Cientistas brasileiros descobriram por que crianças são mais vulneráveis à sepse e abriram caminho para tratar uma doença que leva à morte ao menos 30% dos que a desenvolvem. A sepse é uma inflamação generalizada deflagrada pela resposta do organismo a uma infecção fora de controle. Ela pode causar falência múltipla de órgãos e o chamado choque séptico, quando a pressão arterial cai abruptamente e não responde ao tratamento.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que a sepse é uma das principais causas de mortalidade infantil. No mundo, há cerca de 30 milhões de casos por ano, dos quais seis milhões levam à morte. Destes, 44% são crianças de até 5 anos.
Até agora não se sabia por que a sepse é tão letal para as crianças, que não só correm maior risco de morte como evoluem para um quadro grave mais rapidamente. Enquanto que só adultos debilitados por doenças preexistentes costumam morrer de sepse, crianças saudáveis antes da infecção sucumbem depressa.
O grupo de Fernando de Queiroz Cunha, do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, descobriu que as crianças produzem mais uma estrutura do sistema imunológico conhecida como NET, liberada quando o corpo é atacado por bactérias.
É o excesso de NET que causa a pane no sistema de defesa, que passa a atacar o organismo. O resultado é uma inflamação generalizada. Os órgãos sofrem lesões graves.
— Há 50 anos não é lançado um remédio específico contra a sepse, mas a descoberta promete levar ao desenvolvimento de novos tratamentos, um deles com um medicamento já disponível — diz Cunha.
Os pesquisadores não sabem por que as crianças produzem mais NET, mas pensam que inibi-la evitaria lesões nos órgãos. NET é o nome de armadilhas produzidas pelos neutrófilos, células do sistema de defesa que “engolem” vírus, fungos e bactérias. A NET é ativada quando o corpo está sob ataque de micróbios.
Na quantidade certa, ela é fundamental para manter o organismo livre de infecções. Em excesso, faz o feitiço virar contra o feiticeiro e se torna tóxica para as células humanas. Distúrbios na NET já haviam sido associados a doenças autoimunes, como lúpus e diabetes. O grupo da USP viu que ela é crucial na resposta de uma criança à sepse.
Num estudo apoiado pela Fapesp e publicado na revista científica Critical Care, a equipe da USP analisou os casos de 26 pacientes (15 crianças e 11 adultos) com sepse atendidos na UTI do Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto. Eles foram comparados com igual número de crianças e adultos saudáveis. Quanto maior a concentração de NET, maior o número de lesões nos órgãos e pior o prognóstico do paciente.
As crianças com os quadros mais graves eram as que tinham maior concentração de NET. Elas produziram, em média, 40% a mais NET que os adultos, descobriram os pesquisadores.
Eles fizeram então experiências em camundongos para investigar como a maior concentração de NET agrava a sepse. Testaram ainda nos animais duas estratégias distintas para corrigir o mecanismo desregulado do sistema de defesa.
— Nossa meta é aumentar a sobrevida das crianças com sepse. Hoje, as opções de tratamento são mínimas e a taxa de letalidade é elevadíssima — afirma Cunha.
Uma das estratégia é bloquear uma enzima necessária para a liberação de NET. Para isso, ainda não existe remédio aprovado no mercado. A outra é usar uma droga empregada contra fibrose cística e que destrói a NET.
O próximo passo dos cientistas da USP será realizar testes clínicos com crianças de um tratamento para a sepse baseado na droga já disponível. Também continuam a investigar a causa de a desregulação da NET acometer as crianças, mas não os adultos.
Diagnóstico rápido da sepse é essencial
- Prevenção. Acontece com o controle das infecções, tanto em hospitais quanto na comunidade. Sem a infecção inicial, não há sepse. Por isso, a OMS alerta que a maioria dos casos de sepse poderia ser evitada com cuidados simples, como lavar as mãos com água e sabão, manter a carteira de vacinação em dia e evitar o uso indiscriminado de antibióticos.
- Sintomas. Febre alta, pouca urina, dificuldades para respirar, calafrios, desequilíbrio do ritmo cardíaco e, em alguns casos, confusão mental. Há alterações em leucócitos e plaquetas sanguíneas.
- Diagnóstico. Fernando Cunha adverte que muitas vezes os médicos demoram a perceber os sinais de sepse e como esses evoluem muito depressa, o paciente já chega com quadro grave ao hospital, quando as chance de cura e não haver sequelas são menores. O risco é maior em crianças
- Bactérias resistentes. Infecções por essas bactérias, cada vez mais frequentes em hospitais, estão por trás do aumento dos casos de sepse no mundo.
Fonte: O Globo
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