Alemanha alcançou pior número de casos diário de Covid-19 durante toda a pandemia na última semana - foto: STEFANIE LOOS / AFP
Especialistas avaliam que flexibilização precoce de restrições no continente europeu aliada à hesitação vacinal levaram à atual alta de casos de Covid
Após meses de aparente calmaria e abandono de restrições sanitárias, a Europa voltou a ser o epicentro da pandemia no mundo. Com uma vacinação iniciada ainda no final de 2020, mas dificuldade para avançar na cobertura de toda a população, e flexibilização de atividades, o continente serve como uma lição e um alerta ao Brasil, na perspectiva de pesquisadores.
“Nesses últimos dois anos, a Europa sempre deveria ter servido de modelo para o Brasil, porque o que começa lá acontece aqui três meses depois. Nunca aproveitamos esse ensinamento. Nossos números estão melhores e devemos ficar felizes, mas nosso índice de vacinação não dá segurança de que a pandemia tenha terminado, porque temos taxas flutuantes de transmissão do vírus”, avalia a infectologista e professora da Universidade Estadual de Campinas Raquel Stucchi.
A Alemanha, por exemplo, tem uma cobertura vacinal de 67% da população com as duas doses, número que não avança significativamente desde o final de setembro. Na última semana, ela atingiu a maior taxa de contágio do vírus desde o início da pandemia, principalmente entre cidadãos não vacinados. Outros países europeus, especialmente no Leste da Europa, como Bulgária e Romênia, não alcançam sequer 30% da população total vacinada, segundo o site Our World in Data. Com a predominância da variante delta no continente, dada a disseminação mais intensa que a das primeiras versões do coronavírus, qualquer brecha de população não vacinada torna-se um risco para alta de casos, explica a epidemiologista Denise Garrett.
“Podemos pensar em uma floresta com galhos secos: a delta ou outras variante com transmissibilidade mais alta vão queimar até esgotar a população suscetível. Não há dúvida de que as vacinas funcionam, mas com 80% de vacinados, por exemplo, ainda tenho 20% de suscetíveis”, detalha.
Nesse cenário, ela pontua que as medidas de prevenção, como uso de máscara e evitar locais fechados, são os maiores aliados da continuidade da vacinação. Países europeus que já haviam minimizado restrições, como Bélgica e Holanda, voltaram, atualmente, a ampliar limitações. O diretor da OMS para a Europa, Hans Kluge, alertou no último mês que, com a elevação do índices de hospitalizações, o continente pode registrar mais meio milhão de mortes até fevereiro de 2022.
A epidemiologista Denise Garrett elogia a postura da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que vem flexibilizando atividades baseada em indicadores epidemiológicos e que, desde a última semana, passou a permitir inclusive eventos sem limitação de público. Amparada pelos infectologistas do comitê de enfrentamento à pandemia, a cidade baliza as aberturas na taxa de transmissão do vírus e na ocupação de leitos. “São indicadores corretos, porque a cobertura vacinal não é o indicador para remover medidas restritivas, e sim a circulação viral”, pontua Garett.
Segundo o último boletim epidemiológico da capital, o índice que mede a transmissão da doença (RT) está controlado, mas ocupação de leitos de UTI passou para o nível de alerta e a ocupação de leitos de enfermaria se aproxima dele, beirando os 50%.
Festas de fim de ano
Embora não descarte uma nova onda de casos de Covid-19 no Brasil após as festas de final de ano, o infectologista Unaí Tupinambás, membro do comitê municipal, avalia, como outros especialistas, que ela tende a ser mais branda que o cenário do primeiro semestre deste ano, dado o avanço da vacinação.
“Acredito que possa haver aumento de casos, mas a expectava é que ele não tenha impacto nos hospitais, nas internações e, felizmente, na taxa de letalidade. A pandemia vai custar a arrefecer e vai manter esses casos relativamente baixos. 280 mortes por dia é muita coisa, se compararmos, por exemplo, à média de 20 mortes por dia da epidemia do H1N1”, diz. O clima quente do verão também pode contribuir para menos aglomerações em locais fechados, diferentemente do cenário da atual temporada de outono e inverno do Hemisfério Norte, pontua o médico.
Dada a tradicional adesão dos brasileiros à vacinação, Tupinambás espera que o Brasil consiga controlar a pandemia até antes de nações europeias e dos Estados Unidos. "O Programa Nacional de Imunizações, com mais de 45 anos de experiência, tem uma aceitação e confiança muito grande da população, além de facilidade de vacinação", conclui.
Em coletiva de imprensa na última semana, o secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, o médico Fábio Bacchretti, também destacou o apreço do brasileiro pelas vacinas. "Estamos atentos, obviamente, mas não acredito que tenhamos uma quarta onda, com a Europa está tendo, porque estamos em uma época do ano de menor incidência de doenças respiratórias, acelerando a vacinação e com um Estado e um país que aderem muito à vacina”, afirmou.
Controle da pandemia depende de esforço internacional
Uma crise sanitária torna-se uma pandemia quando, justamente, atinge múltiplos continentes ao mesmo tempo. Ainda, portanto, que o Brasil e outras nações vivam um momento de queda de casos da Covid-19 e comemorem a adesão da população às vacinas, a ebulição de infecções em outros territórios ameaça toda a comunidade global, no cenário de intensa circulação de pessoas entre países.
“É um clichê, mas ninguém estará a salvo enquanto todos não estivermos seguros. Precisamos evitar a chance de aparecerem variantes que possam escapar à imunidade vacinal”, pondera a epidemiologista Denise Garrett. Repetidas vezes, a Organização Mundial da Saúde condenou a desigualdade global de distribuição de vacinas. Enquanto os Emirados Árabes vacinaram quase 88% da população e os Estados Unidos, com vacinas sobrando, 57,3%, por exemplo, a África do Sul vacinou 21,5%, segundo o site Our World in Data.
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