Jornalista: Leila de Souza Lima
Valor Econômico
07/01/20 - Mesmo com a urgência em se fazer ajustes na saúde pública, com melhora na gestão, adoção de novas tecnologias e redução de despesas, é necessário abrir espaço fiscal para direcionar recursos à área devido aos desafios socioeconômicos do país, avalia o ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga. Neto, filho e sobrinho de professores da área médica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o economista encontrou nessa ascendência parte da razão para fundar em meados do ano passado o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps). Como descreve, a organização surge com o fim de debater e formular políticas para o setor, além, caso necessário, de se posicionar reativamente a propostas e medidas geradas no âmbito do sistema. “Sempre de forma independente, apartidária e analítica”, frisa ele.
Arminio e seus colaboradores - um time de estudiosos e especialistas no assunto sabem que não é fácil avançar nessa cruzada, num cenário em que patrocinadores estão cada vez mais escassos. Esse é o motivo de ser difícil encontrar no Brasil entidades dedicadas ao tema, que requer estudos caros, prescindindo de ajuda do governo ou da iniciativa privada. “O dinheiro vai vir de fora do setor”, diz o cientista político Miguel Lago, diretor-executivo do Ieps. “E não aceitamos nem do poder público. Isso torna o desafio maior, mas nos dá total independência”.
Esse princípio é primordial diante do que o Ieps - por ora bancado totalmente por Arminio - defende como essencial para manter de pé um sistema que atende aos três quartos da população sem planos de saúde. Em resumo, definir “de forma consciente” prioridades de gastos na área, o que provoca reação dos defensores mais ferrenhos do SUS como sistema universal que é, e a concretização de reformas que vão desagradar a alguns segmentos da sociedade, como mexer no Imposto de Renda, um terreno para subsídios tributários altamente regressivos no Brasil, conforme pontua Arminio, sócio da Gávea Investimentos.
Ele afirma, no entanto, que todos os esforços terão que ser feitos, tanto em relação aos recursos financeiros quanto no campo da eficiência e da precisão cirúrgica dos gastos. “E não ficar na ilusão de que tudo é possível instantaneamente, dando no que deu ao longo de décadas”, analisa. A questão de obter recursos exige a decisão estratégica de abrir espaço orçamentário, um aspecto relacionado à própria democracia brasileira, ressalta o economista.
Dessa forma, segundo Arminio, é importante discutir gestão com postura “desarmada”, um recado que se dirige às várias pontas desse debate - setores público, acadêmico e privado, que se desdobra em planos, seguros, fornecedores e prestadores dos serviços médicos. Apesar de reconhecer o SUS como um bom modelo, ele vê lugar para melhorar a eficiência e reorganização federativa do sistema a fim de “fazer mais com menos”, a exemplo do que o governo propala como possibilidade.
Arminio pondera, contudo, que essa ideia não pode ser usada como argumento fazendário para fechar as comportas orçamentárias. “Então vejo um setor que vive certo impasse; tem essa tensão entre a falta de dinheiro, os desafios de gestão e as necessidades fiscais. A saúde pública corretamente reclama por mais investimento num terreno em que há disputa por recursos entre as áreas. E o país também está numa situação complicada e há a necessidade de organizar a situação financeira. Não podemos viver crises econômicas de dez em dez anos, um claro obstáculo ao desenvolvimento”, observa ele, para quem o caminho até o equilíbrio entre esses dois mundos - fiscal e social - é longo e difícil.
O ex-presidente do BC conta que, paralelamente aos estudos em torno de alternativas para a saúde, tem se debruçado sobre os grandes números num trabalho combinado sobre desigualdade no país. Essa imersão confirmou a ele o excesso de rigidez do Orçamento federal. E essa é uma das queixas de pesquisadores que já fizeram contas para projetar os impactos da austeridade imposta pelo teto de gastos vigente desde 2017, como o freio na redução da mortalidade infantil, segundo mostrou estudo liderado por Harvard e divulgado pelo Valor ano passado.
“As despesas com funcionalismo e Previdência representam 80% do gasto público, somando-se as três esferas de governo. Aí sobra muito pouco para o resto. Claro que tem funcionalismo na saúde, na educação, muita gente. Mas é daí também que pode surgir uma racionalização para atender às prioridades da nação”, afirma ele, para quem a reforma do Estado, adiada no ano passado, precisa voltar à pauta o mais rapidamente possível por ser outra fonte de economia e redistribuição de verbas.
“A reforma da Previdência que foi aprovada também só resolve um terço da questão. Ela vai ter que ser reforçada, e um aspecto já está em discussão; os Estados que terão que ser incluídos. E mesmo que se inclua, ainda vai faltar.” A questão colocada pelo economista é: de onde vai sair o dinheiro? “A carga tributária no Brasil já é bem alta, não é fácil aumentar imposto num país como o nosso. Mas existem subsídios e genuinamente absurdos do ponto de vista distributivo, que deveriam ser eliminados. Já tenho proposto esse caminho.”
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