Candice Seroma e Gaelle Krikorian: Contra o sigilo dos custos de medicamentos
Os preços cobrados por corporações farmacêuticas variam enormemente de acordo com o comprador, e os valores exatos geralmente permanecem ocultos
Por O Dia
Rio - Consumidores não têm dificuldade em comparar preços de bens como carros, roupas ou comida, facilitando uma decisão consciente na hora de realizar uma compra. Mas o mesmo não vale para medicamentos. Os preços cobrados por corporações farmacêuticas variam enormemente de acordo com o comprador, e os valores exatos geralmente permanecem ocultos.
A falta de transparência dá uma imensa vantagem à indústria farmacêutica nas negociações, mantendo os preços no nível mais elevado possível, enquanto os grandes perdedores são sistemas públicos de saúde sobrecarregados e pessoas necessitadas.
Contrariando o senso comum, não há relação direta entre os custos de pesquisa e desenvolvimento e de fabricação e o valor cobrado pelas empresas farmacêuticas por seus produtos. Os preços são os mais altos que o mercado suportar, com o sigilo nos valores e nas negociações usados como armas para que as empresas mantenham os compradores em desvantagem e elevem preços.
Médicos Sem Fronteiras (MSF) é testemunha do impacto mortal que preços exorbitantes de remédios tem sobre as pessoas nos locais onde atuamos. A pneumonia, por exemplo, continua sendo a principal causa de mortalidade infantil, matando mais de 1 milhão de crianças apesar da existência de uma vacina eficaz: a anti-pneumocócica (PCV).
Em 2016, depois de uma campanha, os fabricantes da vacina concordaram em reduzir os preços para MSF e outras organizações humanitárias para imunizar crianças vulneráveis em situações de emergência. Apesar disso, em muitos países de renda média, o preço da vacina permanece alto.
As farmacêuticas vendem remédios a países com cláusulas de confidencialidade em relação aos preços, sob o falso argumento de que isso permite acesso a preços mais baixos. Nos países onde existe uma listagem pública de preços de remédios, as empresas inflam artificialmente os valores para dar a impressão de que fornecem bons descontos durante as negociações. Os “descontos” só são concedidos sob a condição de não serem divulgados.
A estratégia da indústria farmacêutica tem funcionado. O sigilo no preço dos medicamentos impede o estabelecimento de um preço justo porque garante que uma das partes sempre chegue à mesa de negociações em desvantagem: o consumidor. Como já foi advertido pela ONU no relatório de 2016 sobre acesso a medicamentos, os preços continuam a subir de maneira extrema para tratamento de doenças mortais como hepatite C, câncer e diabetes, constituindo-se em um fardo para os sistemas de saúde, provocando racionamento e atraso em tratamentos em todo o mundo.
Os dados mostram a importância da transparência de preços. Desde 2001, MSF vem monitorando e publicando preços de antirretrovirais usados no tratamento de Aids. A possibilidade de negociações mais justas tem resultados claros: o preço para o tratamento caiu de US$ 10 mil por pessoa/ano em 2001 para US$ 100 atualmente.
Autoridades de todo o mundo estarão reunidas a partir do próximo dia 20, em Genebra, na Assembleia Mundial da Saúde. Junto com outras organizações, MSF propõe que governos e a OMS (Organização Mundial da Saúde) tomem medidas para aumentar a transparência do setor farmacêutico, incluindo a questão dos preços. Chegou a hora de as lideranças políticas priorizarem a saúde da população, e não os lucros da indústria farmacêutica.
Candice Seroma e Gaelle Krikorian são da Campanha de Acesso a Medicamentos de MSF.
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