Médicos enfrentam dúvidas para substituir remédios
Manoella Smith, Mayara Paixão e Iara Biderman
FOLHA UOL
SÃO PAULO Uma das barreiras à expansão dos biossimilares no Brasil é a incerteza diante de eventuais trocas de um medicamento biológico pelo seu similar —ou do biossimilar de uma marca por outra mais barata— depois de iniciado o tratamento. A questão, que provoca muita discussão entre os profissionais, atende pelo nome de intercambialidade.
A dúvida é alimentada pela própria natureza desses medicamentos. No caso dos sintéticos, o genérico é cópia do remédio de referência. Já nos biofármacos, a estrutura molecular complexa torna impossível a reprodução idêntica.
Como são medicamentos relativamente novos, não há estudos suficientes nem consenso sobre o tema no mundo. Os EUA tentam costurar uma lei de intercambialidade que permitirá a substituição automática de um biológico pelo seu biossimilar.
Já a EMA, agência regulatória da União Europeia, deixa a cargo dos Estados-membros a regulamentação. A maioria dos países do bloco opta por não permitir a substituição automática, recomendando que a decisão fique a cargo do médico. No Brasil, o cenário é semelhante.
“Na nossa visão, a intercambialidade depende do acompanhamento do paciente. Apesar de exigirmos estudos de comparabilidade com critérios rigorosos para aprovar um biossimilar, sabemos que ele pode ter respostas imunológicas diferentes, por isso é importante o papel do profissional de saúde”, disse o gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes.
No estudo de comparabilidade, o candidato a similar é submetido a um pacote de testes científicos para atestar sua qualidade, eficácia e segurança, e só é autorizado após a aprovação.
Em 2018, o relatório final do grupo de trabalho que estruturou diretrizes para a Política Nacional de Medicamentos Biológicos no SUS apontou a escassez de estudos sobre intercambialidade como um dos fatores que retardam a incorporação dos biossimilares no sistema público.
“Se eu tenho um paciente estável, que conseguiu controlar uma doença inflamatória incurável, devo mudar o biológico por um biossimilar? Seria ético?”, questiona Rogério Saad, presidente do Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil.
As dúvidas crescem quando a oferta dos biossimilares é ampla —caso do trastuzumabe, usado para câncer de mama, que tem cinco versões de diferentes laboratórios aprovadas pela Anvisa. Além do medicamento originador, o Herceptin (Roche), existem Zedora (Libbs), Kanjinti (Amgen), Herzuma (Celltrion), Ontruzant (Samsung Bioepis) e Trazimera (Wyeth).
“O trastuzumabe circula no corpo da mulher por um mês. Se a paciente recebe uma dose a cada três meses e cada uma dessas aplicações for de uma marca diferente, não há como saber qual delas é responsável por eventual efeito adverso”, explica Franklin Pimentel, oncologista do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
O ideal, segundo especialistas, é não fazer múltiplas trocas. Uma eventual substituição deve acontecer em tempos espaçados, depois de seis ou oito meses, diz Pimentel.
Se for um novo paciente, os médicos não veem qualquer problema em começar com o biossimilar. “Visitei duas fábricas, uma no Brasil e outra no exterior, para ver de perto o processo e só assim confiei na segurança. Desde então, virei entusiasta”, contou o hematologista Rony Schaffel, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
MONITORAR SEGURANÇA DO MEDICAMENTO EM USO É ESSENCIAL Para monitorar os efeitos das drogas e de trocas durante o tratamento, é essencial reunir dados sobre efeitos adversos —a farmacovigilância. A Anvisa, lembra Gustavo Mendes, tem, em parceria com a OMS (Organização Mundial de Saúde), um novo sistema para notificação de reações inesperadas a medicamentos e vacinas, o VigiMed.
No sistema anterior, o médico tinha que preencher 32 páginas para enviar as informações. No atual, bem mais simples, além dos profissionais, os pacientes podem fazer as notificações.
Após análise dos informes, a Anvisa estabelece prazos para a empresa tomar providências: avisar aos médicos, incluir na bula ou, em casos mais graves, recolher lotes e suspender vendas.
“A farmacovigilância sempre foi um grande problema porque essa cultura não está integrada à formação profissional. O Ministério da Saúde precisa ajudar a fomentar essa conscientização entre os profissionais”, afirma Valderílio Azevedo, professor da Universidade Federal do Paraná.
O 2º Seminário Folha sobre Medicamentos Biossimilares foi realizado nos dias 21 e 22 de outubro e contou com o patrocínio da Libbs Farmacêutica e da Sandoz. A mediação foi feita pela repórter especial Cláudia Collucci.
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