Valor Econômico
09/03/20 - A crise provocada pelo coronavírus atrapalhou o cronograma de lançamento de um dos projetos prioritários do Ministério da Saúde para 2020, o Genoma Brasil. A ideia é ambiciosa: sequenciar o genoma (conjuntos de genes) de 150 mil perfis brasileiros nos próximos quatro anos. Com essa ofensiva, o governo quer elevar o patamar da pesquisa genética do país.
O projeto é importante porque vai ajudar a decifrar variações genéticas dos brasileiros, cuja população é profundamente miscigenada. Atualmente os estudos científicos nessa área são feitos, principalmente, com DNA europeu, que possui marcadores genéticos diferentes.
“A gente precisa ter o nosso banco genético porque ele é muito característico: temos branco, negro, índio e o mundo não tem isso. O banco genético da Inglaterra tem 100 mil códigos genéticos decifrados. A China tem também. O mundo todo tem e o Brasil não. Eu vou fazer 150 mil em quatro anos. Isso é código genético completo. É uma massa que dá condição da nossa pesquisa se desenvolver, é um grande patrimônio, coloca o Brasil num outro andar da pesquisa científica”, disse o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
A medida tem impacto direto, por exemplo, na identificação de genes relevantes para doenças complexas. Na avaliação do ministro, os tratamentos, pesquisas e medicamentos relacionados ao genoma humano serão determinantes para a medicina no século XXI e também para os gastos públicos na área da saúde.
“Do mesmo modo que no século XX o maior ‘case’ da ciência foram as vacinas - e isso mudou o panorama do mundo, erradicamos doença, vivemos mais -, no século XXI o ‘case’ será a genética. O Brasil estava completamente fora desse escopo”, acrescentou.
Mandetta ainda não quer falar no aporte financeiro necessário para o projeto. “Vamos investir grandes recursos para a gente correr atrás do tempo perdido”, se limita a dizer. Ainda assim, adiantou que a ideia é evitar a construção de novos prédios ou equipamentos públicos. O Ministério da Saúde vai apostar na criação de uma rede interligada de pesquisa que garanta a sinergia e evite sobreposições de instituições de todo país que pesquisam o assunto.
“Vou fazer uma plataforma digital, não quero construir mais prédio. O que eu quero é uma plataforma com diferentes graus. Precisamos ter uma linha de pesquisa e não haver redundância de gasto”, pontuou, acrescentando que o ideal é que duas pessoas não pesquisem a mesma coisa ao mesmo tempo. “Você está querendo fazer uma pesquisa como essa? Ele já está fazendo. Você não quer fazer o step seguinte? O Brasil tem muita redundância de gasto, área cinzenta, sobreposição.”
Será importante, porém, que o Congresso aprove um projeto que regulamente pesquisas clínicas desse tipo. Atualmente o Ministério da Saúde está discutindo as implicações éticas e legais da criação de um banco genético, algo que ainda deve ser lapidado pelos secretários.
“Precisa ter, para ter segurança jurídica [para o Genoma Brasil]. Por exemplo, você é voluntário do banco genético. Se eu acho um problema no seu gene, eu te aviso ou não? Tem problemas éticos que estamos discutindo. Não fosse o coronavírus, a gente já tinha lançado isso”, lamentou Mandetta.
Segundo o ministro, desde o ano passado sua gestão tem trabalhado para reorientar a pesquisa brasileira baseada num “triângulo”, nas palavras dele, que tem Inglaterra, EUA e Israel como horizonte. “Com esse triângulo, nessa parte de genética, a gente deve construir muitas parcerias. Isso envolve capacitação, formação de geneticistas, bolsas, pesquisas alinhadas. Isso acontece no Brasil? Acontece, mas acontece ali na Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo]. Acontece na Fiocruz também... mas agora vamos colocar as raias e saber onde a gente quer chegar.”
Na visão de Mandetta, o Genoma Brasil tem potencial para adequar o país a um novo momento do medicina mundial, com o desenvolvimento das chapadas terapias gênicas. Um exemplo é o caso dos portadores de atrofia muscular espinhal (AME), doença rara, degenerativa, passada de pais para filhos e que interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis por gestos vitais, como respirar, engolir e se mover.
A patologia já tem um medicamento fornecido pelo governo brasileiro, o Spinraza, incorporado na gestão do atual ministro como forma de acabar com disputas judiciais. O Ministério aceitou fornecer a droga para todos os pacientes, sob um custo de aproximadamente R$ 130 mil por ampola, mas com “risco compartilhado” junto ao laboratório que fabrica o produto.
Recentemente, foi desenvolvida uma terapia gênica para essa mesma enfermidade, mas a um custo muito superior. O receio de Mandetta é que a Justiça obrigue o governo a comprar medicamentos como esse. Diante desse cenário, o ministro fez um périplo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado para tentar alertar os ministros da Corte sobre o impacto de um julgamento que pode acabar com esse tipo de implicação.
Até agora, disse Mandetta, seu trabalho foi voltado para a redução de custos e garantia de verbas. Ele ampliou o período coberto pelas licitações para aumentar seu poder de barganha e também passou a exigir que os fornecedores fizessem as entregas em cada Estado, e não só num centro logístico do governo federal em São Paulo. Economizou, dessa forma, com logística e frete.
Ele afirmou que não houve economia global de custos, mas sim melhor alocação de recursos. “Nunca fui ao Paulo Guedes para pedir um centavo, mas eu combinei com ele: ‘Você também não vai tirar um centavo meu’”, contou. Segundo a pasta, cerca de 70% das despesas do Ministério da Saúde é de custeio, ou seja, para manutenção dos serviços. Em 2019, o orçamento chegou a R$ 124,1 bilhões.
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