A Janssen R&D (subsidiária da Johnson & Johnson) anunciou, em outubro último, o seu primeiro ensaio clínico (clinical trial) para ferramentas iSTEP (Integrated Smart Trial and Engagement Platform), que emprega blisterpacks inteligentes e um aplicativo mHealth para o paciente-voluntário. O iSTEP é uma plataforma integrada para ensaios clínicos que vem sendo desenvolvida há cinco anos pela empresa. Quem está no mercado farmacêutico sabe o que esse passo significa para o futuro do setor.
Bilhões de dólares são gastos anualmente para validação de novas drogas, dispositivos e medical interventions. Trata-se de uma jornada longa, tortuosa e incerta, que vai desde o recrutamento dos participantes, passando por inúmeras dificuldades de aferição e precisão, até chegar aos laudos de reconhecimento de cada ensaio. Embora a indústria farmacêutica conheça tudo sobre clinical trial, ainda emprega de maneira tímida as novas tecnologias que podem reduzir os tempos e custos de aferição.
Parte do problema está sendo mitigado com a integração de várias partes “soltas” dos ensaios clínicos. O projeto da Janssen, por exemplo, sistematiza digitalmente cada ponto do processo: quando a medicação chega ao paciente-voluntário, ele pode assistir em seu smartphone a vídeos de instruções sobre como armazená-la, como ingeri-la (agenda, efeitos colaterais, etc.), receber feedbacks de dúvidas e por aí vai. Os blisters inteligentes interagem com o paciente, com o workflow e com os pesquisadores, informando se os medicamentos foram realmente retirados (o que não significa que foram ingeridos), facilitando a sua reposição. Isso significa que menos pacientes serão excluídos dos resultados (a total adesão ou não só era descoberta após o fato).
Em entrevista à MobiHealthNews, Heather Bell, Global Head Digital & Analytics da Sanofi, explica: “Algo que costumava ser o resultado de um relato do paciente pode agora ser simplesmente rastreado usando um wearable, o que aumenta o conjunto de dados e reduz o número de pacientes necessários para obter algum significado – tornando o julgamento menos caro, mais rápido e fácil de conduzir”. Embora os recursos digitais sejam fartos, o setor ainda é minimalista em empregá-los. Uma boa parcela das informações ainda é coletada em papel, sendo inserida em meio digital ao longo do processo (não poucas vezes com mais de uma inserção, em mais de um sistema). A maior parte desse paper process está sendo transformada hoje em “electronic case report form”, que é capturado por um EDC (Electronic Data Capture), facilitando enormemente o trial.
Ainda que uma série de ferramentas digitais tenha gradualmente ganhado impulso no setor, o ensaio totalmente digital ainda é uma meta, e não uma realidade. Em 2011, a Pfizer e a Exco InTouch lançaram o REMOTE Trial, talvez a primeira grande tentativa de ter um ensaio clínico randomizado, com matrícula de pacientes on-line, permitindo que eles participassem do ensaio em sua residência, sendo controlados através de um App. Um ano após a tentativa, a Pfizer interrompeu o teste, citando a falta de matrículas (apesar do sucesso em atrair pacientes para o site do estudo no Facebook). A empresa prometeu retomar a bandeira do digital clinical trial (fully) em 2013, o que não ocorreu.
Todavia, ficou claro que o caminho era esse, e que seria inevitável trilhá-lo. Em 2015, a Sanofi e a eClinicalHealth (baseada na Escócia), anunciaram o seu VERKKO (phase 4), um ensaio digital para um wireless glucometer, conectado à nuvem, que matriculou 60 participantes através do Facebook e completou todos os check-ins necessários. Em outubro de 2017, a Science 37, com sede em Los Angeles, também exibia esperança e orgulho quanto ao sucesso de sua plataforma NORA (Network Oriented Research Assist), um sistema semelhante baseado em telemedicina, que permite teleconsultas de vídeo em tempo real, coleta de dados eletrônicos e electronic consent.
style="display:block; text-align:center;" data-ad-layout="in-article" data-ad-format="fluid" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="1871484486">De acordo com a empresa, o alvo foi um tratamento de acne da AOBiome, tendo sido concluído o ensaio clínico randomizado, controlado por placebo e realizado inteiramente sem um central trial site. Não havia qualquer CROs (Contract Research Organizations) no processo, e contou com dez médicos envolvidos em dez estados norte-americanos. Ainda segundo a Science 37, os resultados foram aferidos em tempo muito menor do que através do processo tradicional.
O núcleo dos recentes modelos de digital clinical trial está na experiência do paciente durante o ensaio clínico. Tradicionalmente, os ensaios pedem aos voluntários que preencham uma quantidade absurda de documentos, cada vez mais inviável para o perfil de usuários do século XXI. No mesmo artigo da MobiHealthNews, Joe Dustin, Diretor de Mobile Health da Medidata, explica a tendência: “A centralização no paciente não é apenas um protocolo para ser patient-centered. O próprio aplicativo, focado no usuário, é testado e aceito pelos pacientes. Isso simplesmente transforma a experiência do voluntário no alvo das mudanças. Estamos investindo tempo e dinheiro que vão melhorar não apenas os resultados, mas também a permanência das pessoas ao longo do ensaio, mantendo-as comprometidas de modo a prevenir desistências e obter dados cada vez mais efetivos”.
Outro recente estudo, publicado pela Accenture em 2017 (“The Digital Clinical Trial: Placing the Right Bets”), mostra as apostas e a nova era dos ensaios clínicos. O custo médio para o desenvolvimento de drogas alcançou a absurda cifra de US$ 2,6 bilhões por produto, o que tem gerado, na última década, gigantescos esforços para produzir valor através da digitalização do clinical trial. Segundo o estudo, a pesquisa acadêmica mostra que essa digitalização está alimentando estimativas de crescimento de 40% na rentabilidade da indústria farmacêutica até 2020. As premissas para se alcançar esses números são bem evidentes: o recrutamento, a retenção e o monitoramento dos clinical trial sites já chegam a 30% do custo total do ensaio, sendo que quase 50% de todos os ensaios não alcançam as metas esperadas em inscrição de pacientes (dados estimam que 11% dos ensaios clínicos não conseguem matricular nenhum paciente).
Ainda segundo o estudo da Accenture, os modelos de análise preditiva utilizando dados históricos dos pacientes (aproveitando os Registros Eletrônicos de Saúde – EHR) poderiam ajudar os patrocinadores a identificar e evitar o baixo desempenho dos sites, mas ainda existe muita inconsistência e algum business struggle no processo (“tug of war”), o que atrasa a sua adoção. Mesmo assim, esse caminho é inexorável ao longo do tempo.
A identificação de pacientes, e os atrasos no seu recrutamento, podem prolongar a duração do ensaio em até 200%. As tecnologias digitais poderiam expandir os canais de identificação e aprofundar a eficácia dos meios que existem hoje. Em 2015, a pré-seleção automática de elegibilidade (automated eligibility prescreening), um processo para comparar critérios de inclusão/exclusão utilizando os EHRs, foi testado. Em comparação com os métodos tradicionais de recrutamento, a nova prática pode ajudar a reduzir a carga de trabalho nessa fase em 92%.
Não menos importante é o papel das soluções de IoMT (Internet of Medical Things) e Big Data no universo de digital clinical trial. Os dispositivos móveis provaram ser uma ferramenta extremamente útil para capturar dados dos pacientes em um ensaio clínico (biological metric tracking). Os pacientes podem se envolver em pesquisas regulares relacionadas ao seu tratamento e serem notificados sobre os regimes de medicação. Além disso, outras capacidades dos sistemas móveis, como feedback, gamificação e lembretes, podem ser canalizadas para suportar as mudanças comportamentais ao longo do ensaio.
De acordo com outro estudo, da McKinsey, essas tecnologias permitem o monitoramento dos ensaios em tempo real, facilitando a partilha de dados entre os grupos de pesquisa. Usando o feedback analítico, que é capturado a partir de dispositivos médicos, o pesquisador pode criar testes mais curtos e mais valiosos para as partes interessadas.
A britânica GlaxoSmithKline (GSK), por exemplo, admite atraso no processo de digital clinical trial, mas trabalha duro para reverter esse cenário. Mark Ramsey, Chief Data Officer da empresa, se pronuncia: “Os produtos farmacêuticos, em contraste com os serviços financeiros, telecomunicações ou varejo, não progrediram no uso de dados como ativos estratégicos. Nosso objetivo número um é executar ensaios clínicos de forma mais eficiente e efetiva para acelerar a descoberta de drogas”. Todas as grandes corporações da manufatura farmacêutica tentam tirar o atraso, e, sem exceção, já possuem projetos em digital clinical trial.
Em outras palavras, a indústria atingiu um ponto de inflexão e está acordando para a ideia de que digitalizar o ensaio não é mais uma opção, mas a única saída para sobreviver no mercado. Paul Sabbatini, vice-médico-chefe da pesquisa clínica do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, lembra que o paradigma tradicional de ensaios clínicos (“rígido”) está ultrapassado. “Estamos caminhando em direção a ensaios menores e mais inteligentes, buscando melhorias claramente significativas. Isso nos permite avaliar mais rapidamente e, o mais importante, aumentar as chances de beneficiar os pacientes. Quando um ensaio clínico é bem desenhado – sendo os resultados positivos ou negativos –, aprendemos muito sobre os passos seguintes. Além disso, se pudermos engajar o paciente de forma direta e correta nos ensaios, o número de abordagens bem-sucedidas aumentar.
À medida que a ciência avança e os tratamentos se tornam mais complexos, os ensaios clínicos também devem se tornar mais eficientes e efetivos. Digitalizar ao máximo, sem perder as garantias de confiabilidade, é o único caminho a ser seguido e a indústria farmacêutica está acordando para esse fato. Mas como em qualquer jogo, os players que saírem na frente sobem ao pódio. Os demais assistem e lutam para não serem dragados pelo mercado.
Fonte: White paper desenvolvido pelo Comitê Científico do HIMSS@Hospitalar Forum e divulgado em dezembro de 2017. O objetivo deste e dos demais white papers produzidos é ajudar a manter a comunidade informada sobre temas emergentes até o evento, que acontece em maio.
Fonte: Portal Hospitais Brasil
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