Documentário: Opióide inspira filme de TV

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O Estado de S.Paulo 
Jornalista: David Bauder

Sem surpresas para uma produção que se debruça sobre esse assunto, o documentário da HBO O Crime do Século, que estreia nesta terça, 11, às 23 h, começa mostrando um saco para cadáveres. Dentro, havia um homem de San Diego - seus restos mortais levados na madrugada após uma overdose de Fentanil -, um dos quase meio milhão de americanos que morreram de abuso de opioides desde 2001.

Mas o cineasta Alex Gibney rapidamente amplia as lentes para explicar como surgiram os medicamentos que causaram a crise, como as empresas os promoveram e distribuíram agressivamente e como o governo americano não agiu com rapidez e eficácia para salvar vidas.

A história é exaustiva e muitas vezes revoltante, seu escopo lembra os estudos que, no passado, Gibney e sua equipe fizeram sobre a Enron, a Cientologia e, mais recentemente, a resposta do governo Trump à covid-19. “Senti que toda a ideia da crise estava sendo tratada como se fosse um evento espontâneo, que simplesmente não poderia ter sido evitado”, disse Gibney. “O que estava faltando era o elemento do crime, essa conspiração vasta e abrangente.” Se você juntar tudo, “é quase um filme de mistério sobre um assassinato”, disse ele. “De certa forma, é um filme de assassinato.”

O papel da família Sackler e de sua empresa, a Purdue Pharma, no desenvolvimento do analgésico OxyContin é um território familiar. O filme de Gibney explora as consequências, entre elas o esforço para fazer os médicos prescreverem excessivamente a medicação e o uso de ex-membros do governo para impedir uma supervisão mais séria.


Um ex-vendedor da Purdue Pharma, Mark Ross, conta como se envolveu para ganhar algum dinheiro e ajudar pessoas com dores crônicas. Mas, quando ele começou a se preocupar com os abusos, seus chefes lhe disseram para ficar quieto.

Gibney fala sobre um memorando pouco conhecido que os promotores de Virgínia redigiram em 2006 para detalhar as ações da Purdue Pharma. Seu conteúdo ficou essencialmente oculto quando o Departamento de Justiça chegou a um acordo com a empresa. Esse foi seu momento de descoberta, pois ali ele viu as conexões entre o OxyContin, o abuso de heroína e o desenvolvimento do Fentanil.

Questionada sobre O Crime do Século, uma porta-voz da Purdue Pharma apontou para a recente proposta de acordo da empresa no tribunal federal de falências, com o objetivo de solucionar milhares de ações judiciais decorrentes do OxyContin.

“Continuamos focados em alcançar um acordo global que geraria mais de US$ 10 bilhões em valor, incluindo 100% dos ativos da Purdue e milhões de doses de tratamento para dependência de opioides e medicamentos de reversão de overdose, para requerentes e comunidades de todo o país afetadas pela crise de opioides”, disse a empresa.

A Jigsaw Productions, de Gibney, trabalhou em conjunto com o Washington Post no filme e ele dá crédito aos jornalistas por terem estabelecido conexões e esclarecido as histórias do governo.

Ross é um personagem-chave no filme, assim como Joe Rannazzisi, ex-agente federal da Drug Enforcement Administration que viu seus esforços frustrados e está tentando educar o público sobre o que está acontecendo, e Alec Burlakoff, ex-executivo de vendas da Insys Therapeutics, fabricante do Fentanil.


Com a habilidade para contar histórias de um vendedor nato, Burlakoff narra a assustadora história de uma cultura corporativa na qual os médicos eram subornados e intimidados a empurrar a droga perigosa. A grande questão era o dinheiro, não as consequências. Os vídeos comemorativos de eventos da empresa dão vida a essa cultura.

“Ele conseguia deixar todos os escrúpulos morais de lado e vender voraz e implacavelmente uma droga que sabia que era terrível para as pessoas, de maneiras totalmente repreensíveis”, disse Gibney. “Mas ele nos conduz pelo processo, passo a passo, de uma forma que é simplesmente de cair o queixo. Em última análise, você entende como o crime funciona.”

O filme de Gibney não evita histórias de vítimas como Roy Bosley, mostrando em detalhes como os opioides mataram a esposa desse homem de Utah. Os cineastas também confrontam o médico que dirigia a clínica onde a mulher foi tratada.

“Se você entende os criminosos e quais são suas motivações, ajuda a entender não apenas como os crimes são cometidos, mas como evitá-los no futuro”, disse. “Há algo de bom nesses medicamentos, em doses limitadas, para pessoas que passaram por operações sérias ou estão em tratamento de fim de vida.”

A crise dos opioides mostra “o perigo do que acontece quando você mistura saúde com o tipo de capitalismo turbinado do século 21”, afirma o cineasta. “Você percebe que os incentivos estão todos errados, pois são para ganhar dinheiro, em vez de cuidar dos pacientes.”

Se, de fato, for o crime do século, alguém vai pagar? “É uma boa pergunta”, disse Gibney. As empresas que foram acusadas de irregularidades, como a Purdue Pharma, vão dizer que já pagaram multas e fizeram acordos, disse ele.

TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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