Rafael Cagnin: queda nas exportações também contribuiu para o quadro recessivo da produção industrial desde 2018
Com exportações comprimidas em razão do conflito entre Estados Unidos e China, além da crise argentina, a balança comercial da indústria de transformação deteriorou-se ainda mais no primeiro semestre deste ano. O déficit avançou 33%, de US$ 9,6 bilhões para US$ 12,7 bilhões de janeiro a junho de 2018 para os mesmos meses deste ano. Considerando os 12 meses encerrados em junho deste ano, o saldo negativo foi de US$ 28,9 bilhões, bem maior que o déficit de US$ 11,7 bilhões em igual período anterior. O cálculo é do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Mesmo com uma taxa de câmbio mais depreciada do que a de períodos anteriores, as exportações da indústria de transformação não decolaram, diz Rafael Cagnin, economista do Iedi. “Dificuldades econômicas de parceiros importantes do Brasil, como a Argentina, e percalços decorrentes da postura de negociação comercial dos Estados Unidos com a China têm imposto mais óbices às vendas externas do país e deixando o mundo de sobressalto.”
Ele destaca que as exportações de manufaturados caíram 5,4% no primeiro semestre deste ano em relação a iguais meses do ano passado, primeira queda para o período desde 2016, quando o embarque de produtos industriais recuou 1,14% na mesma comparação. “A queda nas vendas externas da indústria não apenas teve efeito no balança do setor como também contribuiu para o quadro recessivo que a produção industrial tem enfrentado desde o fim de 2018.”
O aprofundamento do déficit já era esperado, diz o economista. A expectativa, porém, é que o saldo negativo fosse gerado principalmente pela recomposição das importações, e não pela queda dos embarques. No primeiro semestre do ano, as compras externas da indústria de transformação caíram pouco, diz Cagnin, em 0,4%, mas evoluíram em sentido inverso ao esperado.
A expectativa do início do ano, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), mudou no decorrer do primeiro semestre, com as revisões de crescimento econômico do país em razão da falta de confiança que restringe a demanda doméstica, afetando também as importações.
Ao mesmo tempo, do lado das exportações, diz Castro, há a crise argentina, que promete se estender além do esperado, em razão das incertezas maiores trazidas pelos recentes resultados das eleições primárias. Ele lembra ainda que tornou-se mais nebuloso o horizonte para o conflito entre Estados Unidos e China. Os últimos dados do país asiático, acrescenta, mostram desaceleração da economia chinesa, o que também deve impactar mais ainda as exportações brasileiras.
Com esse conjunto de fatores, as estimativas atuais, diz Castro, são de que tanto exportações como importações encolham este ano, com queda mais acentuada nos embarques. A projeção da AEB é de que as exportações totais do Brasil caiam 6,7% neste ano contra 2018. Os manufaturados, acredita, devem ter queda maior, de 9,3%. Estima-se que os desembarques totais recuem 5,4%. O saldo projetado para a balança total brasileira ao fim do ano é de superávit de US$ 52,2 bilhões.
A frustração em relação às perspectivas iniciais estimadas para o ano estão em consonância com as projeções para o comércio internacional, diz Cagnin. “As expectativas para o crescimento do comércio internacional em 2019 foram revisadas para baixo em um ponto percentual. ” Ele destaca a projeção do Banco Mundial, que em janeiro estimava alta de 3,6% no volume global de comércio. Em junho a taxa foi revista para crescimento de 2,6%.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) também revisou em julho a projeção do início do ano de expansão do comércio em 2019. A estimativa passou de alta de 3,4% para 2,5%.
O levantamento do Iedi inclui também a evolução de exportações e importações em 19 ramos da indústria agrupados de acordo com a intensidade tecnológica. Dentre quatro faixas, a indústria de média-alta intensidade tecnológica teve o maior déficit, de US$ 19,4 bilhões. As exportações desse grupo recuaram 14,9%.
Com embarques atingidos pela crise argentina, o setor automotivo foi a principal causa para o resultado negativo. As exportações do segmento caíram 29,5% no primeiro semestre de 2019 contra iguais meses do ano passado. O superávit de US$ 326 milhões do setor automotivo na primeira metade de 2018 deu lugar a um déficit de US$ 826 milhões de janeiro a junho deste ano.
A faixa de média-alta tecnologia inclui indústria de veículos automotores de máquinas e equipamentos elétricos e mecânicos e produtos químicos, exceto farmacêuticos, entre outros.
A queda das exportações das faixas de maior tecnologia também contribuiu para a deterioração maior do saldo da balança do setor industrial na primeira metade de 2019.
A indústria de alta intensidade tecnológica teve déficit de US$ 10,3 bilhões, maior do que os dos primeiros semestres dos três anos anteriores. As exportações desse grupo, após cinco anos de expansão no acumulado até junho, aprofundaram o declínio na passagem do primeiro para o segundo trimestre. No acumulado de janeiro a junho, a queda foi de 20% em relação a iguais meses de 2018.
O desempenho foi afetado principalmente do recuo no embarque de aeronaves. Além da indústria aeronáutica e aeroespacial, compõem esse grupo de alta intensidade tecnológica a indústria farmacêutica, de material de escritório e informática, de equipamentos de rádio, TV e comunicação e de instrumentos médicos de ótica e precisão.
Fonte: Valor Online
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