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Folha de S.Paulo

07/03/20 - Mesmo entre as doenças raras, a de Marta Helena Krieger, 62, é um caso à parte. Não há registro de outra pessoa que tenha passado dos seis meses de vida com esse diagnóstico. O distúrbio nem nome tem: é designado por um código, “deleção no gen NRLC4”.

Bióloga, filha, irmã e mãe de médicos, Marta herdou dos pais uma mutação genética que provoca defeitos na resposta imunológica inata e doenças inflamatórias.

Na infância, tinha infecções de garganta e febres sem causa. “Quase todo dia, minha mãe me levava no hospital para medir a temperatura.”

Quando chegou aos 15 anos, as coisas pioraram. Começaram as infecções urogenitais sem bactéria ou fungo. Por causa delas, desenvolveu uma E. Coli (bactéria que reside no intestino) ultrarresistente, que só responde a um antibiótico intravenoso.

Além de ter cólicas, desenvolveu tumores abdominais antes de ter 30 anos. “Mesmo assim, tive dois filhos.”

A doença desconhecida não fez Marta desistir da vida pessoal e profissional. “No trabalho, fiz exatamente o caminho da superação. Fui cursar as aulas mais difíceis, fazer as pesquisas mais de ponta, tudo que exigisse esforço.”

Os sintomas foram piorando. Antes de engravidar do segundo filho, hoje com 35 anos, teve inflamação na articulação sacroilíaca. Quando o bebê estava com quatro meses, perdeu a sensibilidade em uma das pernas. “Fiquei seis meses sem andar.”

Aos 28, passou num concurso e foi contratada como pesquisadora na Unicamp. A família foi morar em Campinas, mas o marido, engenheiro, viajava muito. Já ela vivia no PS da universidade. “Morria de vergonha, quem trabalhava na emergência já me conhecia.”

Entre dores ecrises sem causa definida, Marta seguiu carreira acadêmica, foi fazer pós-doutorado em Yale (EUA). Os sintomas já atingiam os olhos, a cervical, o abdome. No exterior, começou a usar uma droga de alto custo. O diagnóstico que recebeu então era de síndrome de Reiter (hoje artrite reativa).

Só em 2015, de volta ao Brasil, Marta chegou ao diagnóstico certo, depois de fazer seu sequenciamento de DNA. Estava na melhor fase da carreira, coordenava um laboratório, mas era difícil conciliar as responsabilidades e as internações, então se aposentou.

Hoje toma a cada 15 dias um remédio de alto custo (R$ 50 mil a dose), obtido por ação judicial. “Vivo com a sensação de instabilidade, não sei o que pode acontecer com o fornecimento da medicação.”

Separada, mora só, com um cachorro. Um filho vive no interior e o outro passa metade do mês em plataformas de pré-sal. “Não quero ser um peso para a família.”

Para manter sua autonomia, adaptou a vida. Doou a biblioteca de livros científicos, começou a bordar e a ter aulas de pintura. Mas tem saudade da pesquisa. “Até pouco eu não lia mais nem bula de remédio. Mas, agora, estou na presidência da Andai (Associação Nacional das Doenças Autoimunes) e voltei a estudar.”

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