Foto: Reprodução
por CLÁUDIA COLLUCCI
Folhapress
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A corrida pelo uso da hidroxicloroquina e da cloroquina na Covid-19 tem provocado falta do remédio nas farmácias, alta dos preços e piora da saúde de pacientes com lúpus e outras doenças inflamatórias autoimunes.
O desabastecimento é registrado desde março, quando o presidente Jair Bolsonaro passou a defender o uso da substância, mesmo sem evidências sobre a eficácia e a segurança no contexto da pandemia de coronavírus.
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Nos primeiros quatro meses do ano, houve um aumento de 65% nas compras do medicamento nas farmácias em comparação ao mesmo período de 2019, segundo a farmacêutica Apsen, que produz a hidroxicloroquina no Brasil há 18 anos, com foco no tratamento de pacientes crônicos.
Nas redes sociais, há queixas de médicos e pacientes em todo o país. O reumatologista João Alho Teixeira, de Santarém (PA), disse que no hospital onde trabalha há cinco pacientes internadas por piora do quadro clínico de lúpus em razão da falta do remédio nos últimos meses.
“Existe uma peregrinação pelas farmácias. É bizarro porque são pessoas que estão muito doentes e têm que se humilhar para conseguir um remédio que está sendo usado para fins indevidos”, afirmou o médico.
Nas farmácias de Santarém, a caixa do medicamento que antes custava em torno de R$ 80 agora não sai por menos de R$ 120 e, ainda assim, demora de 30 a 40 dias para chegar, segundo Teixeira.
A servidora pública Olívia Arruda, 37, de Cuiabá (MT), tem lúpus há 16 anos e não encontra a hidroxicloroquina há dois meses. “A gente fica desesperada. Liga nas farmácias e a resposta é sempre a mesma: não têm e não sabem quando vai ter.”
Fabíola Paes, 39, do Amapá, usa a medicação há uma década, também no tratamento de lúpus, e ficou dois meses sem usá-la. “Tive muita dor nas articulações, o corpo começou a inchar muito e o médico disse que meus rins poderiam parar.” Ela retomou o tratamento após receber a doação de uma caixa do medicamento.
A aposentada Edna das Neves, 71, tem artrite e artrose e também faz tratamento à base de hidroxicloroquina. Sem a medicação, passou a sentir dores nos tornozelos, joelhos e cotovelos.
Segundo a reumatologista Wanda Heloísa Rodrigues Ferreira, que coordena uma comissão dentro da SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia) que faz a interface com associações de pacientes, as queixas sobre o desabastecimento da hidroxicloroquina são generalizadas.
Só uma dessas entidades, a Associação Brasileira Superando Lúpus, Doenças Reumáticas e Raras, viu as reclamações sobre a falta da medicação passarem de 121 em janeiro para 1.279 até o dia 22 de maio.
“Temos relatos de inúmeros colegas que tiveram pacientes descompensando pela falta de medicação”, diz Ferreira. O grau de agravamento vai depender da doença e da condição do paciente. Pode ir de dores e lesões cutâneas até insuficiência renal.
O reumatologista Morton Scheinberg, do Hospital Israelita Albert Einstein, diz que a saída de muitos pacientes com lúpus tem sido as farmácias de manipulação, mas mesmo essa opção já começa a escassear por falta da matéria-prima.
Ele lembra, porém, que para os casos moderados e graves de lúpus existem outras opções terapêuticas combinadas com cortisona e imunossupressores. O problema é que são mais caras.
Sergio Mena Barreto, presidente executivo da Abrafarma ( Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias), afirma que no Brasil há 100 mil usuários “clássicos” de cloroquina.
“Sempre estivemos estoque para três meses, mas, quando houve essa corrida, o que tinha nas farmácias foi vendido”, lembra.
Em março, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tornou a venda da substância condicionada à apresentação da receita médica, com retenção de uma das vias, com a intenção de restringir o uso sem indicação.
No período, segundo Mena Barreto, muitas redes de farmácias, para frear a busca exagerada dos novos consumidores que apareceram no contexto da Covid-19, decidiram reter os estoques nos centros de distribuição.
“Mas vários prefeitos e governadores passaram a requisitar os produtos. Chegaram às centrais de distribuição, com reforço policial, e, literalmente, tomaram os produtos do mercado.”
Para piorar a situação, a Índia, principal exportadora de matéria-prima para produção de hidroxicloroquina, impôs restrição à compra de insumos e, por um período, suspendeu as exportações. “Quando abriu, o preço estava nas alturas. Os laboratórios compraram [os insumos] por preços seis vezes superiores aos habituais”, diz Mena Barreto.
Somado isso, tanto o poder público quanto o mercado privado, especialmente planos de saúde, passaram a comprar o produto diretamente dos laboratórios para fazer ações de prevenção na Covid-19, o que ajudou a fazer com que o remédio nem chegasse às farmácias para os clientes habituais.
SERVIÇOS PARA PACIENTES CRÔNICOS
Com a alta na demanda e a restrição à importação de matéria-prima, as farmacêuticas Apsen e a EMS, que fabricam a hidroxicloroquina no Brasil, criaram canais especiais para atender pacientes crônicos em tratamento para as indicações da droga aprovadas em bula.
A Apsen diz que reforçou o canal de atendimento ao cliente (0800 16 56 78, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h). Por meio dele, afirma que auxilia os pacientes crônicos a encontrar a hidroxicloroquina em sua cidade, indicando os locais de compra do medicamento.
A EMS, que começou a produzir o sulfato de hidroxicloroquina em setembro de 2019, diz que para os pacientes que necessitam de uso contínuo da substância no tratamento de malária, artrite reumatoide ou lúpus, a empresa tem realizado um atendimento especial por meio do seu SAC: 0800-191914, que atende de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.
Até fevereiro, a EMS informa que havia fabricado cerca de 3,96 milhões de comprimidos da substância. Em março e abril, foram mais de 2,75 milhões. Afirma que a produção de um novo lote de 1,2 milhão de comprimidos está prevista para o final de junho.
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