Folha de S.Paulo
Jornalista: Mariana Lenharo
07/03/20 - Até poucos anos, não havia drogas eficazes contra formas progressivas de esclerose múltipla, doença autoimune que ataca o sistema nervoso central e pode se apresentar de várias maneiras —a mais comum causa surtos em que o paciente pode ter dificuldade para caminhar e problemas na visão.
A situação começou a mudar em 2017, quando os EUA aprovaram o remédio ocrelizumabe, o primeiro para o tratamento da esclerose múltipla primariamente progressiva (veja mais sobre cada tipo da enfermidade acima).
Desde então, as formas progressivas da doença ganharam outras alternativas, como o siponimod, medicamento oral indicado para a esclerose secundariamente progressiva.
Na esclerose múltipla, o sistema imune ataca o sistema nervoso central, provocando uma reação inflamatória.
“A agressão é direcionada contra a mielina, capa microscópica que recobre os nervos e potencializa a transmissão dos impulsos nervosos”, afirma o neurologista Denis Bernardi Bichuetti, professor da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABNeuro). “Quando a mielina inflama, a transmissão fica mais lenta”, diz ele, o que leva a sintomas incapacitantes.
No Brasil, a doença ainda é considerada rara, com uma prevalência de cerca de 18 casos por 100 mil habitantes, de acordo com a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla. Mas especialistas são unânimes em afirmar que esse número é subestimado.
“No mundo, é a segunda causa de incapacidade física entre jovens, perdendo só para trauma”, diz o neurologista Rodrigo Thomaz, especialista em esclerose múltipla do Hospital Israelita Albert Einstein.
O tratamento da doença se divide em três frentes. A primeira é usada no momento do surto e consiste no combate à inflamação do sistema nervoso. A segunda inclui as chamadas drogas modificadoras, que atuam no sistema imunológico e têm sido bem-sucedidas em reduzir o número e a gravidade de novas crises.
O desafio atual é impedir a progressão da doença, segundo Vanessa F. Moreira Ferreira, pesquisadora no Brigham and Women’s Hospital, da Escola de Medicina de Harvard.
“As medicações mais recentes reduzem inflamações em curso e previnem novas lesões, mas ainda não temos drogas capazes de reparar danos já ocorridos e impedir a progressão das incapacidades”, afirma Ferreira.
Nesse contexto, a aprovação dos primeiros medicamentos com resposta em quadros progressivos representaram um avanço, segundo o neurologista Jefferson Becker, professor da Escola de Medicina da PUCRS e presidente do BCTRIMS (Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla e Doenças Neuroimunológicas).
As respostas ainda não são muito altas, segundo Becker. O ocrelizumabe reduziu o risco de progressão da incapacidade em 25% na forma primariamente progressiva, e o siponimod reduziu o risco em 21% na forma secundariamente progressiva.
O ocrelizumabe (vendido como Ocrevus) foi aprovado pela Anvisa em 2018, mas ainda não está disponível no SUS. Já o siponimod (Mayzent) foi liberado nos Estados Unidos em 2019, mas ainda não teve aprovação no Brasil.
A terceira frente terapêutica, que consiste em amenizar os sintomas da doença progressiva, teve uma adição recente importante no Brasil. O Mevatyl, primeiro medicamento à base de cannabis aprovado no país, chegou ao mercado em 2018 para tratar o quadro de espasticidade — rigidez e incapacidade de controle dos músculos.
Um dos principais entraves ao tratamento de esclerose múltipla no Brasil, segundo especialistas, são as diretrizes do Ministério da Saúde.
Elas determinam que a terapia se inicie com drogas mais antigas e só avance para a próxima linha de intervenção, com remédios mais fortes, depois de falha na resposta.
“Se começo o tratamento com a droga menos eficaz e espero ela falhar, a falha significa que parte do cérebro já foi afetada”, diz Thomaz.
Ferreira afirma que existe uma tendência mundial de se iniciar o tratamento com drogas de alta eficácia.
“Esperar por uma falha no tratamento pode contribuir para progressão da doença e acúmulo de incapacidades.”
O Ministério da Saúde afirmou que sempre atualiza os protocolos clínicos e que, em dezembro de 2019, por exemplo, incluiu a droga fumarato de dimetila como primeira opção de tratamento da esclerose múltipla remitente-recorrente, após evidências de benefícios em comparação a outros medicamentos.
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