Dos 80 em diante: Os desafios e as opções para se envelhecer de forma saudável no país
Especialistas ressaltam que aumento do grupo de pessoas com mais de 80 anos exigirá mudanças em setores como oferta de qualidade de vida e no sistema de saúde
RIO — Depois que seu marido morreu, a vida perdeu a graça para Maria Luiza Ribeiro, de 80 anos. Há seis, o médico a aconselhou a buscar um local onde pudesse conversar e conhecer pessoas, e uma amiga a indicou um centro de convivência com atividades perto de casa. Desde que começou a frequentar o local, ela conta que se transformou em outra pessoa. Hoje, faz ali aulas de dança, teatro, entre outras:
— Encontrei algo para preencher o vazio que sentia. Passou a ser um incentivo para sair de casa — conta Maria Luiza, que, além das atividades, faz passeios com amigos que conheceu no local. — Hoje me sinto desejada como companhia.
O local também se tornou referência para o casal pé de valsa Ariuza Natalina Pinheiro, de 80, e Dick da Costa Araujo, de 91, que se conheceu em uma apresentação dela com o pessoal da casa.
— Quando estou na pista, não penso em mais nada — diz Araujo.
Locais como a Casa de Convivência e Lazer para Idosos Carmen Miranda são uma opção para espantar o isolamento e ter um envelhecimento saudável física e emocionalmente. No município do Rio, há sete como essa, administradas pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, para idosos a partir de 60, e com equipe multidisciplinar.
— A ideia é ter um lugar onde possam deixar os problemas de lado e desenvolver a parte cognitiva, motora e emocional — afirma Mariah Duarte, diretora da Carmen Miranda. — Há casos de abandono familiar e idosos que chegam deprimidos. Com o tempo, fazem amizades, viajam juntos. A grande mudança é a parte psicológica.
Em 2018, o Rio de Janeiro era um dos estados com a maior proporção de idosos — 60 anos ou mais — em sua população, correspondendo a 16,8%, segundo o IBGE.
Para o corpo que envelhece, podem ser necessários cuidados mais específicos, como home care. Há ainda casos de idosos que não podem ficar sozinhos em casa, cujas famílias não têm condições, ou que não têm familiares, e que podem optar por uma instituição de longa permanência.
Questão social
Essas opções vem tomando cada vez mais o debate público no país, visto que o Brasil envelhece a cada ano. Especialistas ressaltam que, em nações desenvolvidas, como França e Japão, a população enriqueceu antes de envelhecer. Por aqui, a desigualdade social pode se refletir nas diferentes formas de envelhecer, influenciando no acesso a serviços de saúde e a locais para prática gratuita de exercícios físicos.
— O grupo populacional que mais cresce e continuará crescendo no país é o de idosos. Dentro desse grupo, o que mais rapidamente vai crescer é o das pessoas com mais de 80 — destaca o médico geriatra Alexandre Kalache. — A demografia tem impacto na sociedade como um todo, não só na economia, mas na forma de viver, nos sistemas públicos de saúde... Seremos, daqui a pouco, um país idoso. E a velocidade desse envelhecimento é um desafio.
A aposentada Maria Luiza Ribeiro, que frequenta aulas de dança Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo
Quarta idade
Sócio-diretor da Pleno Saúde, o clínico geral Ricardo Spilborghs afirma que, a partir dos 80, começa a quarta idade, e a forma como se chega a essa etapa dependerá de como a pessoa levou a vida até ali em termos de cuidados de saúde.
— Há uma parcela grande de idosos que chegam nessa faixa etária já sofrendo ações de doenças crônicas que foram adquirindo ao longo da vida, como diabetes e hipertensão, que vão deixar sequelas — diz Spilborghs.
Se houver complicações de doenças ou períodos de longa internação, o serviço de home care pode ser uma opção, cujo custo, se particular, pode ultrapassar os R$ 20 mil por mês para um paciente com mais complexidades. Alguns planos já cobrem o serviço, outros ainda fornecem através de concessão, mas não é uma obrigatoriedade.
As instituições de longa permanência (ILPIs), conhecidas popularmente como asilos, podem ser uma necessidade em alguns casos. No estado do Rio, há quatro públicas, administradas pelo Estado — em Bonsucesso, Guaratiba, Sepetiba e Itaipu (Niterói). As privadas, segundo especialistas, são para poucos: podem custar uma média mensal de R$ 10 mil, chegando a R$ 20 mil.
— Vemos casas mal adaptadas, que oferecem preços mais baratos, quase um depositário de gente. E tem as ILPIs sérias, construídas para isso, mas que atendem a uma minoria da população, por serem muito caras — compara Spilborghs. — O Brasil é um país dos contrastes: tem desde a excelência até o que não deveria existir.
Kalache indica um ciclo vicoso presente nesta questão: há um preconceito com relação às ILPIs, que não estão à altura das necessidades que deveriam suprir, o que reforça a resistência ao serviço. Por isso, reforça, é preciso melhorar a qualidade desses locais e também fortalecer as redes e famílias que podem e querem manter o idoso em casa.
— O recado é: amanhã você pode ser idoso. As pessoas não percebem isso — diz Kalache, presidente do Centro Internacional da Longevidade.
Para a fonoaudióloga e gerontóloga Carolina Ruiz, outro desafio é como lidar melhor com essa população:
— O maior desafio é não infantilizar o idosos, mas vincular a eles leis e direitos que não instituam a fragilidade, mas potencializem a qualidade de vida. Enquanto sociedade, precisamos oferecer oportunidades que respeitem a terceira idade — diz Ruiz, que é coordenadora da Avance Centro-dia.
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