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Tão grande quanto o desafio de continuar a prolongar a própria existência é propiciar mais qualidade de vida na velhice – e já existe uma corrida em curso nesse sentido
Por Daniel Salles | Época Negócios
Em 2014, quando tinha 57 anos, o oncologista americano Ezekiel Emanuel escreveu um polêmico artigo para a The Atlantic com o seguinte título: “Por que espero morrer aos 75 anos”. Nele, defende que não vale a pena esticar a vida ao máximo se isso se traduzir, simplesmente, em anos a mais de saúde em frangalhos. “Sem dúvida, a morte é uma perda”, escreveu. “Mas aqui está uma verdade a que muitos de nós resistimos: viver por muito tempo também é uma perda. Torna muitos de nós, se não incapacitados, então vacilantes e em declínio, um estado que pode não ser pior do que a morte, mas que não é vantajoso”.
O artigo do oncologista, hoje com 67 anos, chama a atenção para o lado menos otimista do aumento da expectativa de vida no último século. Se hoje vivemos em média o dobro do tempo que nossos antepassados, a proporção de tempo com pouca ou má saúde não mudou, segundo um relatório recente elaborado pela consultoria McKinsey. Nos Estados Unidos, segundo o Conselho Nacional do Envelhecimento (NCO, na sigla em inglês), quase 95% dos americanos com 60 anos ou mais enfrentam, pelo menos, algum tipo de problema crônico de saúde – cerca de 80% convivem com dois ou mais. A expectativa de vida no Brasil, pelos cálculos do IBGE, é de 75,5 anos. Mas vivemos 63,7 anos com saúde, em média, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Há duas conclusões estatisticamente verdadeiras nesse cenário. A primeira é que passamos mais anos saudáveis da nossa existência do que qualquer outro momento da história. A segunda é que nunca padecemos tanto tempo de doenças como hoje.
Especialistas usam dois termos para definir o ponto em que estamos e aonde queremos chegar: não se fala apenas em lifespan (tempo de vida), mas também em healthspan (tempo de saúde). Aumentar o tempo de vida saudável exige olhar com mais cuidado e entender doenças até hoje pouco compreendidas e sem cura, e associadas ao envelhecimento, como Alzheimer e Parkinson. “Muita gente concorda que qualidade de vida é mais importante do que quantidade de vida”, disse a Época NEGÓCIOS Tim Peterson, CEO da Healthspan Technologies, criada em 2021 e que recebeu um aporte não revelado de Sam Altman, fundador da OpenAI. “Viver mais, porém ficar doente a maior parte do tempo, não é o ideal.”
Nem sempre existe um limite claro entre terapias que propiciam extensão da vida ou a melhoria do tempo vivido em plena saúde – a maior parte está na intersecção dos dois objetivos. A grande diferença em considerar intencionalmente os dois aspectos está em entender melhor como conseguirmos avançar também na ponta do healthspan. Um exemplo está no foco da Healthspan Technologies: o desenvolvimento de vacinas aptas a debelar patógenos que levam à aceleração do envelhecimento. “Há séculos, as doenças infecciosas são o principal fator limitante da expectativa de vida”, afirma Peterson. “Compreende-se, cada vez mais, como elas também potencializam males como a neurodegeneração, mas ainda é preciso empreender mais esforços para combatê-las.” É o caso dos integrantes da família dos herpesvírus. Estima-se que até dois terços da população mundial estejam infectadas com o herpes simplex e o citomegalovírus, principais alvos da Healthspan Technologies. “Ambos são cada vez mais associados ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, e à autoimunidade, entre outras condições imunológicas”, diz. Sediada no estado de Missouri, nos Estados Unidos, a startup diz já ter desenvolvido uma vacina com a tecnologia de RNA mensageiro contra o herpes simplex, ainda em fase de testes.
Grandes indústrias têm buscado o apoio de startups para acelerar nessa direção. Subsidiária da Bayer, a healthtech canadense Bluerock, cujo valor de mercado é de mais de US$ 1 bilhão, desenvolve terapias celulares para facilitar o tratamento de doenças diversas, como o Parkinson. A doença também está na mira da gigante AbbVie, que faturou US$ 55 bilhões no ano passado. Em outubro, a multinacional adquiriu, por US$ 110 milhões, a healthtech Mitokinin. Esta desenvolve um composto que promete corrigir uma disfunção mitocondrial associada ao Parkinson. Focada no desenvolvimento de novos tratamentos para doenças neurodegenerativas, a Neuropore Therapies criou uma substância apta a inibir o desenvolvimento incorreto de uma proteína chamada alfa-sinucleína, também associada à progressão da moléstia que afeta o ator Michael J. Fox. Já está sendo testada com humanos em parceria com a Novartis, que irá destinar US$ 150 milhões à healthtech para comercializar o medicamento, caso tudo dê certo.
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