.

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