ELON MUSK QUER HACKEAR SEU CÉREBRO

xFILES-US-INTERNET-COMPUTERS-HEALTH-MUSK-NEURALINK.jpg.pagespeed.ic.VPyTAQIQZg.jpg?profile=RESIZE_710xO empresário Elon Musk revelou planos para o desenvolvimento de implantes cerebrais Foto: FREDERIC J. BROWN / AFP

E não é só ele que quer explorar essa área; o Facebook também anunciou o desejo de criar uma tecnologia de leitura de mentes

Lucille M. Tournas e Walter G. Jonhson, da Slate, com tradução de Filipe Vidon

ÉPOCA

Em julho, Elon Musk fez um aguardado anúncio sobre a Neuralink, sua empresa secreta de interface cérebro-computador. A grande revelação: o lançamento de um conjunto de pequenos eletrodos ligados por “fios” e uma “máquina de costura” para o cérebro desenhada para implantar os eletrodos através de pequenos orifícios no crânio. Musk prevê usar os BCIs (sigla em inglês para interface cérebro-computador) para controlar smartphones — imagine usar um aplicativo ou digitar uma mensagem sem mexer os dedos —, mas tecnologias como a da Neuralink também podem se tornar ferramentas inovadoras para a medicina e a cirurgia.

A companhia faz planos para testar a tecnologia em humanos com autorização da Food and Drug Administration (FDA, a agência americana que regula alimentos e medicamentos) já no próximo ano. Musk é conhecido pelos prazos agressivos para as tecnologias desenvolvidas por suas empresas, mas esse comportamento pode sinalizar que ele não entende a complexidade do processo de análise da FDA. E não é só Musk que quer explorar essa área.

O Facebook anunciou o desejo de criar uma tecnologia de leitura de mentes com o objetivo de controlar dispositivos de realidade virtual, enquanto Bryan Johnson, fundador das companhias Braintree e Kernel, que também trabalha no desenvolvimento de BCIs, visa explicitamente o avanço da cognição humana. Um setor que está tentando se mover rápido e superar desafios pode não ter a paciência necessária para cumprir as regras da FDA. Em vez disso, o embate entre a defasada burocracia legal da agência e uma indústria excessivamente cuidadosa poderia causar danos reais aos pacientes e prejudicar a capacidade da agência de supervisionar as tecnologias de ponta.

No passado, nosso limitado conhecimento do sistema cerebral dificultou o tratamento de doenças neurológicas e traumas. Utilizando o poder da inteligência artificial, no entanto, um cérebro conectado a um BCI poderia ser usado para diagnosticar e tratar condições neurológicas complexas. Se a tecnologia funcionar como esperado, poderia garantir a pacientes com limitações motoras a chance de andar, estimular o avanço no tratamento de doenças mentais ou até reverter doenças cerebrais degenerativas, como o mal de Parkinson. Nesse caso, “revolucionário” seria um eufemismo.

Por outro lado, o uso dessa tecnologia em pacientes ou em pessoas saudáveis é motivo de sérias preocupações. A inserção de objetos no cérebro, mesmo por meio de uma “máquina de costura” aparentemente inofensiva, envolve questões delicadas, como a possibilidade de danificar o tecido neural, causar uma reação imunológica adversa ou uma infecção cerebral. Interfaces entre cérebro e máquina também levantam discussões sobre segurança e privacidade, já que utilizam componentes digitais.

  • Quem vai poder coletar e usar os dados criados pelo cérebro dos pacientes?
  • Como os BCIs serão protegidos de ataques cibernéticos?
  • Essa tecnologia estará disponível apenas para os mais ricos? Pacientes poderão se tornar dependentes das empresas que implantaram os BCIs em seu cérebro?

Musk não respondeu a nenhuma dessas perguntas, mas elas certamente estarão na cabeça dos agentes reguladores. Uma máquina cerebral invasiva que requer cirurgia — mesmo que chamada de “máquina de costura” — passaria pelos mais rigorosos protocolos de aprovação do FDA, exigindo muitos estudos até chegar ao mercado. Antes disso, a Neuralink precisará obter a liberação para uma versão de testes do dispositivo, mas o sigilo da empresa sobre o estágio de desenvolvimento da tecnologia torna difícil saber quando ela estará madura o suficiente para solicitar o teste.

Enquanto isso, a FDA vem tendo dificuldades para acompanhar o ritmo do surgimento de novas tecnologias. Lidando com inovações que vão de células-tronco a inteligência artificial, a agência tem lutado para descobrir como encaixar novas tecnologias em regulamentos já existentes. Por exemplo, em 2017 a agência alegou que as regulamentações para medicamentos também incluem os tratamentos com células-tronco e, por isso, vem enfrentando duras batalhas judiciais com clínicas que realizam o tratamento.

As empresas de tecnologia que esperam avançar rapidamente nessa área agora estão pressionando a FDA para acelerar o processo. Embora o Vale do Silício há muito tempo se interesse por cuidados de saúde, esse nem sempre foi um encontro perfeito. No passado, os titãs da tecnologia aparentemente não estavam preparados para a vasta supervisão regulatória, as regras de aprovação e a abordagem interdisciplinar exigida para projetos de saúde bem-sucedidos.

Em exemplo disso é o Google Health, criado como um sistema pessoal de centralização de dados de saúde, que falhou por vários motivos, incluindo preocupações com privacidade de dados e pouca colaboração de médicos e planos de saúde. A inteligência artificial parece ter despertado um novo interesse nas pretensões do Vale do Silício para a área da saúde, especialmente agora com os BCIs. A inteligência artificial permite que dispositivos médicos como os BCIs aprendam com cada paciente que tratam e analisem essa informação para tratar o próximo paciente, melhorando a cada dia.

Perguntas não respondidas sobre quais regras da FDA se aplicariam ao software do BCI e se os desenvolvedores estão protegidos contra processos judiciais (como outros desenvolvedores de dispositivos implantáveis) podem forçar as empresas a desenvolver seus dispositivos em lugares onde as regras são mais flexíveis e os processos não vão ocorrer — e onde menos proteções podem estar disponíveis para os participantes do teste. Dessa maneira, o turismo médico, as preocupações com segurança e proteção de dados e o acesso limitado aos mais ricos são questões que podem surgir rapidamente.

Com essas preocupações iminentes, a FDA emitiu, no início deste ano, um projeto de orientação sobre BCIs, sinalizando o interesse em administrar a tecnologia. O esboço sugere que os desenvolvedores usem testes laboratoriais rigorosos para identificar riscos potenciais e evitá-los em testes clínicos em pacientes posteriormente. No entanto, o componente digital dos BCIs que usa inteligência artificial cria outros desafios regulatórios, já que esse software pode se adaptar à medida que aprende com os pacientes, tornando-se um novo dispositivo a cada atualização.

Além do projeto de orientação, a FDA emitiu, também no início deste ano, um documento em que reconhece a necessidade de regras mais adaptáveis para softwares em constante mudança a fim de promover ao mesmo tempo a segurança do paciente e a inovação, mas não chegou a uma política oficial. O processo de reconhecimento de uma questão regulatória, recolhendo opiniões e formalmente tomando uma decisão política é demorado por si só.

Será de extrema importância que a indústria e os reguladores trabalhem juntos para gerenciar adequadamente um novo dispositivo médico como os BCIs. O programa piloto pré-certificação do FDA pode oferecer um caminho. Ele concentra a atenção regulatória não em produtos específicos, mas nas empresas e desenvolvedores que os produzem. Quando a agência considera que uma empresa é responsável e usa práticas seguras para desenvolver um software, ela não precisa de aprovação para cada produto individual. Uma opção para gerenciar os BCIs seria submeter as empresas a testes clínicos para a segurança do dispositivo físico, enquanto o software poderia ser tratado por meio de programas mais flexíveis, como o de pré-certificação.

Com a Neuralink e outras empresas de BCIs avançando, chegou a hora de os reguladores levarem a tecnologia a sério e a indústria colocar a proteção do paciente no centro da inovação. Em vez de acelerar de forma incontrolável a tecnologia, a indústria dos BCIs precisará fazer um esforço para trabalhar com os reguladores de dispositivos visando proteger os pacientes. De outro lado, a FDA pode precisar buscar programas mais flexíveis para uma inovação rápida e segura, já que a falta de comprometimento pode levar ao dano ou exploração do paciente sob o disfarce de progresso.

Esse artigo foi originalmente publicado na Slate.

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