Apesar da gravidade, o problema é silencioso e frequentemente negligenciado com a falta de tratamento adequado

Uma importante revisão de estudos conduzida pelo gastroenterologista Dan L. Waitzberg com pesquisadores brasileiros renomados na área de terapia nutricional foi publicada recentemente na revista espanhola Nutrición Hospitalaria na qual os especialistas apontam o impacto da desnutrição clínica no Brasil e no mundo, considerando as suas consequências para os custos de saúde e a recuperação do paciente. Dan é professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, diretor presidente do Grupo de Nutrição Humana, coordenador da Comissão de Nutrição Clínica do Complexo Hospital das Clínicas, coordenador da Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutricional do ICESP e coordenador da Residência Médica de Nutrologia do Hospital das Clínicas.

Foram considerados 49 estudos de 18 países que mostram como a desnutrição clínica é um tema fundamental na agenda de saúde pública por contribuir na piora do quadro clínico dos pacientes, levando ao consequente aumento do período de internação e dos custos totais do tratamento, tanto em pacientes internados em hospitais como em indivíduos tratados em casa (home care). Por outro lado, a implementação da terapia nutricional adequada mostrou que pode reverter este quadro, trazendo benefícios clínicos e econômicos ao sistema de saúde.  

Para Dan L. Waitzberg, o problema é antigo. Em 1996, ele conduziu o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI), um estudo abrangente sobre o estado nutricional de pacientes internados em hospitais de todo o Brasil. A pesquisa constatou que a desnutrição atinge metade dos pacientes hospitalizados e também os afeta posteriormente, ao serem tratados em casa, onde os mesmos sofrem o impacto da negligência no cuidado nutricional, aumentando sua readmissão hospitalar.

Na ocasião, o IBRANUTRI avaliou 4 mil pacientes com mais de 18 anos de 14 cidades brasileiras. A prevalência de desnutrição foi particularmente elevada em pacientes oncológicos (66,3%), em pacientes com mais de 60 anos (52,8%) e em pacientes com infecções (61,4%). As taxas de desnutrição foram de 33,2% no prazo de dois dias após admissão hospitalar e de 61% quando a internação hospitalar foi maior ou igual a 15 dias após a admissão.

A atual revisão mostra que, vinte anos depois, a desnutrição clínica continua tão prevalente na sociedade quanto na época do primeiro levantamento. Em 2016, um estudo latinoamericano1 apontou que a desnutrição atinge de 40% a 60% dos pacientes que dão entrada em hospitais da América Latina.

“A desnutrição clínica, quando associada a outras doenças, resulta em um aumento das taxas de infecção e do tempo de permanência no hospital, levando a um acréscimo nos custos de tratamento e taxas de mortalidade significativamente mais altas. Este problema é um inimigo oculto que está infiltrado nos hospitais e nos domicílios dos pacientes. A reversão deste quadro depende de informação, detecção precoce dos pacientes desnutridos e da implementação da terapia nutricional adequada”, explica Dan.

A respeito do impacto financeiro, um estudo de 2003demonstrou um aumento de 60,5% nos custos de internação dos pacientes com desnutrição clínica. Considerando a ocorrência de complicações e tempo de internação, esses custos apresentaram aumento de até 308,9% quando comparado com a internação de pacientes bem nutridos. Assinam o documento outros pesquisadores brasileiros renomados na área de terapia nutricional: José Eduardo de Aguilar Nascimento, Presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE/BRASPEN), responsável pelo grupo de pesquisa Nutrição e Cirurgia da UFMT e pelo projeto ACERTO (www.projetoacerto.com.br); Maria Carolina Gonçalves Dias, nutricionista Chefe da Divisão de Nutrição e Dietética do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, coordenadora Administrativa da Equipe Multiprofissional de Terapia Nutricional do Hospital das Clínicas), Nivaldo Pinho (chefe do Serviço de Nutrição do Instituto Nacional do Câncer –INCA), Robson Moura (presidente da Associação Bahiana de Medicina) e Maria Isabel Toulson Davisson Correia (Professora titular aposentada (e agora convidada) de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais. Orientadora plena do programa de pós-graduação em Nutrição da Faculdade de Enfermagem da UFMG e do programa de pós-graduação em Ciências Aplicadas à Cirurgia e à Oftalmologia, da Faculdade de Medicina da UFMG e do Programa de Ciências de Alimentos da Faculdade de Farmácia da UFMG)

 Desnutrição clínica - entenda

 A desnutrição pode ser definida como um desequilíbrio metabólico causado pelo aumento da necessidade calórico-proteica, consumo inadequado de nutrientes com consequentes alterações da composição corporal e das funções fisiológicas.

A desnutrição que acontece no ambiente hospitalar vem normalmente associada à doença de base do paciente. Porém, diversos fatores contribuem para seu agravamento como a idade avançada, tratamento com múltiplas drogas, quimioterapia, radioterapia, cirurgias, saúde dental, isolamento social, entre outros. 

O nutricionista faz a identificação por meio de perguntas simples (triagem nutricional) ou exames (avaliação nutricional). No caso do paciente internado, esse profissional observa o consumo alimentar do paciente. Se ele estiver comendo apenas a metade (ou menos) das refeições servidas é necessário intervir do ponto de vista nutricional.

A desnutrição causa um impacto negativo na saúde do indivíduo de forma geral. Um dos efeitos da desnutrição é a perda de massa magra, que eleva o risco de infecção, diminui a cicatrização e aumenta o risco de mortalidade em doenças agudas e crônicas. Há também o risco de complicações pós-operatórias e tempo maior de internação.

“A desnutrição hospitalar ou a desnutrição associada às doenças afeta todos os países do mundo. O que diferencia cada país é a forma como o governo e os profissionais de saúde intervêm, identificando os pacientes de risco nutricional ou desnutridos precocemente e implementando uma terapia nutricional adequada. O papel do governo é crucial na reversão deste cenário. O Reino Unido se destaca mundialmente no estudo e no tratamento da desnutrição hospitalar. Eles são responsáveis pela condução de uma série de estudos clínicos que deixam claro a alta prevalência da desnutrição”, ressalta Dan.

Tratamento

A detecção precoce do risco nutricional ou desnutrição é fundamental para recuperar este paciente. O manejo nutricional deste paciente engloba a orientação de um nutricionista, a adequação de toda a alimentação, o acréscimo de suplementos nutricionais sempre que necessário ou o uso de uma sonda enteral, se a alimentação oral estiver impossibilitada.

Os suplementos nutricionais orais contêm os nutrientes necessários de forma concentrada para que o paciente ganhe peso, recobre o apetite e se recupere melhor. No caso dos pacientes que não conseguem se alimentar ou aceitar o suplemento nutricional oral, utiliza-se a nutrição enteral. Neste caso, utiliza-se uma sonda ou cateter fino e confortável que a equipe de saúde introduz no paciente por via nasal ou percutânea, tendo sua porção final localizada no estômago ou intestino. Assim, a dieta enteral líquida é administrada por esta sonda, chegando diretamente no sistema digestório do paciente. Porém, quando o aproveitamento do alimento pelo aparelho digestório não é possível, a nutrição parenteral apresenta-se como alternativa, utilizando-se a via intravenosa para administração de nutrientes na forma de produtos (medicamentos) específicos para esse tipo de procedimento.

style="display:block" data-ad-format="autorelaxed" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="7514086806"> Um estudo de 2016demonstrou que os pacientes que receberam uma intervenção adequada com suplementação nutricional por via oral tiveram, em média, a permanência hospitalar reduzida para aproximadamente 2 dias (ou 13% do tempo de internação) e redução de 35% complicações.

Uma análise realizada em 2011no banco de dados americano Medicare com 378 mil pacientes revelou que o uso de suplementação nutricional por via oral apresentou uma redução média de 12% nos custos de hospitalização por doença pulmonar obstrutiva crônica.

Pesquisadores franceses conseguiram medir o impacto financeiro do tratamento com suplementação oral acompanhando 378 indivíduos com mais de 70 anos pelo período de 1 ano5. Eles concluíram que o investimento em suplementação para pacientes domiciliares está relacionado à redução de custos na comunidade. Em média, é feita uma economia de US$ 18 em cuidados médicos para cada US$ 1 gasto em suplementação nutricional por via oral. Os custos de saúde dos pacientes desnutridos em domicílio foram de € 929 enquanto os pacientes que faziam uso de suplementação oral tinham um custo de € 278 euros, ou seja, uma diferença de 234%.

 

Conclusão

Diversos estudos demonstram a importância da avaliação nutricional nos hospitais e em pacientes home care para que a condição seja detectada no início e a intervenção com suplementação oral possa ser implementada o mais rápido possível com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

A aplicação rotineira de terapia nutricional, tanto no ambiente hospitalar quanto no domiciliar, melhora os resultados clínicos e é uma medida financeiramente efetiva, com a expectativa de redução dos custos ligados à saúde.

Infelizmente, a desnutrição hospitalar continua alta no Brasil com consequências muito graves para os pacientes. A implementação de avaliações e diagnósticos, assim como a indicação de suplementos nutricionais orais como o primeiro passo para tratar essa condição ainda é baixa e exige investimento em educação para mudar as práticas.

 

Artigo

 

Link para o artigo: http://revista.nutricionhospitalaria.net/index.php/nh/article/view/1098.

 Prof. Dr. Dan L. Waitzberg possui graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP (1974), mestrado pela Universidade de São Paulo (1981) e doutorado pela Universidade de São Paulo (1986). Atualmente é professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, diretor presidente do Grupo de Nutrição Humana, coordenador da Comissão de Nutrição Clínica do Complexo Hospital das Clínicas, coordenador da Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutricional do ICESP e coordenador da Residência Médica de Nutrologia do Hospital das Clínicas.

 

Referências no artigo:

1. Correia MITD, Perman MI, Waitzberg DL. Hospital Malnutrition in Latin America: A systematic review. Clin Nutr 2016: 1-10. DOI 10.2016/j. clnu.2016.06.025.

 

2. Correia MITD, Waitzberg DL. The impact of malnutrition on morbidity, mortality, length of hospital stay and costs evaluated through a multivariate model analysis. Clin Nutr 2003;22(3):235-9. DOI: 10.1016/S0261-5614(02)00215-7.

 

3. Elia M, Normand C, Norman K, Laviano A. A systematic review of the cost and cost effectiveness of using standard oral nutritional supplements in the hospital setting. Clin Nutr 2016;35(2):370-80. DOI: 10.1016/j.clnu.2015.05.010.

 

4. Guest JF, Panca M, Baeyens JP, De Man F, Ljungqvist O, Pichard C, et al. Health economic impact of managing patients following a community-based diagnosis of malnutrition in the UK. Clin Nutr 2011;30(4):422-9.

 

5. Arnaud-Battandier F, Malvy D, Jeandel C. et al. Use of oral supplements in malnourished elderly patients living in the community: a pharmaco-economic study. Clin Nutr. 2004 Oct;23(5):1096-103.

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