Um total de 60 classes industriais importou, em 2016, pelo menos um terço dos insumos e componentes utilizados no seu processo produtivo. O grupo representa menos de um quarto do total de 258 classes industriais existentes no país, mas contempla 48 segmentos responsáveis por cerca de dois terços da produção industrial brasileira de alta e média-alta tecnologia.

O quadro não é pontual e resulta de um longo processo que acentuou a dependência tecnológica da indústria brasileira de insumos e componentes mais elaborados e sofisticados. No biênio 2003/2004, a parcela de insumos importados em relação ao total aplicado na produção brasileira era de 16,5%, fatia que aumentou para 24,4% dez anos depois. O avanço maior concentrou-se nos setores mais intensivos em tecnologia.

Enquanto o coeficiente de importação da produção de baixa e média-baixa tecnologia cresceu de 10,8% para 13,6% no período, o da alta e média-alta tecnologia saltou mais de doze pontos percentuais, de 26,3% para 38,7%. Os dados são de levantamento do economista e pesquisador Paulo César Morceiro, do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (Nereus/USP). O pesquisador teve acesso a dados não publicados da Pesquisa Industrial Anual Empresa (PIA-E) do IBGE e avaliou as 258 classes industriais existentes no país. Ele explica que classe industrial é a desagregação mais detalhada das estatísticas de atividade do país. Parte das informações integrou a tese de doutorado apresentada por Morceiro na Faculdade de Economia e Administração (FEA/USP).

Para mensurar o grau de importação, Morceiro usou o Coeficiente Importado de Insumos e Componentes Comercializáveis, que capta matérias-primas, insumos, partes, peças e componentes utilizados no processo de produção industrial. Na comparação da evolução do indicador foram usados preços constantes de 2013/2014. O pesquisador explica que o coeficiente capta apenas as importações diretas. Ou seja, não reflete as importações indiretas embutidas nos insumos e componentes comprados no Brasil e produzidos com itens importados. Com isso, o conteúdo importado provavelmente é maior do que o mostrado.

Mais do que revelar a dependência em relação ao fornecedor externo, o coeficiente de importação, diz Morceiro, é um indicador do esgarçamento do tecido industrial. Ou seja, da perda de densidade produtiva, situação na qual os produtores domésticos respondem pela maioria dos insumos e componentes, com cada segmento vinculado a uma rede de fornecedores nacionais diretos e indiretos entrelaçados entre si. Quanto menor a rede de entrelaçamentos, menos denso é o segmento e mais esgarçado está o tecido industrial.

Por setores, avalia Morceiro, os que possuem coeficientes de insumos intermediários importados muito elevados são informática, eletrônicos e ópticos; farmacêutica; outros equipamentos de transporte e química.

O setor de informática, eletrônicos e ópticos é o mas esgarçado. Das 11 classes do setor, dez estão entre as 60 com maior coeficiente de importação em 2016 e representaram praticamente a produção total do setor. A maioria dessas classes produz bens finais, com cadeias produtivas longas, mas os encadeamentos de fornecimento doméstico são fracos porque o nível de importação é elevado. Várias classes desse setor importaram mais de 70% dos insumos e componentes comercializáveis. “Do ponto de vista do grau de transformação industrial, dois terços do setor não apresentam diferenças significativas de uma indústria maquiladora e o outro terço está bem próximo disso”, destaca.


Mas o caso brasileiro, diz ele, não é de uma maquila típica. Segundo Morceiro seria uma “maquila reversa”, que importa muito e não exporta. O ponto em comum com a indústria maquiladora refere-se, diz, aos processos produtivos em que predominam operações de montagem a partir de insumos e componentes importados e uso de mão de obra mais barata do que a que seria utilizada caso houvesse maior transformação industrial.

O segundo setor mais esgarçado é o farmacêutico, aponta Morceiro. A principal classe do setor, a de “medicamentos para uso humano”, representa 90% da produção industrial nessa atividade e importou mais de 60% dos insumos intermediários usados na produção. Morceiro explica que o país importa, principalmente, o princípio ativo farmoquímico para a produção de medicamentos. Trata-se de estratégia de suprimento das empresas que dão prioridade a insumos mais elaborados e competitivos do exterior.

O setor “outros equipamentos de transporte” é composto por produção de aeronaves, embarcações navais, motocicletas e equipamentos ferroviários, os quais são essencialmente bens finais. A classe de “aeronaves” importou mais de 90% de todos os insumos e componentes comercializáveis. Apesar disso, avalia Morceiro, essa classe não caracteriza uma “maquila” porque o segmento no Brasil emprega mão de obra de elevada remuneração, já que a montagem de aeronaves envolve protocolos de segurança e exigem profissionais qualificados. A Embraer, cita Morceiro, apesar de importar componentes importantes, lidera a cadeia produtiva ao desenhar aviões, gerencia a rede de suprimentos e comercializa as aeronaves, tarefas que lhe possibilitam capturar uma fatia do valor agregado maior.

No setor químico o estudo destaca as classes “defensivos agrícolas”, “adubos e fertilizantes” e “intermediários para fertilizantes”, que importaram, em 2016, respectivamente 70,6%, 69,3% e 55,4% do total de insumos e componentes aplicados na produção.

No panorama mais geral, o levantamento de Morceiro mostra que no biênio 2013/2014, dentre 258 classes da indústria, a maioria – 146 – encontra-se inserida em denso tecido industrial. Esse parcela responde por metade produção industrial e por 71% do pessoal ocupado no setor. Responsáveis por 57% da exportação total de bens industriais, essas 146 classes responderam por menos de 21% da importação de manufaturados.

No mesmo período, o menor adensamento industrial concentrou-se em 65 classes responsáveis por 31% do valor bruto da produção industrial. Dentro desse grupo, 45 são setores classificados como de média-alta e alta tecnologia. Embora com alguma mudança na classificação entre as classes, o predomínio dos segmentos mais tecnológicos entre as classes com os mais altos coeficientes de importação se manteve nos dados de 2016. Esse é um fator preocupante, diz Morceiro, porque são segmentos que contribuem para o desenvolvimento tecnológico, empregam mão de obra qualificada e pagam salários comparativamente mais elevados. Além disso, tendem a crescer mais rapidamente devido à maior elasticidade-renda da demanda e maior dinamismo no comércio internacional. Para ele, o quadro indica que políticas futuras deveriam focalizar incentivos nas classes mais esgarçadas e que provavelmente continuarão com demanda elevada, como as que fornecem insumos químicos destinados à agricultura e as produtoras de insumos farmacêuticos.

Fonte: Valor Online

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