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Valor Econômico

Jornalista: Arícia Martins

 

05/03/2020 - A retomada da economia tem sido tão lenta devido ao ambiente adverso para o investimento, quadro que deve persistir neste ano, na avaliação de Marcelle Chauvet, professora do Departamento de Economia da Universidade da Califórnia, em Riverside, e integrante do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getulio Vargas (FGV). “O crescimento [no curto prazo] depende da demanda, e há uma insuficiência. O consumo está maior, mas os investimentos do setor privado têm crescido muito pouco”, disse Marcelle em entrevista ao Valor.

 

Divulgado ontem pelo IBGE, o PIB cresceu 1,1% em 2019. A professora destaca que, no pós-crise, a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas, construção civil e inovação) subiu 5%, muito pouco para fazer frente ao tombo de 30% acumulado na recessão. O investimento não veio porque há incerteza em várias frentes, avalia.

 

Para Marcelle, esse componente continuará como entrave a um crescimento maior neste ano, que deve ficar na casa de 1,8% a 2,1%, considerando os impactos do coronavírus. O consumo deve sustentar o PIB, mas a reação fraca do emprego e da renda limitaria expansão mais expressiva. Mesmo assim, ainda é cedo, em sua visão, para que o Banco Central brasileiro siga os passos do Fed [Federal Reserve, o banco central americano] e dê mais estímulos monetários. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

 

Valor: O PIB veio em linha com a expectativa do mercado, de alta de 0,5% no quarto trimestre, um pouco abaixo do ritmo de 0,6% do trimestre anterior. O que o resultado mostra sobre o ritmo de retomada?

Marcelle Chauvet: Tivemos uma recessão muito forte de 2014 a 2016 e a economia está retomando bem lentamente. Há uma volatilidade normal do processo de recuperação. Não é um setor que vai sustentar o crescimento: cada hora um deles cresce, e não igualmente o tempo todo. Na retomada após uma recessão, o crescimento depende da demanda, e há uma insuficiência nessa parte. O consumo das famílias está maior, mas os investimentos do setor privado têm crescido muito pouco. Houve reação no segundo e terceiro trimestres, mas muito aquém do que deveria ter sido. Houve queda de 30% do investimento e a recuperação foi de 5%. As condições conjunturais não propiciam crescimento.

 

Valor: O que explica o terceiro ano de crescimento um pouco superior a 1%, mesmo depois de a economia ter afundado 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016?

Marcelle: A economia global não tem crescido muito e deve continuar na casa de 3% em 2020, o que não é favorável à indústria. Do lado interno, o consumo tem sido a alavanca. O que levantaria bem a economia é a recuperação do investimento, que não ocorreu. Há incertezas jurídica, política e tributária. As empresas não vão tomar investimentos sem saber qual será o retorno. A reforma tributária pode passar, mas vai ser implementada? Isso adia decisões de investir. E há também a quebra do governo, que eu diria que é o principal fator. Os gastos do governo foram por muitas décadas a alavanca do crescimento, oferecendo empréstimos subsidiados ao setor privado e fazendo grandes obras, empregando muito. É um componente grande do PIB que vai demorar muito para se recuperar. Não vai ter estímulo do governo. Não tem de onde vir o crescimento, só do consumo. Isso explica por que não houve maior alavancagem do PIB.

 

Valor: Em que medida essa composição do PIB, mais puxada pelo consumo do que pelo investimento, é preocupante?

Marcelle: O investimento não crescendo é mais ou menos esperado. Ninguém vai querer alocar capital sem confiança de que as regras não serão mudadas. E há muita incerteza, tanto interna quanto externamente. No cenário internacional, ano passado tivemos tensões comerciais e a recessão na Argentina, que diminuiu bastante as exportações do Brasil. Agora, há muita incerteza vindo dos EUA, devido às eleições e todas as tensões relacionadas ao [presidente Donald] Trump. Tudo que ele fala causa incerteza e isso deve continuar, ainda mais com o coronavírus.

 

Valor: Os impactos do coronavírus sobre a economia mundial serão temporários?

Marcelle: Até agora o coronavírus não afeta e mata mais pessoas do que uma gripe normal, em termos mundiais e de porcentagem. O crescimento do contágio na China está desacelerando depois de ter chegado a um pico e isso deve acontecer nos outros países atingidos. Essa é a parte temporária. Mas a potencialidade de uma pandemia causa incerteza muito grande, e as medidas preventivas estão causando problemas na economia, como a quarentena na China. O vírus também afeta as expectativas de empresários e consumidores. Nos EUA, a economia já está crescendo há muitos anos e o ciclo de alta atingiu o limite de prazo histórico de uma recessão. Se vários choques negativos afetarem a economia americana e levarem a uma recessão, pode ter contágio para outros países.

 

Valor: Devido aos riscos de menor crescimento global, a resposta de grandes bancos centrais, como o Fed, foi dar mais estímulo monetário. Isso será suficiente para fazer frente aos impactos do covid-19?

Marcelle: Num primeiro momento, o coronavírus afetou as expectativas negativamente, porque, se o Fed está assustado, o mercado deveria se assustar também. Num segundo momento, os estímulos devem aumentar consumo e investimento e afetar as expectativas de forma positiva.

 

Valor: O BC brasileiro deveria seguir esse movimento?

Marcelle: Agora não é o momento propício para baixar os juros, embora a inflação esteja muito baixa. Se daqui um mês os impactos do coronavírus e o que estiver acontecendo em outros países ficarem mais negativo, aí o BC poderia pensar em fazer isso. O instrumento da política monetária só deve ser usado em momento de necessidade maior. Se baixar os juros agora, o BC poderá perder munição e, mais para frente, não vai poder diminuir tanto.

 

Valor: Os juros estão baixos, o crédito está em alta e o mercado de trabalho está em recuperação, ainda que gradual. Em que medida isso vai impulsionar o consumo e o investimento em 2020?

Marcelle: O consumo das famílias deve continuar bom, mas os consumidores estão endividados. É necessário um aumento maior do emprego e da renda. Mas o investimento precisa entrar.

 

Valor: O que o os modelos da sra. apontam para o desempenho do PIB neste ano?

Marcelle: A princípio, sem o coronavírus, a projeção ficaria entre 2,1% e 2,3%. Se o coronavírus afetar o crescimento da economia chinesa, dos EUA e da zona do euro, o crescimento brasileiro ficaria entre 1,8% e 2,1%. Mas essa projeção pode mudar bastante nos próximos meses, a depender se houver uma nova sequência de choques negativos e aumento da incerteza, internacional e nacional, ou se houver uma reversão do quadro. O maior entrave ao crescimento no Brasil vai continuar sendo o cenário adverso para a retomada do investimento.

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